O Caminho da Paz é o Fim da Expansão da OTAN
O Polo Comunista Luiz Carlos Prestes (PCLCP) manifesta sua posição diante do conflito na Europa Oriental: o mais dramático e perigoso do século XXI. Pretendemos nos limitar aqui a alguns aspectos candentes, mas essenciais, deste conflito: a marcha da Otan rumo ao Mar Báltico e ao Leste, o Golpe de Estado seguido pela nazificação da Ucrânia, a Guerra Civil nas regiões que hoje formam as Repúblicas de Lugansk e Donetsk e a Operação Militar Especial deflagrada pela Rússia em 24/02/2022.
Para isso, é necessário clarificações breves sobre o pano de fundo de nossa análise. A queda da URSS e do campo em transição socialista no Leste Europeu ocultou os graves problemas estruturais do capitalismo (inclusive nos países dominantes). É falsa a visão de que o mundo é total e tranquilamente controlado pelo capital financeiro – cujo poder seriamos os últimos a negar – ou pelo “imperialismo mundial” (falsamente considerado homogêneo), ou só pelo imperialismo hegemônico dos EUA. Há contradições, diferenças de interesse e prioridades entre todos estes poderes, e, entre eles e: os trabalhadores e povos oprimidos do mundo, os Estados surgidos de revoluções orientadas para o socialismo (China, Cuba etc.), as classes dominantes dos países dependentes.
Estas contradições e diferenças devem ser levadas em conta na luta do proletariado e povos oprimidos para, mediante elevação do seu nível de organização e consciência, avançar na sua organização em poder: capaz de escapar do controle das forças imperialistas e seus órgãos (Banco Mundial, FMI etc.) e construir alternativas para que a humanidade possa enfrentar as terríveis ameaças à sua sobrevivência.
O conflito na Europa Oriental reflete diretamente o agravamento da crise estrutural do domínio do capital e do antagonismo que contrapõe: de um lado, o campo imperialista dirigido pelos EUA que repõe a guerra-fria e apela para uma ofensiva mundial fascistizante; de outro, a Rússia (país de capitalismo restaurado dependente, que tenta se defender e recuperar o protagonismo internacional perdido) e a China (formação social em que a transição para o socialismo sofre bloqueios), ambos ameaçados pela agressividade imperialista.
A restauração capitalista no Leste Europeu foi desastrosa. Gerou desindustrialização e regressão econômico-social. A violentíssima concentração e centralização de capital (via expropriação de direitos dos trabalhadores e do patrimônio público) não gerou mais que burguesias internas débeis, inexpressivas no capitalismo mundial. A economia destes países sofreu profunda desnacionalização: estatais revertidas ao controle do capital financeiro internacionalizado; com interiorização de transnacionais sedentas por ampliar mercados e explorar mão de obra barata (com elevada formação técnica, mas empobrecida e precarizada). O retrocesso também é colossal na cultura e na política; com a ascensão de regimes fascistas na Polônia, Hungria e Ucrânia.
A Rússia, apesar da restauração capitalista, não foi integrada ao sistema imperialista sob hegemonia estadunidense. Após a total submissão seguida pela política de traição nacional e delirante “terapia de choque” privatista de Yeltsin (1991/99), diante da destruição da Iugoslávia e das primeiras ondas de expansão da OTAN, a Rússia começou a levantar-se. Após 1999, os governos liderados por Putin – mantendo caráter capitalista e, ao menos sob certos aspectos, autoritário – retomaram políticas independentes diante do imperialismo, com certo dirigismo estatal, investimento em inovação tecnológica e, sobretudo, um gigantesco esforço de recuperação da sua condição de potência militar.
O imperialismo estadunidense – que após a derrota do eixo na Segunda Guerra Mundial assumiu a direção da contrarrevolução mundial – fez uma radical inflexão à direita após o início da crise estrutural do capital na década de 1970. Com cambiantes camuflagens retóricas, o imperialismo dos EUA adotou atitudes cada vez mais agressivas e aventureiras. Não há como analisar aqui o perigoso Tratado de Mútua Segurança EUA/Japão: o alvo último dos projetados “ataques preventivos” é obviamente a China. Tampouco vamos tratar da escalada de apoio a Golpes de Estado na América Latina após a derrota do projeto da ALCA; à qual se acrescenta o plano de usar a Colômbia como plataforma de agressão militar contra a Venezuela. Limitar-nos-emos à Europa Oriental.
Os EUA descumpriram o acordo de 1989 (Bush Sr./Gorbachov) de que a OTAN se manteria nas suas fronteiras originais: “sem avançar nem um metro para o Leste”. Com imensa desfaçatez, foi desmantelado o sistema de segurança coletiva acordado após a derrota do nazifascismo. Foram anexadas à OTAN várias nações que dantes pertenceram ao “campo socialista” e os três países bálticos – Estônia, Letônia e Lituânia – que antes integraram a URSS.
