Governo da barbárie, educação para a barbárie

Governo da barbárie, educação para a barbárie

Por: Marco Antônio Marcon Pinheiro Machado [1]

Tranquilidade, presteza e eficiência. Essas foram as qualidades ressaltadas e proclamadas pelo Ministro da Educação Abraham Weintraub na noite desta terça-feira, dia 17 de março, passados três dias desde que a maioria das instituições de ensino do país já terem se autorganizado para contribuir com o controle do coronavírus em cada canto do país.

O ministro veio a público em vídeo veiculado na página de facebook do Ministério para apresentar as primeiras medidas do executivo federal endereçando essa crise. As medidas anunciadas foram:

  • ‘’Flexibilizar as regras para o ensino à distância em instituições públicas e privadas de ensino superior’’
  • ‘’Oferecimento de 15 salas virtuais por Instituição Federal de Ensino Superior(IFES), cada sala com capacidade de 75 alunos’’
  • ‘’Oferecimento de 300 salas para reuniões virtuais’’

Comecemos do começo. Em primeiro lugar, lembremos que o Ministério da Educação é o ministério com a maior verba do governo federal, responsável pela maior rede de hospitais brasileiros (os Hospitais Universitários) e por uma folha de pagamento gigantesca. Oferecer 15 salas de aula não garante o estudo de nem sequer um curso inteiro de direito de uma universidade federal que tenha 10 fases com dois turnos. Trezentas salas de reunião seria o quê, apresentar qualquer ferramenta de videoconferência paga como alternativa para as gratuitas já amplamente utilizadas por quem tem acesso?


A debilidade desses encaminhamentos se justifica na necessidade de apresentar algum serviço, já que está 72h atrasado com sua ‘’tranquilidade, presteza e eficiência’’. O verdadeiro conteúdo, a bala de prata contida no pronunciamento, está na primeira medida. Desde a década de 90, os cursos presenciais de universidades públicas ou pagas têm a limitação de 20% de suas atividades à distância. Nos últimos dias do governo Temer o limite foi ampliado para 40% em instituições bem avaliadas pelo MEC. A política de destruição dos cursos presenciais para a ‘’ampliação da produtividade’’ e a consequente ‘’redução de gasto’’ na razão entre o número de professores e alunos é algo central para o mercado da educação paga, e é também central para uma política de destruição da qualidade do ensino superior. Alterar de 40% para além, significa, na prática, colocar em risco a atividade de metade dos professores universitários, e comprometer profundamente a qualidade da formação em nossas universidades e institutos federais. Isso sem falar do impacto na produção de ciência, tecnologia, arte e cultura nacionais. Essa medida jogada à contrabando em um pronunciamento que anuncia ‘’formas para garantir o ensino’’ é o central da política do governo federal, de seu projeto de país, seu entendimento da função da educação, e sua filiação de interesses.

Não bastasse a negligência ao fato de que grande número de estudantes não possuem meios para acessar ferramentas de ensino à distância – o que por si só já deveria ser suficiente para que o ministro se pronunciasse no sentido de suspender por completo o semestre letivo de toda a educação, em todos os níveis e esferas, até segunda ordem -, o ministro usa da situação caótica e emergencial para dar uma cartada de morte na qualidade do ensino superior brasileiro. 

Já com uma série de medidas tomadas durante o fim do ano passado e no início deste ano, com o orçamento das IFES sequestrado pela manobra política de Bolsonaro contra o Congresso, e os montantes insuficientes liberados pelo governo que fazem correr risco inclusive o pagamento do salário dos professores, o governo federal diz com clareza: ensino superior, qualificação da força de trabalho brasileira, produção de ciência, tecnologia, arte e cultura nacionais…. o povo não precisa disso. Quanto menos se investir nisso, melhor, na ótica do governo e dos ricos. Não importa quanto o analfabetismo cresça. Não importa que o preço dos remédios dispare. Não importa o adestramento cultural à indústria estrangeira. Não interessa a desindustrialização e a incapacidade de empregar força de trabalho qualificada brasileira. O que importa é garantir a destruição do patrimônio do povo para poder vender educação superior de péssima qualidade. Os filhos dos ricos, estes podem estudar na Europa.

É a barbárie, vender miséria ao preço mais caro que se puder. Ao preço de vidas, de trabalho e da história de nosso povo. O quadro de uma elite decadente, que prefere e vive para preferir deixar o povo na miséria e se filiar ao estrangeiro como pátria – um viver bem brasileiro em Miami.

