Brasil, Colômbia e Palestina: o sangue que o imperialismo derrama
Por: Victor Garcia Castro – militante JCA Santa Catarina
Não bastassem os efeitos nefastos da pandemia de Covid-19, mais ou menos graves em cada país a depender das decisões políticas de seus governantes, as últimas semanas deixaram um rastilho de pólvora no cenário internacional. No Brasil, enquanto ultrapassávamos os 420 mil mortos pelo coronavírus, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro protagonizou a chacina mais letal da história da capital fluminense. Na Colômbia, país que também ostenta uma alta taxa de mortalidade na pandemia, o governo de extrema-direita de Iván Duque reprimiu violentamente os protestos do povo colombiano contra a proposta de reforma tributária apresentada pelo presidente.
No Oriente Médio, Israel atacou uma sala de oração de um dos lugares mais sagrados para os muçulmanos, a mesquista de Al-Aqsa, em pleno Ramadã, mês em que o islamismo celebra a revelação do Corão para o profeta Mohammad. Os três episódios aconteceram e repercutem em diferentes contextos políticos, econômicos e sociais, mas estão unidos por suas amostras chocantes de extrema violência e desumanidade. Ao observador atento, estão conectados ainda por pelo menos um segundo fator: as contribuições do imperialismo que os tornaram possíveis e que ajudam a mantê-los impunes.
No Brasil, a ingerência estrangeira cumpriu papel decisivo para o golpe perpetrado contra Dilma Rousseff em 2016, a prisão política do ex-presidente Lula, a eleição de Bolsonaro e a consequente fascistização de funções essenciais do Estado brasileiro, da qual não está desvinculada a crescente violência policial no país. Durante o ano de 2020, em um contexto de avanço da fome, da miséria e do desemprego, o número de pessoas mortas pela polícia no Brasil aumentou em 17 estados. Sobre a chacina, Bolsonaro disse que chamar as 29 pessoas mortas pela polícia de vítimas é uma ofensa ao povo do Rio de Janeiro, classificando-as sem quaisquer provas como “traficantes que roubam e matam” e parabenizando a polícia pelo massacre.
Na Colômbia, onde manifestações contra o abuso policial acontecem desde 2019, foram registrados 61 massacres somente em 2020. Embora o governo de Iván Duque tente tradicionalmente culpar o narcotráfico pela violência no país, a repressão contra as manifestações populares nas últimas semanas deixaram 26 mortos e centenas de desaparecidos e evidenciaram a parcela de responsabilidade do governo colombiano na escalada de violência. Os manifestantes rechaçavam a proposta de reforma tributária apresentada pelo presidente e retirada após os protestos, que propunha aumentar os impostos para os mais pobres em serviços públicos como gás e energia.
A militarização tanto da Polícia Militar brasileira quanto da Polícia Nacional da Colômbia se intensificou durante seus processos ditatoriais, reflexo de como as ditaduras enxergam a população civil: inimiga de guerra em potencial, assim como um soldado de uma nação estrangeira, destituída de direitos civis e políticos, passível de prisão arbitrária, tortura e execução. Nisso tudo cumpre um papel a Escola das Américas, instituto do Departamento de Defesa dos EUA fundado em 1946 com a missão de preparar países latinos contra organizações e movimentos sociais de esquerda, ministrando cursos relacionados a tortura, guerra psicológica, intervenção militar, espionagem, falsificação de provas e vigilância. A Escola das Américas formou mais de 60 mil policiais e militares de 23 países latino-americanos e continua formando muitos outros.
No caso da Colômbia, o discurso da “guerra às drogas” foi introduzido na década de 70 pelo presidente estadunidense Richard Nixon, primeiro como um pretexto para combater grupos guerrilheiros como as FARC e justificar a presença militar dos EUA na América Latina. Como mais tarde admitiu um assessor de Nixon, a guerra às drogas também cumpriu um papel interno de combate ao movimento anti-guerra e ao movimento negro, inconvenientes para os interesses bélicos e racistas da superpotência naquele momento, associando os hippies à maconha e os negros à heroína. Na América Latina, a questão parece ter ganho vida própria com a associação entre tráfico internacional, grupos paramilitares, milícias e políticos ligados pelo lucro vultoso do comércio de drogas ilegais.
Seja como for, claro está que o espaço que a “guerra às drogas” abre para a violação de direitos civis e políticos a torna facilmente instrumentalizável contra minorias raciais ou políticas. Não por acaso, seu uso coincide com o momento em que, segundo Florestan, “as nações hegemônicas e sua superpotência adotaram uma estratégia de contra revolução preventiva generalizada”. No Brasil, ela se funde nos limitados horizontes do Estado autocrático burguês, como Florestan Fernandes chama à ditadura de classe aberta da burguesia na periferia do capitalismo, a estruturas racistas não combatidas devido à ausência de uma revolução democrática, vitimando sobretudo o povo preto e periférico.
No Oriente Médio, outra região do mundo em que tanto se sofre com os efeitos do imperialismo estadunidense, as forças policiais de Israel, aliado histórico dos Estados Unidos, deixaram centenas de palestinos feridos num ataque à mesquita de Al-Aqsa, em um cenário de despejos ilegais contra famílias palestinas. O ataque foi seguido de bombardeios à Faixa de Gaza que deixaram 20 palestinos mortos, incluídas nove crianças. À época da criação do Estado de Israel, em 1948, mais de 500 vilas palestinas foram destruídas, criando um grupo gigantesco de refugiados e repercutindo em uma série de conflitos armados na região.
Hoje, passados 73 anos da fundação do Estado de Israel, o país continua a promover uma limpeza étnica contra palestinos, com políticas de controle populacional e a construção de assentamentos judaicos em território palestino. Depois de recusar-se a vacinar a população palestina, alegando a autonomia da Autoridade Nacional Palestina (ANP), o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu impediu por dias a entrada e a distribuição pela ANP de vacinas enviadas pela Rússia à Palestina em fevereiro. Atualmente, mais de 3 bilhões de dólares em auxílio militar são reservados pelos Estados Unidos a Israel anualmente, como forma de garantir seus interesses na região.
Em um momento de crise aguda do capitalismo, se enrijece ainda mais a marcha irrefreável do imperialismo e da contrarrevolução. Nos países periféricos, os já borrados limites morais da ordem burguesa se apagam completamente e grandes tragédias humanas se desenrolam à frente de nossos olhos. Mas como um dia disse o comunista palestino Ghassan Kanafani: O imperialismo deitou seu corpo sobre o mundo, a cabeça na Ásia Oriental, o coração no Oriente Médio, suas artérias alcançando a África e a América Latina. Onde quer que você o golpeie, você o danifica e serve à Revolução Mundial.