Anotações sobre o governo Lula

Anotações sobre o governo Lula

Por: Geraldo Barbosa

O texto que se segue é a primeira parte de uma série de mensagens enviadas pelo camarada Geraldo Barbosa em um grupo de discussões da Escola Luiz Carlos Prestes quanto ao debate entre Jones Manoel e Breno Altman sobre o caráter do governo Lula.


Eu estava concentrado na redação de um texto relativamente longo e só recentemente me dediquei a ler as últimas postagens do Grupo. Vou tratar do DEBATE BRENO versus JONES. Os temas ali abordados trazem implícita uma temática complexa, porque dizem respeito não apenas à análise do Lulismo (em especial do Governo Lula III), mas envolvem questões gerais de estratégia e tática; em especial a luta contra o fascismo nesta época histórica de CRISE ESTRUTURAL DO DOMÍNIO DO CAPITAL. Começo hoje a postar aqui um conjunto de NOTAS inspiradas por esta temática e continuarei nos próximos dias. Penso em dividir a exposição em umas três ou quatro partes (sem prejuízo de irmos discutindo “pelo caminho”). Em seguida, tratarei do problema conexo da DÍVIDA (que apareceu no Grupo há alguns dias).

Antes de entrar na análise do DEBATE, quero destacar a visão de Lenin sobre o que une e distingue TEORIA, ESTRATÉGICA E TÁTICA. Farei isto porque esta unidade e relação entre aspectos distintos da política revolucionária é o escopo destas NOTAS; ainda que focadas no presente em processo. Em seguida a um breve comentário de conjunto sobre a polêmica entre BRENO & JONES propriamente dita, e antes de concluir apresentando minha visão sobre problemas táticos conjunturais da lutas de classes no Brasil (TERCEIRA PARTE); vou apontar – na SEGUNDA PARTE destas NOTAS – algumas questões que envolvem a análise teórica marxista dos elementos “de fundo” da realidade histórica contemporânea: A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL que trouxe embutida a FASE MAIS PERIGOSA DA DOMINAÇÃO IMPERIALISTA EM TODA HISTÓRIA.

O sistema do capital entrou na sua época de crise estrutural por volta do início da década de 70’ do século XX. Já numa fase relativamente inicial deste período histórico objetivo, diante da Crise da Dívida, o imperialismo hegemônico impôs o chamado “Consenso de Washington”. Desde o começo do século XXI: se intensifica a escalada de guerras imperialistas; a chantagem nuclear torna-se usual no discurso neoconservador; os Golpes de Estado voltam a ser rotina na América Latina. Após a grave recidiva da arrastada CRISE ESTRUTURAL em 2007/10, o capital financeiro volta a recorrer ao FASCISMO aberto; visando impor uma derrota estratégica aos trabalhadores e oprimidos.

Então, na SEGUNDA PARTE destas ANOTAÇÕES, não pretendo, nem seria possível, desenvolver uma análise teórica do complexo problemático formado pela crise estrutural, a atual fase do imperialismo e a nova ofensiva do fascismo. Desde o ano passado, eu resolvi dar um intervalo na finalização do meu longuíssimo escrito sobre “O Laboratório de Marx”, para escrever dois pequenos livros: um sobre LENIN, outro sobre o FASCISMO (neste último, sobretudo, apresento uma exposição desenvolvida sobre o conjunto temático mencionado). Os dois livrinhos ainda vão demorar um pouco para ficarem prontos. Estas NOTAS têm por objeto condicionamentos da situação histórica concreta atual. Eu quero adiantar a conversa com os camaradas sobre aspectos conjunturais que considero importantes para a articulação dinâmica entre estratégia e táticas dos comunistas brasileiros.

É apenas com intenção de introduzir a tematização deste objeto que farei algumas obervações teórico-metodológicas. Como veremos, a categoria dialética DESENVOLVIMENTO DESIGUAL é decisiva na atualização estratégica da revolução proletária (comunista) realizada por Lenin, sobretudo, a partir dos seus estudos sobre a especificidade do capitalismo monopolista/imperialista. “Aqui e agora” quero destacar a importância da assimilação por Lenin da concepção materialista e dialética de Marx e Engels das categorias MEDIAÇÃO e TOTALIDADE. Por questão de espaço nos limitamos a dois exemplos.

Nos seus estudos sobre a Lógica de Hegel, Lenin ressalta o caráter universal objetivo e de transição dinâmica da MEDIAÇÃO: “Tudo é vermittelt [mediado], enlaçado na formação de um todo único, vinculado por transições (…). Não só a unidade de [complexos] contrários, mas a TRANSIÇÕES DE CADA [grifo de L] determinação, qualidade, aspecto, lado, propriedade, A CADA QUAL de seus outros” (Lenin, V. I. Cuadernos Filósoficos, In: Obras Completas em 55 vols. [abrev. LOC55], Moskva: Progreso. 1984ss. vol. 29 [1914-16]: 90 e 200; v. tb. sobre a base mediadora prática da tradução do real nas figuras da lógica tal como articulada no silogismo hegeliano: 195].

