NÃO HÁ VENTO FAVORÁVEL PARA QUEM NÃO SABE A QUE PORTO SE DIRIGE:

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para além das táticas reativas, é preciso uma estratégia ofensiva de disputa da universidade

Com um mês de greve na USP, já é possível fazer um balanço mais preciso da nossa luta. As primeiras duas semanas de greve foram o momento de maior adesão, onde todos os cursos da capital e diversos cursos do interior entraram em greve. Faculdades que não viam uma paralisação total de suas atividades em décadas, como a FEA e a POLI aderiram, demonstrando grande força e adesão estudantil. Mas por que uma greve histórica como essa não nos trouxe grandes vitórias?

Do DCE

O atual DCE marca um momento distinto das gestões anteriores, é preciso reconhecer que houve maior empenho e dedicação dos companheiros para construção das últimas lutas do que as gestões petistas que efetivamente boicotavam as mobilizações. Mas o DCE praticou uma política de cúpula, distante da base dos estudantes, negociando e fazendo acordo entre a direção das organizações. Além disso, organizações dessa gestão tiveram informações privilegiadas que poderiam ter contribuído com a luta, mas escolheram atrasar seu compartilhamento – inclusive com as demais forças da gestão. Faltou força política e proposição da gestão do DCE: com um empenho honesto e democrático, de ouvir todas as reivindicações e construir coletivamente as pautas, secundarizou seu papel de direção eleita pelos estudantes, e não apresentou um programa político que conseguisse coesionar as pautas que foram apresentadas, nem uma sequência tática que pudesse colocar a reitoria contra a parede e construir uma crescente na greve. Dessa forma, os companheiros ficaram expostos à denúncias (honestas e oportunistas) de sua atuação, correndo risco de desmoralizar seu trabalho, e sobretudo, a entidade.

Para nós, essa atuação limitada do DCE representa um problema de fundo que é de responsabilidade e reflexo mais profundo do movimento estudantil da USP, e dificilmente outra configuração de forças políticas na direção da entidade poderiam ter dado algum grande salto de qualidade.

Do movimento estudantil uspiano

Devemos parar e pensar: qual o histórico do ME nos últimos anos? Quais organizações (mesmo de oposição) e de estudantes independentes ofereceram soluções a esses problemas? 

Na primeira reunião do comando de greve geral da USP, com participação dos mais amplos setores dos estudantes, eleitos pelas suas bases, foi aprovado um documento com 23 reivindicações que seria levado para a mesa de negociação com a reitoria. Todos os pontos presentes no documento representam lutas importantes dentro da universidade: a falta de bolsas PAPFE, o descaso reiterado com a EACH, a falta de refeições aos finais de semana, a diminuição do quadro de servidores técnicos e docentes, o atraso descabido da USP em relação à aprovação de cotas PPI para os concursos públicos, de vestibular indígena e cotas trans, a situação calamitosa do CRUSP e a falta de moradias nos interiores, são todos problemas com os quais nos deparamos todos os dias. Porém, a primeira reunião de negociação não foi levada a sério pela reitoria, que viu nesses 23 pontos de reivindicações uma verdadeira lista de desejos apresenta pelo conjunto dos estudantes da USP. 

O documento aprovado pelo comando geral mostra que a greve não teve uma política central que unificasse todos os cursos bem estabelecida desde o seu início. Ou ainda, necessidades objetivas e lutas históricas foram confundidas com a pauta unificadora inicial: a contração de professores e fechamento de cursos.

A falta de unidade nas pautas reivindicadas revela uma falta de horizonte estratégico de luta do movimento estudantil, que possa confrontar esse projeto de universidade que só serve aos interesses dos monopólios e da burguesia do nosso país.. O movimento estudantil da USP ainda fala pouco em estratégia. Conhecemos pouco a universidade, sua burocracia, seu orçamento e a presença da burguesia dentro dos nossos cursos. Quem são seus poderosos e como funciona seu lobby, que direciona o sentido da produção da nossa universidade aos lucros, e só permite a eleição de reitores e diretores de centro capachos da burguesia , são questões que devem estar no centro da nossa política. Só entendendo profundamente essas questões, podemos entender que todos os nossos 23 pontos listados (e que poderiam ser muitos mais!) têm uma só raiz: da burguesia brasileira de arrancar verba de permanência, pesquisa, ensino e extensão e distribuir pra meia dúzia de empresas dentro da USP! Seguimos respondendo pontualmente a ataques da reitoria e seus aliados burgueses no Estado, mas não conseguimos passar à ofensiva e disputar o projeto de universidade que queremos e, assim, unificar nossas lutas.

No caso da nossa greve, isso atrasou a centralização do debate em cima do gatilho automático de contratações, e contra o edital de mérito. Reduziu a nossa luta a um conjunto de pequenas lutas e pequenas respostas, que na prática dificultou a  articulação em torno de uma luta verdadeiramente unificada. Isso, ainda, evidentemente, não tira a parcela de responsabilidade das organizações envolvidas nessa cultura aparelhista e cupulista de movimento estudantil. Menos ainda dos grupos e estudantes independentes que também repetem práticas viciadas no ME. Mas nos faz entender que, no atual momento da USP, o combate a um grupo específico é insuficiente se não houver uma política que unifique nossas atividades e combata a cultura taticista, cupulista e que não deixa crescer a democracia no ME uspiano.