Em meio à maior crise sanitária desde a gripe espanhola, a agenda da barbárie: miséria, fome, desemprego, escassez, violência contra os direitos e a liberdade do povo, entreguismo… vai à todo o vapor. 

Numa situação como a que vivemos, o mínimo que qualquer ministro decente haveria de fazer é endereçar os verdadeiros problemas de nossa educação e as questões sanitárias que tocam à educação. Temos uma massa enorme, de centenas de milhares de estudantes que não sabem onde irão almoçar e jantar amanhã, que podem ter que sair às pressas tendo que romper o isolamento pelo desespero de não ter como se manter. Dezenas de restaurantes universitários que, por razões justíssimas e corretas, estão fechados, e que deixam milhares de estudantes brasileiros desassistidos para os dias que vem. Direito à alimentação, da merenda escolar até o ensino superior é algo crucial em nosso país, tamanha é a barbárie. Sem isso, apenas o 1% mais rico da população poderia ter acesso real ao que deveria ser direito de todos.

Sim. É preciso lembrar. Estudar em uma universidade, entrar em contato com o que há de melhor no conhecimento produzido pela humanidade e dar consequência à nossa eterna busca por conhecimento deveria ser direito de todos. E não só palavras jogadas ao léu. O verdadeiro sentido da palavra direito significa poder usufruir verdadeiramente, concretamente, deste serviço. 

É urgente que o MEC libere verbas emergenciais para a garantia de auxílios alimentação mínimos aos estudantes que estarão isolados e desassistidos enquanto houver a orientação pelo isolamento social. Além disso, qualquer medida que normalize ou estabeleça algum falso consenso de justeza na possibilidade de que aulas à distância possam ser algo de democrático, prático ou válido precisa ser desmontado. Estudantes de design, cinema, animação, arquitetura, comunicação e artes em geral não têm a obrigação de possuírem em suas casas os equipamentos necessários para estudarem e praticarem seus ofícios – computadores de milhares de reais, por exemplo. Assim como médicos, engenheiros, geólogos. Nem mesmo os cursos que possuem como material principal livros e documentos são possíveis sem a estrutura universitária: bibliotecas, ambientes próprios e etc.. Por isso é preciso suspender o semestre até segunda ordem. A crise sanitária não pode ser laboratório ou desculpa para um tipo de ensino de maior exclusão – só os que possuem meios privados estudam -, menor qualidade ou precarização crescente.

Ainda cabe a lembrança de que, para o terror do governo, foi a autonomia universitária – princípio constitucional contra o qual o ministro lidera grande cruzada – que garantiu a possibilidade de verdadeiras medidas responsáveis, eficientes, prestativas e tranquilas, na medida do possível, para endereçar a crise. Todo o sistema educativo brasileiro está sem cabeça porque nosso ministro, autoridade superior, nacional, não coordena nossos esforços em defesa de nossas vidas, dos interesses verdadeiramente nacionais, ou da independência brasileira, ele apenas aplica a agenda do mercado, mesmo no meio de um furacão.

Barbárie às vezes soa como uma palavra que reflete uma realidade distante, algo intocável, colocado quase que na impossibilidade de nossa vida prática. No entanto, essa crise tem servido para deixar mais e mais claro quem está do lado da vida e quem está do lado da barbárie. Endereçar a fome? Não, servir aos bolsos das grandes empresas da educação. Fortalecer a pesquisa nacional e colocar nosso parque científico à serviço da contenção do vírus, dar o exemplo de seriedade com a situação? Não, destruir a educação do povo.

Um velho professor paulista de sociologia disse uma vez: Contra a intolerância dos ricos, a intransigência dos pobres! Não se deixar cooptar, não se deixar esmagar, lutar sempre![2] Nesta guerra de isolamento – onde cada estudante está na solidão de um cárcere contra epidemia -, não nos enganemos: cada estudante brasileiro precisa ser um soldado em defesa da vida, da dignidade humana, dos direitos das classes trabalhadoras brasileiras e dos povos do mundo. Muito em breve, quando o inverno desta doença passar, e mesmo durante ele, teremos muitas tarefas. Derrubar esse ministro e a corja fascista que tenta dirigir o país para o abismo será nossa principal missão para defender a educação, a juventude e a liberdade de nosso povo.

Contra a fome, a miséria e o desemprego:
Fora Bolsonaro!

[1] Estudante de História da Universidade Federal de Santa Catarina, 1ºVice-presidente da União Catarinense das e dos Estudantes, militante da Juventude Comunista Avançando.

[2] Florestan Fernandes, Poder e contrapoder na América Latina

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