Devem os comunistas ter candidatos próprios nas eleições presidenciais de 2022?
Por: Giovanny Simon
Este breve texto almeja levantar algumas questões sobre a atitude dos comunistas durante um dos pleitos mais importantes da história recente brasileira.
Num esforço de generalização, talvez o aspecto mais relevante do marxismo-leninismo, que distingue os comunistas das tendências reformistas, é a sua convicção científica de que não é possível revolucionar a sociedade burguesa por meios normais, isto é, pelos mecanismos próprios da democracia burguesa. Orientados pela conquista do poder e a expropriação política e econômica das classes dominantes, os comunistas almejam a construção de uma revolução social. A revolução social, como processo de tomada de consciência das massas quanto as legalidades objetivas da sociedade do capital e a necessidade de uma produção e consumo racional da riqueza social, não será fruto da rotina parlamentar e do periódico comparecimento às urnas. Mesmo quando as eleições burguesas podem desatar um processo de transformação que começa por dentro da ordem, mas volta-se contra ela, sempre existe um forte movimento de massas e vanguardas revolucionárias que sustentam o processo.
Mas essa distinção não pode ser apenas um princípio abstrato que se manifesta em discursos e na letra morta de programas de gabinete. Isto é fraseologia inconsequente. O caráter específico dos agrupamentos que se distinguem como revolucionários e identificam a luta de classes como momento predominante da revolução social precisa se desdobrar em todas as dimensões políticas e sociais no curso das lutas concretas. Por que, então, deveriam os comunistas procurar ou projetar nas urnas a “sigla eleitoral da revolução social” se não são os mecanismos eleitorais seu palco privilegiado? As massas proletárias e populares não aderem à revolução social por meio do voto e não será digitando um número com dois algarismos e apertando “confirma” correspondente a uma candidatura comunista “pura” que será deflagrado um processo de transformação social radical.
Os camaradas que aderem a tais práticas podem objetar que almejam usar o espaço eleitoral para apresentar às massas um programa mais avançado, as posições dos comunistas, dar voz às demandas da classe trabalhadora e buscar, assim, construir a revolução social no terreno da luta de classes.
A esse raciocínio, interpelo duas questões. Primeiro, a busca por elevar a consciência das massas quanto os seus objetivos não é uma função permanente das vanguardas revolucionárias, sempre considerando a situação concreta da luta de classes? O papel de conectar as posições de vanguarda com as necessidades particulares das massas trabalhadoras é um dos elementos constituintes da construção revolucionária dos comunistas, sempre avaliando cuidadosamente a situação concreta da correlação de forças entre as classes para explorar as brechas e divisões entre frações das classes dominantes.
É verdade que as eleições podem ser uma oportunidade ímpar para potencializar a propaganda revolucionária já que a política se torna um assunto comum nessas épocas. No entanto, a propaganda de um programa mais avançado não precisa necessariamente estar em função de uma candidatura própria. Ela pode ser integrada ao esforço de construção de outras candidaturas que não sejam “puras”, mas aptas a servir como ponto de apoio a uma condição mais favorável para a massa trabalhadora enfrentar seus inimigos. Tampouco, os comunistas devem colocar a candidatura própria acima das particularidades concretas das eleições em questão. Há momentos, como muitas vezes a história o demonstrou, que a única linha de ação consequente é construir a posição dos comunistas por dentro de frentes conjuntas com outras forças, buscando influenciar seu curso e disputar sua hegemonia para enfrentar um inimigo mais perigoso.
Isso nos leva a segunda questão pertinente ao raciocínio da chapa “pura”. Se a participação eleitoral dos comunistas com chapa “pura” não é um axioma, então essa questão exige a avaliação das situações concretas singulares. Minha avaliação sobre o momento concreto atual coincide inteiramente com as posições do Polo Comunista Luiz Carlos Prestes e não caberia aqui retomá-las longamente. Limito-me a apontar dois elementos centrais que nos indicam a gravidade do momento atual: a estreita vinculação entre o alto comando das Forças Armadas e o projeto imperialista dos EUA, como já comprovado empiricamente por várias pesquisas; e a intenção aberta e declarada de Bolsonaro em instituir um regime ditatorial e policialesco. A reeleição de Bolsonaro seria um grande passo na sua caminhada em direção aos seus objetivos abertos. A consequência política mais imediatas seria a provável supressão, até em caráter punitivo e revanchista, da oposição de direita e a domesticação das frações burguesas “desobedientes” ao seu projeto de poder numa “frente única fascista” para liquidar (inclusive fisicamente) as lideranças mais destacadas de esquerda (entre elas, os comunistas) e a neutralização dos movimentos populares e sindicais.
O êxito bolsonarista nas eleições jogaria a organização popular e o movimento dos trabalhadores em uma situação muito difícil. O terreno político seria muito mais difícil até para a mais limitada e provinciana luta econômica. Com forças desagregadas e desmoralizadas, a reconstrução teria que ser realizada sob fogo pesado e permanente do fascismo vitorioso.
Por essas razões, acredito que a posição mais consequente é a defesa da candidatura de Lula desde o primeiro turno. Essa não é uma posição pragmática. Analisar a situação concreta, avaliar as nossas forças e as do inimigo, conectando a nossa atitude atual com os imperativos gerais do desenvolvimento da luta de classes não tem nada de pragmático. Pelo contrário, é uma posição mais consciente e segura do que o “purismo”.
Assim, sem deslegitimar o direito de lançamento das candidaturas de camaradas nesse pleito, questiono os motivos para tal e se do ponto de vista do marxismo e da situação concreta atual essa é a posição mais consequente a ser adotada.
Defendo que os comunistas precisam ter uma atitude independente dentro da campanha eleitoral, o que não significa dizer que precisamos de candidaturas próprias totalmente inexpressivas. É idealismo achar que a presença de um comunista em um debate da Rede Globo, o que seria evidentemente um favor da burguesia, fará mais pelo movimento proletário do que uma posição clara e consequente de apoio a Lula, combatendo suas posições recuadas ao mesmo tempo que nos defendemos da ofensiva fascista.
A crítica às atitudes recuadas de Lula deve ser dura para disputar posições mais avançadas, mas razoavelmente realista para evitar a desmobilização.
Em função das particularidades da situação atual, a importância das eleições presenciais não pode ser subestimada. A desorganização do movimento proletário-popular impõe que sejamos arrastados diretamente para o plano das eleições burguesas que têm um caráter estranho à mobilização popular, aonde o capital tem muita vantagem política. Mas a dinâmica eleitoral é passageira, rapidamente o momento da luta político-eleitoral será superado e novamente estaremos no cenário em que as mobilizações de massa terão grande importância, tanto para o fascismo quanto para nós.
Diante disso, os comunistas ainda dispersos, mas conscientes da tática mais adequada para o momento, precisam começar, desde já, a intervir de acordo com suas possibilidades dentro do processo eleitoral. Uma plataforma conjunta dos “comunistas com Lula” pode ser um instrumento importante para a reorganização do movimento comunista brasileiro. Já é tempo de subir os “andaimes” que darão a forma e colocarão em contato os diversos construtores de um forte e sólido edifício político.