Seguir avançando na reconstrução de um CEGE combativo e democrático!
Balanço da Juventude Comunista Avançando das lutas no Centro Acadêmico de Geografia da USP.
A universidade se reafirma, nos últimos tempos, como espaço de luta política. Historicamente, as universidades são um meio de formação de quadros para as classes dominantes em toda a sua pluralidade. A seletividade elitista nas formas de ingresso e os conteúdos lecionados, usualmente idealistas, positivistas e vinculados às necessidades do mercado, são elementos fundamentais do seu funcionamento.
Essa hegemonia burguesa, entretanto, foi sendo posta em xeque à medida que crescia o movimento proletário e popular. Cresceram as exigências de democratização do ingresso no ensino superior, e a própria produção interna foi questionada, à medida que deveria corresponder aos interesses da sociedade, e não do capital. Estava posto o conflito de classes no seio da universidade: a disputa por um aparato técnico-científico de formação de quadros e resolução de problemas mais ou menos imediatos.
O acirramento das contradições do capital em crise estrutural – e, consequentemente, dos conflitos de classes – mudam e reestruturam a universidade a partir dessas correlações de forças. As recentes crises do capitalismo trazem consigo uma resposta profundamente reacionária e mercantil – o Ensino Remoto e o Ensino Híbrido –, cujas perspectivas reais de uso são sobrepostas pelas necessidades de desarticulação do movimento popular. Além disso, a exaustão de certas formas tradicionais de privatização no Brasil são combinadas a novas formas de penetração de capital privado nas Universidades – e assim se explica o profundo investimento público, completamente assimétrico em relação a demais institutos, aos projetos de empreendedorismo e parceria com empresas como a Santander e BTG pactual.
Nesse sentido, qual é o potencial e quais são os instrumentos de luta dos estudantes, no embate por uma universidade popular? Quais são suas ferramentas e como elas devem ser articuladas? Nossa experiência de reestruturação (praticamente uma refundação) do Centro de Estudos Geográficos Filipe Varea Leme, o CEGE, ou Centro Acadêmico do Departamento de Geografia da USP desde 2019, e as recentes vitórias, exemplificam parte dessas questões.
Depois de um vitorioso Congresso Estudantil que pôs fim a 5 anos de autogestão, finalmente se realizaram ricas eleições com diversos debates programáticos e políticos. Para os novos colegas do nosso curso, é importante contar: era padrão confundir-se o CEGE enquanto uma entidade de organização e defesa dos interesses dos estudantes com o seu espaço físico – uma pequena sala no Aquário, no prédio de Geografia e História da USP.
A falta de momentos periódicos ricos de elaborações, debates (e embates) públicos, que anualmente forjam uma nova unidade e é referendada pela maioria dos estudantes, fez com que se perdesse o ponto de referência: a quem reportar os problemas, a quem propor atividades e soluções, a quem confiar em sua realização, como se engajar na entidade.
É essencial que a entidade seja validada pelos estudantes. Isto porque, nos Centros Acadêmicos, por mais benéfica e fundamental que seja a participação de militantes de organizações e partidos políticos, há uma diferença fundamental em relação aos partidos: os CAs são uma ferramenta da categoria estudantil; um espaço político em que o estudante se entende como tal e compreende que possui interesses próprios. Só os estudantes do curso podem intervir nesses espaços, ninguém mais. Os partidos (e frentes de massa estudantis/juventude, que são imediata e completamente vinculados aos seus partidos, como é o caso de MES-Juntos, PCR-Correnteza, PCB-MUP, Resistência-Afronte, Insurgência-RUA) são um outro momento do processo de luta e consciência, que pode ser complementar, mas distinto. Aqueles que, engajados nas entidades, perceberem-se insatisfeitos com as evidentes limitações da intervenção política de um CA na sociedade – e, pois, que fique claro: a intervenção e compromisso de uma entidade estudantil é (deveria ser) muito mais ampla do que cotidianamente se observa, não basta restringir-se ao debate burocrático de departamentos, ou pautas estudantis endógenas à universidade – devem buscar um partido para organizar-se sob uma estratégia mais ampla e definida de transformação da sociedade.
E, apesar de muito ricas, as eleições de 2019 refletiram o problema da falta de distinção entre partidos e entidades, mas principalmente, a falta de referência e validação do centro acadêmico. Duas das chapas tiveram suas instâncias internas muito atreladas aos partidos, e a vencedora, Bora montar uma chapa, venceu com base numa completa negação destas organizações.
E qual foi o caráter desta gestão eleita? Em geral, de estudantes não associados a organizações partidárias, com vontade e honestidade na realização das atividades, mas em uma chapa com horizonte político pouco discutido, pouco definido e muito difuso. O que os unificava era o descontentamento com a atual situação do movimento estudantil USPiano, e foram eleitos pois os estudantes identificaram nas organizações políticas que tinham tradição de intervenção na geografia, representação desta tradição. Entendemos que haja um cansaço ou desinteresse em debater a política nacional e horizontes políticos, afinal, muitas organizações e entidades da USP estão subordinadas e atreladas aos partidos, e só fazem isso abandonando as reivindicações e necessidades imediatas dos estudantes! Mas a completa ausência dos debates gerais também gera problemas, igualmente importantes.
A chegada da pandemia em 2020 intensificou os problemas e debilidades da gestão. A capacidade de mobilização dos estudantes enquanto categoria, nas primeiras manifestações no segundo semestre do ano, foi significativa. A grande atividade e o grande número de espaços abertos para luta contra o ensino remoto (utilizado pela USP e empresas como porta de entrada e experimentação do EAD), na contramão da desmobilização e consciente sabotagem promovida pelo DCE, mostravam um CA vivo.
