Radicalizar é pegar as coisas pela raiz: é preciso expulsar a burguesia da USP na luta por uma Universidade Popular

Radicalizar é pegar as coisas pela raiz: é preciso expulsar a burguesia da USP na luta por uma Universidade Popular

Vitórias profundas para nosso movimento dependem de uma disputa radical, ampla e permanente do sentido da universidade.

Após três semanas de greve, discutiremos o fim da greve ou sua radicalização. Devemos encerrar a greve? Conquistamos aquilo que queríamos?

É importante que todos estudantes, professores, técnicos e demais apoiadores externos à USP tenham muito claro: essa é uma das maiores greves dos anos 2000 em nossa universidade. Poucas vezes se viu, na história recente da USP, todos os cursos da capital em greve, com manifestações tão grandes e coesas. 


Quem compara esta greve ao tsunami da educação comete alguns erros importantes: greve não é manifestação. Os estudantes não vão para rua e voltam para suas casas esperando que algum ente superior convoque-os novamente. Pelo contrário, as atividades são propostas e organizadas em grupos e comandos muito próximos das bases, com intensa participação e direção coletiva. Seu saldo de experiência, organização e politização entre nós estudantes é muito maior. Além disso, é difícil lembrar a última vez que houve manifestações massivas sem um novo grande corte de verbas ou tentativa de contrarreforma. Apesar do estopim ter sido o encerramento do curso de coreano, essa é uma greve de recomposição, que poderia ter estourado em qualquer momento nos últimos 10 anos, mas se deu agora por um conjunto de fatores.

Não é coincidência que durante governos progressistas haja um crescimento de greves e manifestações mais combativas. Durante os quatro limitados mandatos petistas, os trabalhadores fizeram mais greves que nos governos FHC, Temer e Bolsonaro, ultrapassando inclusive a marca histórica do “sindicalismo de guerrilha”, assim apelidado pelos patrões durante a abertura da ditadura.

Neste novo governo Lula 3, após um governo fascista de alto grau de tensão e retirada de direitos – que o povo só conseguiu derrotar parcialmente associando a luta à disputa da eleição burguesa de Lula -, pipocam por todo o Brasil muitas greves, lutas e manifestações populares. Em São Paulo, além da greve da USP, dos metroviários, ferroviários e da Sabesp, ainda vislumbramos uma concreta possibilidade de eleger Guilherme Boulos prefeito da maior cidade do país.

Os trabalhadores e estudantes percebem que agora é uma conjuntura mais favorável para derrotar políticas contrárias aos seus interesses e obter conquistas, do que durante um governo fascistizante e golpista.

Mais do que isso, percebem que é possível enfraquecer a ofensiva fascista, sair vitoriosos de tentativas de privatização (como muitas outras que ocorreram quase sem resistência durante o governo Bolsonaro), e aprofundar a resistência à governos tão perigosos quanto Bolsonaro, como os fascistas e milicianos Tarcísio, Zema, Cláudio Castro e Jorginho Mello, e os demais governadores vinculados ao programa de regressão neocolonial e de fechamento da nossa democracia. 

A greve geral da USP faz parte dessa conjuntura geral, mas conta também com suas particularidades. Temos um acúmulo de forças importante que resultou numa greve histórica: um DCE muito mais mobilizado e comprometido com a luta do que as últimas gestões da majoritária da UNE, sob direção petista; importantes atividades construídas contra a manutenção do EaD após a pandemia; lutas em defesa dos estudantes do CRUSP; e centros acadêmicos especialmente mobilizados e em contato com suas bases, como é o caso dos cursos de letras do CAELL e da geografia, com o CEGE.

A nossa greve foi anunciada como Greve Geral muito antes de sua massificação e de tornar-se de fato “Geral”. Com algo próximo de mil estudantes, majoritariamente da FFLCH, ECA e FAU, essa foi a nossa decisão em assembleia geral. O que acontecia então era a deflagração de uma greve de faculdades parcamente articuladas, mas com intenções e disposição de luta para generalizar-se para toda a universidade. E graças a muita luta dos estudantes, com direção principalmente daquele campo fragmentado de organizações da antiga oposição de esquerda, mas também com forças do grupo ex-ANEL que hoje está na UNE, e de estudantes autonomistas organizados, esta greve se generalizou para todas as faculdades e quase todos os campi.