Das políticas de inovação e empreendedorismo e os ataques da burguesia à USP

Mas afinal, como funciona a refuncionalização universitária que está sendo implantada na USP? E como ela adentra a universidade afetando a base do seu funcionamento?
Um de seus principais instrumentos é a Política de Inovação da USP. Essa resolução é fruto de uma série de políticas que aproximam o funcionamento da universidade ao de uma empresa privada, enrijecendo a instituição em seu potencial criador e humanista, na medida em que a alinha às demandas do bloco de poder dominante do país: os monopólios, o latifúndio e o imperialismo.

Hoje temos, na USP, representantes do Todos pela Educação atuando na USP Ribeirão Preto, as Fundações ditas “de apoio” possuem cadeiras diretoras nos órgãos da Universidade há décadas, e não dão sinais de se enfraquecem, a Inteli, universidade privada da BTG Pactual, segue dentro da Cidade Universitária, a ESALQ possui um dos maiores contratos de pesquisa em etanol com uma empresa estrangeira, a British Petroleum. Essas políticas, ao invés de serem combatidas pelo movimento estudantil, encontram em setores do PT, PCdoB e PSOL apoiadores, e no resto, silêncio.
Aprovada de forma autocrática no último Conselho Universitário da gestão do ex-reitor Vahan Agopyan, e  implementada por Carlotti e Maria Arminda, A Política de inovação muda substancialmente o caráter da universidade, na prática modificando o tripé ensino-pesquisa-extensão, e igualando em importância o empreendedorismo. No rol de incentivos à adesão a essa política entreguista, a resolução prevê a bonificação àqueles que a ela se curvarem, seja com recursos próprios da universidade, seja em parceria com o grande empresariado, nacional ou estrangeiro

O edital de mérito para a distribuição de docentes, uma das pautas mais cruciais da nossa greve, está intimamente relacionada à Política de Inovação da USP. Onde os docentes são distribuídos entre as faculdades a partir de um critério totalmente arbitrário chamado de “mérito”. Mas o que é esse mérito? É o mérito da faculdade que consegue entregar o maior lucro para a burguesia, que melhor se adapta às políticas de inovação e que melhor consegue incluir o empreendedorismo em sua base curricular.

Devemos combater o projeto da burguesia para a universidade em favor de um projeto que sirva ao povo brasileiro de fato! Uma universidade do povo e para o povo. Que garanta não só o ingresso e permanência, mas onde a produção do conhecimento esteja voltada para a elevação material, cultural e política do povo, um projeto de UNIVERSIDADE POPULAR!  

Das perspectivas

Hoje a greve da USP já não é mais uma greve geral. Após a saída de muitos cursos da greve; podemos constatar que ela não é mais tão ampla quanto antes. Muitos estudantes estão exaustos depois de enfrentarem ataques e assédio por parte de suas Unidades e de professores reacionários. Outros cursos recuam em mobilização após algumas conquistas parciais.

Entendemos que hoje, infelizmente, o esforço para manter a greve é definitivamente maior, e menos mobilizador, do que para as atividades unificadas: tem mais pessoas em atividades pontuais e assembleias do que no dia a dia. O prolongamento da greve ainda não encontrou seu espaço para ampliar o debate político e alcançar mais estudantes. Pelo contrário, com o aumento da tensão vinda de professores e Unidades, sem um movimento unificado e moralizado, a tendência é que a greve passe a sofrer derrotas.

A greve está cada vez mais exausta. E levando em consideração as questões em relação ao horizonte político estratégico abordadas acima, precisamos ter claro que o fim da greve não é (ou não deve ser) o fim da luta. Pensar em acabar a greve não significa que nossa luta está acabada. Ao contrário, significa que é momento de se reorganizar, em atividades e na política. De cabeça erguida, pensando nos próximos passos da luta profunda que travamos. É necessário golpear de forma unificada as bases da política da burguesia para a universidade, e a greve cada vez mais deixa de ser este instrumento, e passa a se tornar uma batalha com fim em si mesma, sem grandes perspectivas de vitória.

Sair de cabeça erguida, construindo atividades unificadas, fortalecer as entidades estudantis independente de quem dirigir suas gestões, unificar as nossas pautas e deixar de reagir aos sintomas, passando a atacar a raiz do problema. Esse deve ser nosso horizonte!

As tarefas do cotidiano que virão a seguir não podem admitir o menor desânimo, é necessário uma extrema organização do movimento estudantil, para que este momento de tantos aprendizados não caia no esquecimento, na rotina e no conformismo. Devemos em vista disso continuar lutando:


PELA VOLTA DO GATILHO AUTOMÁTICO, PELO FIM DO EDITAL DE MÉRITO, PELA REVOGAÇÃO DA POLÍTICA DE INOVAÇÃO – POR UMA UNIVERSIDADE POPULAR!

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