A Guerra Anticolonial é sangrenta, e nem todos estão preparados para isso.

A Guerra Anticolonial é sangrenta, e nem todos estão preparados para isso.

Texto de opinião por Bruno Santos

Para quem é organizado em movimentos políticos de esquerda, ou possui algum grau de participação, se escuta com frequência falas que mais parecem jargões. As frases são muitas e nem sempre acompanham alguma reflexão sobre seu significado prático.

Frases como “A análise concreta da situação concreta” ou “A crise também é estética” são verdadeiras, mas poucos têm noção de seu efeito sobre a realidade no momento em que se tornam válidas. A crise Palestina lembrou de maneira amarga uma destas questões pouco assimiladas, a de que: “A luta anticolonial é encarniçada, sangrenta e ultrapassa parâmetros morais sobre justiça e a guerra”.

Nas primeiras horas do dia 7 de outubro, quando os jornais anunciavam uma operação de larga escala por parte de grupos palestinos, diversos companheiros do amplo espectro da esquerda  denunciavam: “a causa Palestina é justa, mas atacar civis é criminoso”. Em alguns casos chegavam a afirmar: “A causa Palestina é justa, mas a violência impossibilita o diálogo”. 

Em uma postura nitidamente liberal praticam, nas palavras de Fanon, uma Cumplicidade Aparente. Condenam Israel repudiando a luta palestina pela  sobrevivência, mas dizem manter apoio à causa Palestina. Como muito bem mostra Fanon, essa pseudo-solidariedade é varrida pelos acontecimentos e se converte em apoio velado ao dominador. Ora, o que é a defesa por uma luta pacífica do povo palestino se não uma carta branca para Israel impor sua vontade política na região?

É irônico como na esquerda há aqueles que de noite citam Mao Zedong : “A revolução não é o convite para um jantar(…)”, mas ao amanhecer fazem juízos morais sobre o uso da violência na libertação popular.

Aqueles que defendem a condução passiva e pacífica nas negociações negam a natureza do conflito palestino e o próprio papel da violência na luta política anticolonial, em outras palavras: negam a própria realidade.

Israel é hoje um Estado colonialista sem Constituição ou fronteiras definidas a expandir-se por meio de assentamentos. Seu governo, seja de esquerda ou de direita, formaliza a criação de uma sociedade estamental que divide a população entre pessoas de 2° classe em uma estrutura jurídica que caminha ao fascismo. Seu expansionismo não só acaba com qualquer possibilidade de criação de dois Estados na região como também consolida uma verdadeira zona de Apartheid

Os palestinos ali residentes têm como opção os campos de refugiados, o exílio ou a limpeza étnica imposta por Telavive. Sendo assim, a violência de Israel pode ser igualada à resistência de Gaza e Cisjordânia? Evidente que não!

Mao Zedong nos mostra que as provas da prática garantem a verdadeira reflexão sobre a realidade objetiva, ou no jargão de alguns “a prática é o critério da verdade”. Mas qual efeito concreto disso na realidade palestina?  

Significa que através da prática podemos constatar que a correlação de forças criada por Israel na região basicamente determina a morte do povo palestino. Diante deste cenário, a população deve cruzar os braços? escutar vozes de solidariedade que nada  mudam na correlação de forças? ou travar uma luta desesperada pela sobrevivência? Trata-se aqui de uma luta anticolonial com todos seus métodos e consequências. 

Frantz Fanon de maneira brilhante expõe que a descolonização é sempre um fenômeno violento em sua essência. Deste modo, é tarefa dos elementos democráticos  e revolucionários apoiar sem reservas as reivindicações dos povos colonizados. 

A mera vacilação no apoio favorece a posição do dominador, pois o mesmo possui profunda influência ideológica na sociedade.

A propaganda orquestrada pelo imperialismo, insinua que o dominador é vítima. A busca de Israel pelo extermínio do povo palestino é apresentada como o combate a barbárie dos “terroristas árabes”. 

É preciso entender a teoria revolucionária como instrumento de compreensão do real, não como um espaço de frases vazias ou jargões de esquerda. Do que vale falar sobre decolonialidade se quando a luta anticolonial se apresenta é recebida não com solidariedade mas com discurso liberal?

A verdade é que a luta anticolonial não admite simbologias ou mediações. O mero repúdio ou votação de moções frente à política genocida de Israel não resolvem o problema. Mais de 100 países reconhecem a Palestina e nem por isso ela se apresenta como país formado. Enquanto se pede por diálogo e se iguala as ações da resistência às de Israel, pessoas morrem diante de F-16 de Netanyahu. 

O poder político, isto é, a capacidade de impor sua vontade a outro é material. Se Israel promove um cerco a Gaza, se ataca diariamente a infraestrutura do Líbano e Síria sem nenhum impedimento é porque possui poder político para tal. Palavras, gestos ou  princípios do Direito Internacional não mudarão este fato, pois não são materiais.

Apenas um ato de mesma natureza com intensidade igual ou superior é capaz de mudar, ainda que preliminarmente, a correlação de forças no plano do poder político. Em outras palavras, apenas a ação militar anticolonial é capaz de causar empecilhos ao poder político do Estado fascista de Israel.

Ainda que a ação armada da resistência palestina não possibilite uma vitória fulcral frente ao colonialismo, ela condiciona as forças imperialistas a pressionarem o Estado de Israel a sentar na mesa de negociações.

O impasse colocado a Israel, em um contexto de luta anticolonial, é uma vitória do povo palestino. Israel pode escolher avançar em sua  custosa e genocida operação militar, sobe o risco de desencadear um conflito regional generalizado, ou pode ceder às pressões por um cessar fogo acompanhado pela retomada da mesa de negociações para construção de um Estado palestino. 

A verdade amarga que penetra os jargões acríticos é que foi justamente a revolta violenta do oprimido que colocou a questão palestina na ordem do dia. Essa é a prova viva da validade da teoria revolucionária anticolonial.

Cabe ao nosso campo romper com qualquer pensamento acrítico e liberal. Devemos nos comprometer concretamente na luta pela paz na Palestina, mesmo que esta não venha pela via pacífica. Apoiar de maneira incondicional o direito dos povos a dispor de si na liquidação do colonialismo. Reforçar a divulgação dos crimes de Israel e explicar às massas a importância da luta do povo palestinos.

Apenas assim estaremos aplicando de maneira verdadeira a teoria revolucionária. Sem frases vazias ou jargões, exercitamos a legítima solidariedade internacional aos nossos irmãos palestinos.

REFERENCIAS

FANON, FRANTZ. Os condenados da terra. disponível em: 

https://www.marxists.org/portugues/fanon/1961/condenados/index.htm

FANON, FRANTZ. Os intelectuais e os democratas franceses perante a Revolução Argelina, originalmente publicado no livro “Em Defesa da Revolução Africana”. disponível em: 

ZEDONG, MAO. “Citações do presidente Mao Tsé-tung”. disponível em: https://www.marxists.org/portugues/mao/1966/citas/cap02.htm

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