O fato de se configurar como uma greve de faculdades, com suas pautas específicas e direções locais mais importantes do que o movimento centralizado, faz com que o comando de greve e o DCE tenham também mais dificuldade de dirigir o processo, mas também reflete uma realidade da nossa universidade: existem muitos “movimentos estudantis”, alguns inclusive reacionários; há ainda distintos níveis de consciência da necessidade de luta organizada e coletiva; as organizações políticas e direções têm pouca penetração na esmagadora maioria da universidade, e sobretudo, falta um horizonte comum mais amplo para os estudantes.

Essa realidade faz com que a decisão de entrar em greve não seja fácil, mas é infinitamente mais fácil do que a decisão do que exigir, saber quando fomos vitoriosos e quando sair de greve. Cursos historicamente vinculados a setores reacionários como Odontologia, Farmácia, cursos da Poli e dos interiores se somaram à mobilização, mas não deram saltos quânticos (até porque isso não existe nem na política nem na física) de consciência e se tornaram “revolucionários”. Uma vez atendidas suas pautas locais e imediatas, a tendência é que desmobilizem suas greves à revelia da direção centralizada, das reivindicações mais difíceis e que não os tocaram ou não eram centrais para a maioria dos seus estudantes. Não significa que a greve perdeu nesses cursos, mas que ainda é necessário acumular passos adiante na consciência dos estudantes, que agora experimentaram uma greve vitoriosa em suas bases.

E que queríamos nós, que estamos na vanguarda do movimento, quando entramos em greve? Realmente só sairemos da greve quando a reitoria atender nossos 23 pontos de igual exigência? O que significa transformar esses 23 pontos em 12 – que a reitoria nos exigiu em uma reunião com o comando? 

Não adianta listarmos todos os problemas da nossa universidade e exigir a solução de todos eles por parte da reitoria. É bem possível – e a tendência é que seja provável – que parte das soluções que a reitoria dará a essas demandas será uma solução reacionária. Queremos bolsas maiores, para mais gente. Somos favoráveis ao USP Diversa? que recebe verba e é dirigido por bancos e monopólios para financiar e dirigir os critérios da política de permanência estudantil da universidade?

Queremos a recomposição do quadro de docentes, mas aceitaremos que isso seja feito através do edital de mérito, um edital vinculado à Política de Inovação da USP, que transfere verba da FFLCH para os cursos mais rentáveis à burguesia – chamados de “inovadores”? 

Aceitaríamos uma reforma dos blocos da USP financiada pela burguesia, atribuindo naming rights ao prédio? (algo como CRUSP Itaú ou Santander moradia estudantil)

Ou ainda, considerando que existe hoje uma faculdade particular que parasita a estrutura da USP, mas cobra mensalidades, com contratações e currículos dirigidos pelo BTG Pactual, seria uma conquista estudantil bolsas de estudo para jovens da periferia nessa faculdade?

Faltam muitas coisas para o movimento estudantil da USP – e do Brasil como um todo -, mas a principal delas é um horizonte estratégico para a disputa da universidade, que sirva como estratégia parcial na luta pelo socialismo.

É preciso exigir todos os 23 pontos de nossas reivindicações, mas eles só serão vitórias permanentes e duradouras se articulados com a disputa do conteúdo de nossa universidade. E a raiz de todos nossos problemas é a disputa que a burguesia faz da nossa universidade, utilizando da estrutura da USP, mão de obra, pesquisadores, estudantes e currículos para gerar lucro, defender a meritocracia e a exploração, expropriar sua produção de ponta e explorar em seu benefício a capacidade ímpar das universidades de produzir conhecimento, ciência e tecnologia. 

Não interessa para a burguesia que haja movimento estudantil combativo, mas interessa que exista alguma forma de movimento estudantil. Nesse sentido, o diretor da FFLCH Paulo Martins defende nas páginas de um dos maiores jornais do Brasil que as “greves sejam discursivas” e que qualquer forma de imposição [violência] é coisa do bolsonarismo fascista. Hoje, setores da burguesia se interessam e entendem que é importante representatividade e diversidade nas empresas e universidades, mas sempre como forma de cooptar setores que são historicamente oprimidos, e podem entrar em conflito aberto contra a ordem burguesa. Qualquer presença de diversidade que coloque em cheque a ordem, é duramente repreendida pela burguesia e seus representantes: por isso as expulsões do CRUSP, a criminalização de estudantes pretos e pobres que continuem a afirmar hábitos, cultura e estética periféricas na USP etc. Cabem algumas minorias, desde que se adequem e defendam a sociedade branca e burguesa idealizada por Armando de Salles Oliveira na fundação da universidade.