Os objetivos e metas da Organização Militar Atlântica foram radicalmente redefinidos com total desrespeito ao direito internacional: transformando-a do que se dizia ser uma “organização puramente defensiva”, numa aliança assumidamente ofensiva. Numa Reunião de Cúpula (Washington, 04/1999) a OTAN adotou “um novo conceito estratégico, segundo o qual eles poderiam realizar intervenções militares até fora da área da OTAN sem se preocupar com a soberania de outros países e desconsiderando completamente a ONU” (Nühara, S. – Strugle Against US Military Bases, Dateline Tokyo, 1999). A OTAN passa a poder realizar qualquer “ataque preventivo” que os EUA quiserem e mandarem fazer, mesmo sem qualquer pretexto de “perigo militar real”.
Segundo a estratégia formulada pelo principal teórico da política externa estadunidense – Zbigniew Brzezinski – a expansão da OTAN para as fronteiras da Rússia é “a mais importante prioridade” atual: englobar a repúblicas bálticas e ao sul a Ucrânia, o Azerbaijão e o Uzbequistão e “por que não?” dividir a Rússia em “três Estados mais modestos, um a oeste dos Urais, um na Sibéria e um no extremo Oriente, ou uma confederação sem uma organização rígida entre eles” (Cf. Anderson, Perry – A Política Externa Norte Americana e seus Teóricos, Boitempo, SP, 2015: 171-186; citações agrupadas da exposição do Autor sobre as últimas obras de Brzezinski: 174-5).
Esta estratégia vem sendo seguida pela OTAN e, com toda pertinência, vem sendo explicitamente denunciada por Putin. Configura-se uma nova política externa russa: esboçada já no famoso Discurso de Putin em Munique (2007), apoiada na cada vez mais intima aliança estratégica com a China, afirmada na reforma do Exército, na Guerra da Georgia e nos eventos na Crimeia, na Síria, e pelo bloqueio do Ocidente de interferir nos assuntos internos da Rússia; mas muito está se tornando claro somente agora (Cf. artigo de 23/02/2022 do autorizado estrategista Karaganov, Sergey, disponível em: A nova política externa da Rússia, a Doutrina Putin – Telegraph).
Para compreender a crise e a guerra em curso é necessário levar em conta as determinações internas ucranianas, pois geraram o movimento Euromaidan (2013/14) pró integração na União Europeia, que abriu caminho para a intervenção imperialista direta. As lutas de classes internas se acirraram neste período: o PIB Per Capita caiu 50%, com imenso desemprego, queda salarial e ruína social. Exacerbou-se a disputa, mascarada por traço étnico, entre o proletariado – especialmente metalúrgicos e mineiros, concentrados ao Leste, com seus aliados regionais – e os magnatas em Kiev, que manipularam setores pequeno-burgueses influenciados pela demagogia pró-imperialista e abertamente fascista, no Centro-Oeste.
O Governo Golpista introduz as hordas fascistas na Polícia e no Exército, proscreve os partidos comunistas e demais oposicionistas, proíbe o idioma russo e inicia o terrorismo. Por ironia da história, provocou assim a situação revolucionária, concretizada na insurreição da Crimeia e das oblasts orientais. Na guerra civil surgem a República Popular de Donetsk e República Popular de Lugansk.
As hordas fascistas, inspiradas no colaborador nazista da II Guerra Mundial, Stepan Bandera, celebraram a 14ª Divisão de Grenadeira da SS (Divisão Galícia) e a OUN-UPA, se encrustaram no Estado ucraniano pós-soviético e, sob o pretexto da “descomunização” da Ucrânia, fomentaram um fanatismo chauvinista anti-russo. Trata-se de um regime pró-imperialista com características nitidamente fascistas.
A OTAN, a UE e os EUA são os maiores responsáveis pelo que está ocorrendo na Ucrânia, pois fomentaram o movimento abertamente fascista que derrubou o presidente eleito Viktor Yanukovich em 2014 e a guerra de extermínio que se seguiu. A ação imperialista, diretamente dirigida pela embaixada estadunidense: organizou, armou e treinou as milícias fascistas (chegando a integrá-las nas Forças Armadas ucranianas) contra o povo rebelde de Donbass; sustentou um regime político que perseguiu, reprimiu, torturou e assassinou seus oponentes em todo território ucraniano.