A categoria TOTALIDADE é central na abordagem polêmica de Lenin sobre o papel dos Sindicatos e a constituição da HEGEMONIA PROLETÁRIA na transição socialista. Lenin rejeita as Teses: de Trotsky (“militarização dos sindicatos”, segundo o esquema do “comunismo de guerra”) e da Oposição Operária liderada por Bukharin (transformar os sindicatos em um organismo da direção econômica estatal). Lenin distingue entre: Estado (o bloco revolucionário organizado em poder político, com forte peso das funções coercitivas e administrativas), Partido Revolucionário (vanguarda do proletariado, onde predomina a função de direção política; cujo meio extremo de disciplina para se “temperar” é a “expulsão” e NÃO a “coerção”) e os Sindicatos como “organismos de massa”, com tarefas específicas (inclusive educativas). Aí o principal “NÃO é a direção, MAS A LIGAÇÃO” entre: poder estatal, planejamento da economia nacional, direção política e as “AMPLAS MASSAS DOS TRABALHADORES” (Cf. Id. LOC55 vol. 42: 306).

“O camarada Trotsky fala de ‘Estado operário’ (..) o que é “pura abstração”, escreve Lenin, pois “em nosso país, o Estado não é, na realidade operário, e sim operário e camponês”. Ademais, “nosso Estado é operário com DEFORMAÇÕES BUROCRÁTICAS [L] (…); esta é a realidade do período de transição”. Será que “diante deste Estado nada têm os sindicatos a defender? Pode-se dispensá-los na defesa dos interesses materiais e espirituais do proletariado organizado em sua totalidade?”. Eles servem para “defender os operários em face do seu Estado e para que os operários defendam nosso Estado”. Trata-se de “certa divisão socialista de poderes” na hegemonia proletária: “uma e outra defesa” devem “entrelaçar” de modo dialético (e não burocrático e administrativo) as organizações da classe em seu conjunto: “o conceito de ‘entrelaçamento’ significa que há entes DIFERENTES que ainda É PRECISO entrelaçar” (Id. Sobre los Sindicatos, el Momento Actual y los Errores del Camarada Trotski [30/12/1920], In: LOC55 vol. 42: 213-15).

Trotsky e Bukharin acusam Lenin de abordar o problema “politicamente”, enquanto “eles o abordam economicamente”. Para Lenin, no entanto, eles confundem “dialética e ecletismo”, pois “cortam” a interação recíproca entre democracia socialista e produção no todo que formam. Se “toda democracia” serve “em última instância à produção” e a estrutura das relações de produção é o momento predominante da interação entre os complexos constitutivos de uma “sociedade dada”: isto não significa tomar “as estruturas” como fechadas em si mesmas, fora de sua interdependência dinâmica no INTERIOR DA TOTALIDADE SÓCIO-HISTÓRICA CONCRETA. A teoria revolucionária busca reproduzir idealmente a totalidade social em unidade (mediada) com a política revolucionária que orienta a realização desta teoria na transformação prática do todo concreto. A perspectiva da totalidade dá um peso relativo original à política revolucionária: “a política é a expressão concentrada da economia” e, na perspectiva do processo revolucionário, “não pode deixar de ter primazia sobre a economia; raciocinar de outro modo, é esquecer o abc do marxismo” (Id. Una Vez Más Acerca de los Sindicatos, el Momento Actual y los Errores de los Camaradas Trotski y Bujarin [25/01/1921], In: LOC55 vol. 42: 287 y 289; LOE3 vol. 3: 440 e 443).

Trotsky e Bukharin – escreve Lenin – alegam preocupar-se “com o crescimento da produção e nós só com a democracia formal”. Tal “imagem é falsa”, porque para o marxismo a questão se coloca “unicamente” assim: “sem uma abordagem politica justa uma classe não conseguirá manter seu domínio, e por conseguinte, também não poderá cumprir sua tarefa na produção”. Bukharin trata os sindicatos de modo eclético: toma “um pouco” de Zinoviev (“sindicato como escola de comunismo”) e “um bocado de Trotsky” (como “aparelho técnico-administrativo da produção”). Com pretexto de combater a unilateralidade, Bukharin adota o método das “definições formais”, obtendo “uma definição eclética que indica diversos aspectos do objeto, e só”. A DIALÉTICA “exige que se vá além”: “Para conhecer realmente um objeto, é preciso abarcar e estudar a TOTALIDADE dos seus aspectos, todas as suas ligações e MEDIAÇÕES. Nós não o conseguiremos integralmente, mas a busca de multilateralidade nos protege de erros e lapsos. Segundo: a lógica dialética exige que se considere o objeto em seu ‘automovimento’, sua transformação (…). Terceiro: toda a prática humana deve entrar na ‘definição’ plena do objeto, como critério da verdade e como determinante prático da ligação do objeto com o que é necessário ao homem. Quarto, a dialética ensina que ‘não há verdade abstrata, a verdade é sempre concreta’, como dizia Hegel” (Id. v. 42: 298-302; v. 3: 449-52). 

