O coronavírus pode acabar com o capitalismo?
Breves reflexões sobre o sujeito histórico que derrubará o capitalismo
Por: Mateus Engel Voigt*
Desde que o coronavírus se tornou uma pandemia global, aprofundaram-se as consequências econômicas no mundo. Estima-se que, em 2020, o PIB global tenha uma queda de 1,9% e uma redução do investimento global na ordem de 15%. As bolsas de valores estão em queda livre, e no setor de aviação as perdas para esse ano são estimadas em até 113 bilhões de dólares. A demanda chinesa de petróleo caiu cerca de três milhões de barris por dia, ou 20% do consumo total, sendo o maior choque de demanda petrolífera desde a crise financeira de 2008. Tal cenário de prejuízos bilionários na economia mundial e uma possível recessão global colocaram em ainda maior evidência a crise do sistema capitalista, o que para o filósofo Slavoj Zizek mostra um poder subversivo do coronavírus [1]. Mas será mesmo que um vírus é capaz de derrubar o sistema?
Apesar de ser bastante possível uma série de empresas falirem e uma crise prolongada assolar o mundo, não é um vírus que vai derrotar o capitalismo. Nos pontos que seguem, de maneira breve, apresentamos reflexões sobre o sujeito histórico que derrubará o capitalismo:
1. Sobre as crises no capitalismo
No Manifesto Comunista [2], Marx e Engels já identificam o caráter cíclico das crises no capitalismo, e que estas se manifestam com frequência cada vez maior, mostrando como a burguesia lida para superar essas crises.
“Por um lado, pela destruição forçada de uma massa de forças produtivas; por outro lado, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais profunda de mercados velhos. A que leva isso, então? À preparação de crises mais generalizadas e mais graves, à redução dos meios para prevenir as crises”.
István Mészáros [3], marxista húngaro, identifica na década de 1970 um número cada vez maior, severo e temporalmente próximo de crises cíclicas, que são reflexos da crise estrutural do capital, caracterizada pelos seguintes aspectos: a) caráter universal, pois não se restringe à uma esfera da economia ou ramo de produção, e atinge tanto o sistema financeiro, o comércio e a produção; b) âmbito global, pois não se confina a um número limitado de países; c) escala temporal permanente; d) a forma de desdobramento, que pode ser considerada gradual, mas que não exclui no mesmo movimento a hipótese de violentas convulsões futuras.
A pandemia do coronavírus acentua a crise capitalista. A forma como a burguesia lidará com essa situação ainda não está clara, mas o movimento recente dos países imperialistas é de aprofundar a exploração dos recursos naturais nos países periféricos e retirar cada vez mais os direitos das e dos trabalhadores, como mostra o próprio desmantelamento do estado de bem-estar na Europa e EUA – o capitalismo não tem mais nada a dar, não está mais no sentido do processo civilizatório, mas contra ele.
2. O capitalismo é relação social
Vimos que o capitalismo enfrenta uma crise permanente, com momentos de maior ruptura e outros de estabilidade, e, por mais violenta que seja a crise, por mais que empresas venham a falir, o capitalismo não acaba pelo seu próprio movimento, ‘’de maduro’’. Marx e Engels entendiam isso. Para os autores do Manifesto,
“Ser capitalista significa ocupar na produção uma posição não só puramente pessoal, mas também social. O capital é um produto coletivo e pode ser posto em movimento apenas por uma atividade comum de muitos membros, em última instância apenas pela atividade comum de todos os membros da sociedade.
O capital não é, portanto, um poder pessoal, é um poder social”.
Sendo relação social, mesmo com a crise mais avassaladora, a relação capitalista que pressupõe a exploração, ou seja, a apropriação da mais-valia pelo burguês continuará, caso não haja um processo consciente e com características de classe que o faça ser suplantado por outro regime político que tenha condição de desorganizar o atual estado de coisas: de produção de riqueza social e de reprodução da vida social. Todavia, as crises geram tensão social, que pode se desdobrar ou não na destruição da ordem vigente, como apontam novamente os fundadores do materialismo histórico:
“Se o proletariado na luta contra a burguesia, por força das circunstâncias, se unifica em classe, e por uma revolução se faz classe dominante, e como classe dominante suprime pela força as velhas condições de produção, então suprimirá juntamente com essas condições de produção as condições de existência do antagonismo de classes, as classes em geral e, com isso, o seu próprio domínio como classe”.