Concretamente, qualquer conquista que nos coloque na esteira de aprofundar a democracia da USP, seja de seu acesso através de ampliação das cotas, da permanência, com aumento de bolsas em valor ou quantidade, ou com melhores condições de estudo para nós estudantes – e de trabalho para nossos professores -, alcançando o número de contratações que vem sendo exigido pela ADUSP, são vitórias para nossa greve. Desde que representem isso: a ampliação da democracia da nossa universidade. 

Que as contratações, ao menos durante a gestão do reitor Carlotti, não sejam regidas pelo edital de mérito, e além da recomposição exigida, respeitem o gatilho automático.

Que os problemas nas  bolsas da EACH sejam corrigidos, e o PAPFE utilize critérios democráticos, como a volta dos critérios socioeconômicos. Estas exigências dizem respeito ao sentido e razão de ser da nossa universidade, e se estivermos presos apenas à luta econômica mais imediata por números de bolsas e professores, podemos ter vitórias parciais, mas serão efêmeras e a burguesia encontrará artifícios para que estes números sejam uma derrota para Carlotti e talvez Tarcísio, mas não dela.

Derrotar parcialmente o edital de méritos é atacar diretamente a Política de Inovação da USP, e consequentemente, os mais importantes interesses da burguesia dentro da nossa universidade. Seria uma vitória profunda!! Mesmo que objetivamente dure apenas até 2025, o precedente de reconhecimento dos gestores de que isso é possível, e a experiência dos estudantes e professores de que isso é melhor do que a Política de Inovação e o vigente edital de mérito, podem trazer avanços substanciais para nosso movimento.

Furar a bolha de austeridade e precarização de Tarcísio, Dória e companhia, que defendem com unhas e dentes o fim do gatilho automático de contratações, para precarizar a universidade e  tornar justificável mais e mais parcerias público-privadas, onde quem sai ganhando são os grandes empresários brasileiros e estrangeiros é uma vitória e tanto!

Mas precisamos sair desta greve com objetivos e horizontes mais amplos. Toda a confusão, e a possibilidade de isolamento do movimento no período de fim de greve não se deve somente aos profundos problemas de prática política que nós estudantes identificamos no ME da USP, nem à “pelegagem do DCE”. A confusão e incerteza se deve sobretudo pela falta de estratégia para disputa da universidade, horizontes muito curtos e um profundo taticismo defensivo dos partidos e entidades.

Certamente a atual direção do DCE cometeu muitos erros, erros inclusive que esvaziaram as assembleias, espaços importantes para a greve. Morre um pouco de todo militante quando a assembleia é fundamental para militância e temos que ouvir solidariedade de trabalhadores dos EUA ao invés de discutir as pautas da greve. Morre um pouco de todo estudante quando DCE é pouco transparente frente às informações que recebe da reitoria e repassa para a base e comando de greve.


Mas a falta de horizonte estratégico, e a prática de resolver as coisas por cima, entre a cúpula, não é exclusividade desse DCE. Ou isso era diferente nas gestões petistas? Ou PSTU/Rebeldia tem ficado descontente de ganhar espaço nas mesas de negociação e conversas com as cúpulas dos partidos? Mesmo entre estudantes não organizados, vigora a lógica de tentar resolver de forma breve e com menos trabalho possível. É um problema profundo do ME da USP, que precisa ser superado coletivamente nos próximos anos, não somente nesta greve.


Dissolver o DCE, resolveria a questão? O comando geral de greve não tem maior clareza estratégica do que as demais entidades. No máximo tem interesses imediatos desvinculados da autoconstrução partidária, deixando-o mais próximo das bases, mas também sofre na briga por escolher o que é mais importante das nossas reivindicações.

A verdade, é que hoje o ME da USP não consegue estabelecer uma linha ampla que unifique nossas reivindicações, causando confusão entre nossas prioridades. Se não sabemos o que queremos, como poderemos dar saltos e passar para a ofensiva contra a burguesia e seus representantes na burocracia universitária? Se não articularmos a disputa geral da universidade – conjuntamente com a disputa geral da sociedade -, estaremos fadados a reproduzir a ordem capitalista e a miséria acadêmica que a burguesia quer para nossa universidade. 

Precisamos imprimir derrotas ao o edital de méritos e reconquistar o gatilho automático – como vitória parcial contra a Política de Inovação da burguesia na USP!

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