Contudo, a gestão não conseguiu transformar essas mobilizações imediatas em saldo político de longo e médio prazo, o que também ocorreu quando as ruas voltaram a ser tomadas pelo movimento popular, nas primeiras grandes manifestações pelo Fora Bolsonaro: tão logo arrefeciam as manifestações, perdia-se a perspectiva de organização e luta. O trabalho político pouco fez crescer a capacidade de luta dos estudantes a partir do CEGE. Os estudantes, mesmo que com maior referência na entidade (e pouco a pouco compreendendo sua importância), e com sua unidade fortalecida, viram muitas de suas reivindicações referentes à pandemia – a não cobrança de presença em aulas online, a não realização de trabalhos de campo no período mais sensível da pandemia, um período digno de adaptação na implantação do Ensino Remoto Emergencial – serem atropeladas ao longo do processo.
Em 2021, a falta de capacidade da gestão (que teve seu mandato prolongado) em convencer e integrar os estudantes à construção e responsabilidade pela direção da entidade, culminou no desgaste e sobrecarga dos militantes comprometidos que permaneceram, e a gestão se dissolveu. Em assembleia, com grande participação estudantil, deliberamos uma nova gestão, permanentemente aberta, até a possibilidade de se realizarem eleições presenciais. Nós, da JCA, defendemos esta posição e integramos a gestão.
Põe-se o primeiro ponto: por que, nesse momento, a defesa de uma chapa aberta? E qual a diferença desta para uma autogestão?
A começar pelos últimos: não se caracteriza como autogestão porque foi uma deliberação extraordinária, em um momento em que a maioria dos centros acadêmicos tinham suas gestões dissolvidas e a entidade largada às traças (como aconteceu com o DCE, por exemplo). Em nossa opinião, essa era a única forma possível de manter uma gestão viva e atuante, com participação dos estudantes, sejam eles independentes ou organizados. Uma eleição feita no meio da pandemia (com todo o desgaste que vivenciamos) e ainda online, certamente resultaria em um novo grupo eleito, mas um grupo encastelado e possivelmente sob direção subordinada dos partidos e organizações políticas da USP, com uma baixíssima participação e amadurecimento dos demais estudantes.
Julgamos hoje, depois de feita a experiência, acertada essa posição! E temos certeza que a democracia será respeitada e novas eleições ocorrerão no próximo período. Apesar dos problemas de organização, heterogeneidade de tradições e leituras políticas, disciplina e experiência que tem a atual gestão do CEGE (reconhecemos todos estes problemas!), no fundamental, a entidade esteve presente em constante diálogo e mobilização!
Depois de muita dedicação e abnegação, mas com limitada capacidade de mobilização na luta contra o ensino remoto emergencial em 2020, os estudantes sofreram uma retumbante derrota. Mas para nós e parte daqueles que seguiram participando dos debates e atividades, essa derrota não passou em branco. A preocupação geral, e o conteúdo das reivindicações feitas à época (que podem ser vistas na carta de reivindicações publicada) estavam corretos, mas parte da incapacidade de engajar e mobilizar os estudantes para este combate não foi só devido ao erro de método da gestão passada, ou das dificuldades (enormes) que a pandemia impôs. A derrota passou também por um erro político de análise, em que a suspensão e o “não” ao ensino remoto carecia de um horizonte concreto, de o que fazer frente à pandemia. Depois de mais de dois anos, é possível observar que ele era inevitável, cabendo a nós garantir um período estendido de adaptação, e condições para permanência durante a pandemia.
Mas aprendemos com nossos erros! E nada é mais pedagógico do que a experiência. Os professores, e principalmente a tão “capaz e comprometida” direção do departamento, suas comissões e a CoC, na figura das professoras Sueli, Valéria, Girotto, e outros, fizeram o favor de fechar todas as portas de diálogo real, e mostrar o caminho para os estudantes. Fizeram isso, e ainda fizeram questão de explicar em tom irônico para aqueles estudantes que ainda estivessem confusos ou frustrados: “bom, vocês precisam entender que não existe hipótese de acontecer como vocês querem. Vocês podem entrar nas comissões e contribuir com a organização do ensino remoto e da busca ativa aos estudantes, mas de resto não há possibilidade. Se os estudantes não concordam com o departamento, tem toda liberdade para se organizar e fazer greve!”
Os erros e aprendizados da experiência passada nos guiaram para a luta contra o ensino híbrido. Se antes ainda havia entre nossos colegas confiança no departamento ou intimidação e constrangimento em assumir posturas de rompimento ou maior tensão, agora não há mais. Se havia algum controle ou respeito pela autoridade dos professores nas plenárias departamentais, agora não há mais. Os professores ficaram escandalizados! E que maravilha! Depois da nossa retumbante vitória, que culminou na aprovação em plenária e departamento, de 100% de aulas presenciais, para 100% dos estudantes, e 0% de reprovações por falta, os professores sabem quais serão os termos das próximas negociações ou debates com os estudantes, e nós, estudantes de geografia, sabemos exatamente o que é preciso para escandalizar, pressionar e arrancar vitórias caso o departamento decida se encastelar novamente.
Que das próximas vezes possamos marchar conjuntamente, lado a lado com os professores em defesa dos nossos direitos e da política correta! Frente à conjuntura que vivemos e desafios que temos pela frente, é nosso maior desejo. Mas manteremos sempre fresco na nossa memória, e também na dos professores, que somos muitos mais que eles, estamos muito mais organizados, e juntos temos muito mais força.
Pra cima!