Há muito surgem alertas sobre os perigos das condutas estadunidenses. No dia 22/2/2014, Raúl Castro declarou: “Agora mesmo, na Ucrânia, estão ocorrendo acontecimentos alarmantes. A intervenção das potências ocidentais deve cessar […]. Não se deve ignorar que esses fatos podem ter consequências muito graves para a paz e a segurança internacionais”. Depois, em 26/9/2018, o presidente cubano Díaz-Canel, em discurso – Assembleia Geral da ONU – disse que “A continuada expansão da Otan para as fronteiras com a Rússia provoca sérios perigos, agravados pela imposição de sanções arbitrárias”.
Por oito anos, o “Ocidente”, que hipocritamente caracteriza a invasão russa como “premeditada” e “gratuita”, apoiou as diárias agressões do Exército ucraniano repleto de nazifascistas contra o povo de Lugansk e Donetsk. O governo de Zelensky (agora mitificado pela mídia imperialista), eleito com uma plataforma de fim da guerra, inchou seu governo de nazistas e desrespeitou continuamente os acordos de paz de Minsk e Minsk 2.
Os governos dos povos sublevados e constituídos em nações próprias ficaram oito anos cercados e fustigados pela terceira Força Armada mais numerosa da Europa, que agia em desobediência flagrante aos Protocolos de Minsk e aos direitos básicos, entre os quais a independência nacional. Finalmente, resolveram pleitear o reconhecimento internacional. Por iniciativa do Partido Comunista da Federação Russa, a Duma solicitou que o presidente certificasse as duas jovens nações. Ao ato, firmado após certa hesitação, Washington reagiu com sanções, na “prerrogativa” missionária de bloquear decisões alheias.
Decerto, o longo discurso de Putin (quando do reconhecimento das repúblicas de Donbass), no dia 22/2/2022, merece críticas: seja pelo tom chauvinista grão-russo que o permeia, seja pelas observações confusas e deturpadoras sobre as condutas de Lenin e/ou dos bolcheviques acerca da questão nacional. Putin expressou entranhado anticomunismo, ao mesmo tempo que absolveu a gangue de Yeltsin de sua responsabilidade histórica no conflito.
Nisto Putin está absolutamente errado: as sementes da Guerra Civil remetem à dissolução da URSS em 1991. Os títeres do império hoje só estão empoderados devido à capitulação dos traidores do socialismo. Todavia, é infundado responsabilizar o Governo da Federação Russa pelo início da guerra, como fazem Biden, Zelensky, a Otan e seus acólitos no mundo inteiro. A Ucrânia já estava em Guerra desde 2014. Cerca de 15 mil pessoas morreram nas batalhas em torno das repúblicas populares; sem contabilizar os assassinatos em atentados e pogroms praticados por nazistas ucranianos em sua sanha assassina.
Consideramos correta a luta popular para que as grandes reservas financeiras da Rússia sejam usadas com o objetivo de garantir melhores condições de vida às classes trabalhadoras e amortecer o impacto destrutivo das sanções contra os mais pobres; assim como por um programa econômico de emergência que inclua nacionalizações e reformulação das cadeias produtivas em prol dos interesses populares.
A situação de guerra não pode servir de pretexto para a repressão de lutas pela ampliação das liberdades democráticas e contra políticas conservadoras do Governo Putin. É preciso fortalecer o combate ativo contra setores político-ideológicos nacional-chauvinistas e fascistas, que hostilizam imigrantes e difundem as ideologias racistas que estão na base do ressurgimento de criminosas práticas de pogroms.
Considerando as ponderações acima e a séria indagação de Hua Chunying, porta-voz da Chancelaria chinesa – “Já pensaram nas consequências de encurralar uma grande potência?” – o Polo Comunista Luiz Carlos Prestes manifesta sua inquietude com a situação na Ucrânia e a política do imperialismo estadunidense (conduzida pelo atual Governo Biden) e da OTAN, que ameaçam a paz e a segurança do Mundo. Nos opomos ao voto expedido pelo embaixador brasileiro no Conselho de Segurança da ONU, Ronaldo Costa – que, apesar de apelar por “soluções diplomáticas” e “acordo para todos”, endossou a resolução estadunidense. Apoiamos:
– o fim do envio de armas e munições à Ucrânia pelos EUA e UE;
– a renúncia pelo Governo de Kiev à entrada na Otan;
– a negociação de paz geral entre as partes beligerantes;
– a desmilitarização da Ucrânia e a vedação de armas nucleares;
– a proibição dos grupos, esquadras e partidos nazifascistas;
– a confirmação do Russo e Ucraniano como idiomas oficiais (assim como de e outras línguas dos povos que habitam a Ucrânia e reivindiquem este estatuto);
– o reconhecimento à República Popular de Donetsk e à R. P. de Lugansk;
– o fim das sanções imperialistas como instrumento unilateral e ilegal.
Direção Nacional do Polo Comunista Luiz Carlos Prestes
Brasil, 10 de março de 2022.