3. Quem faz a revolução?
Se o capital é uma relação social, logo uma revolução é um fenômeno de classe. De tal maneira, o sujeito histórico que porá fim ao capitalismo não é um vírus, mas sim, como Marx e Engels apontam desde o Manifesto, o proletariado:
“Mas a burguesia não forjou apenas as armas que lhe trazem a morte; também gerou os homens que vão manejar essas armas – a moderna classe trabalhadora – os proletários”.
Compreendendo quem faz a revolução, a questão que se coloca é de como fazer a revolução.
4. As situações revolucionárias não se criam ao sabor da vontade
A potencialidade revolucionária do movimento de classes é movida por situações favoráveis ou desfavoráveis da realidade concreta. A vontade revolucionária se constitui nos marcos e limites reais postos pelas condições vigentes na sociedade capitalista. Sem ação organizada dos de baixo, a tensão decorrente das crises não se transforma em Revolução. Florestan Fernandes sintetiza esse pensamento em O que é Revolução [4]:
“A firmeza da ação revolucionária de classe dependerá, assim, de formas de solidariedade de classe, de consciência revolucionária de classe: se o proletariado não estiver preparado para enfrentar suas tarefas revolucionárias concretas, não poderá levar a revolução até o fim e até o fundo, no contexto social imediato e a longo prazo”.
Em outras palavras, a partir dos ensinamentos trazidos por Lenin:
é somente quando ‘os de baixo’ não querem mais e ‘os de cima’ não podem mais continuar a viver da antiga maneira, é somente então que a revolução pode triunfar.
Ou seja, não basta que as massas exploradas tomem consciência da impossibilidade de viver sob o capitalismo: é necessário que os exploradores não possam viver e governar como antes, e para isso é preciso que o primeiro grupo derrube o segundo.
Qual caminho tomaremos?
O coronavírus funciona como um catalisador que aprofunda a crise estrutural do modo de produção capitalista, como mostram os dados no início do texto. Alguns Estados já procuram dar respostas, como a Alemanha, que dará “ajuda ilimitada” às empresas para evitar problemas de liquidez em sua estrutura comercial. Além disso, a contrarrevolução da burguesia segue a todo vapor, buscando a qualquer custo neutralizar o movimento popular. Mas sem homens e mulheres dispostos a lutar contra ele não superaremos a ordem.
O desafio posto diante de tal cenário é se escolhemos o caminho de uma superação positiva da ordem social, ou seja, o socialismo e comunismo como alternativa à ordem capitalista existente, ou o caminho de uma superação negativa da ordem, no qual a burguesia tome as rédeas do processo, que deve significar o aprofundamento da miséria global e níveis cada vez mais abertos de violência contra os povos do mundo na forma de miséria econômica e social e repressão política.
O socialismo e o comunismo seguem como a alternativa de emancipação que os proletários possuem à ordem capitalista e a barbárie civilizatória que representa. E para superar essa ordem precisamos de homens e mulheres que descubram isso e se devotem com firmeza, coletivamente, ao propósito de converter a alternativa em realidade. Só assim o capitalismo das grandes corporações e do imperialismo onipresente estará condenado.
Imagem: Reuters
Referências:
*Estudante de mestrado em Geografia na Universidade Federal de Santa Catarina e militante da Juventude Comunista Avançado
[1] Zizek vê o poder subversivo do Coronavírus. Disponível em: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/zizek-ve-o-poder-subversivo-do-coronavirus/
[2] MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Tradução, prefácio e notas Edmilson Costa. 3. ed. São Paulo: Edipro, 2015.
[3] MÉSZÁROS, István. Uma crise estrutural exige uma mudança estrutural. Disponível em: http://cebes.org.br/2012/04/istvan-meszaros-crise-estrutural-exige-mudanca-estrutural/[4] FERNANDES, Florestan. O que é revolução? In: PRADO JÚNIOR, Caio; FERNANDES, Florestan. Clássicos sobre a revolução brasileira. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012. p. 45-122.
Desde o início da pandemia no Brasil, esta pergunta surgiu em meus pensamentos, e ponderei se o Capitalismo iria ruir desta vez, parece que não… Grata pela resposta!