A partir da concepção do real como TOTALIDADE PROCESSUAL constituída por relações contraditórias entre TOTALIDADES PARCIAIS, Lenin defende o sentido da democracia proletária nas relações Sindicato-Partido-Estado. Avança aí na elaboração TEÓRICO-PRÁTICA da HEGEMONIA na revolução proletária (Cf. 274-317; 433-62).

É citada com frequência a certeira frase de Lênin: “sem teoria revolucionária não pode haver também movimento revolucionário” (Id. As Tarefas dos Sociais Democráticas Russo [1898], In: LOC55 vol. 2: 482; retomada em “Que Fazer?”, LOE3 vol. 1: 96-7). É importante lembrar que, mais tarde, ele escreveu, com igual pertinência: “uma teoria revolucionária justa, que não é um dogma, só se constitui de forma definitiva em estreita ligação com a prática de um movimento verdadeiramente de massas e verdadeiramente revolucionário” (Id. A Doença Infantil do “Esquerdismo” no Comunismo [1920], In: OE3, vol. 3: 282). Aqui cada palavra é importante:

A teoria revolucionária pode ser formulada por um intelectual em relativo isolamento (p. ex., Marx na biblioteca de Londres), mas só adquire forma acabada quando se combina dialeticamente com o movimento socialista: quando se transforma em força social, operando a partir de dentro e através das lutas coletivas das massas. O conhecimento científico dialético é um conhecimento revolucionário prático-teórico. Não se esgota na construção da teoria, mas precisa se completar através da fusão dialética com o movimento; não de pequenos grupos, mas com massas reais que convertam esta teoria em força cultural e política viva. Se os conhecimentos podem ou não ser aproveitados (em que sentido, com que eficácia): tudo isto depende das condições objetivas e subjetivas da luta de classes. É por isto que não basta a ligação com o movimento de massas para a teoria revolucionária se completar e se realizar (pois este movimento pode ser reformista). É necessário que as próprias massas se comportem revolucionariamente, pois sem movimento revolucionário não se testa a teoria revolucionária. É a práxis revolucionária que regula, ao mesmo tempo, acumulação e verificação do conhecimento, tanto quanto, a transformação da realidade.

O pensamento preso às “antinomias” do intelecto é metafísico [uso a palavra no sentido de NÃO DIALÉTICO (como Hegel, Marx e Engels) e não no sentido de ontologia (Kant e positivismo)]. Ou estabelece uma separação absoluta entre teoria e prática (finito e infinito, natureza e sociedade; e no ser social entre causalidade e teleologia, necessidade e liberdade, etc.). Ou fica confinado num imediatismo burocrático (e/ou sectário); que tende a DESCONSIDERAR AS MEDIAÇÕES e a instituir uma ligação imediata entre os atos mais crus e as posições “teóricas” mais gerais. Ao contrário dos manuais do período estalinista, Lenin UNE e DISTINGUE, com nitidez: TEORIA, ESTRATÉGIA E TÁTICA. As estuda e elabora sempre com o maior cuidado; levando em conta TODAS AS MEDIAÇÕES que existem entre elas e que, frequentemente, às relacionam de modo muito contraditório.

O caso mencionado acima (papel dos sindicatos no socialismo de transição): é exemplar desta concepção teórico-metodológica de Lenin (no momento oportuno, apresentarei outros exemplos, todos históricos). A adequada unidade entre teoria/estratégia/tática constitui o que Lenin chamava: “análise concreta da realidade concreta”, caracterizada como “substância” e “essência viva do marxismo” [Lenin – “Kommunismus”, Revista da IC (Komintern), Wien, febrero 1920, In: LOC55 vol. 41: 140].

A realidade concreta não é um “dado pontual” e “meramente singular”. É sempre um complexo de complexos, unidade de complexidade e processualidade contraditória: universalidade-particularidade-singularidade são “formas e modos de ser” da realidade. A aproximação dialética no conhecimento de uma situação concreta não pode ocorrer separando a singularidade de suas múltiplas relações com a particularidade e a universalidade. Por isto, nos clássicos do marxismo, as “leis de movimento” do “modo de produção capitalista” são mais concretizadas mediante a análise da teórica da particularidade das formações sociais (complexos móveis, cujos elementos essenciais só podem ser descobertos mediante a pesquisa de suas múltiplas determinações importantes). Estas análises determinam objetivos estratégicos e orientam ações atuais.

A estratégia concebe um projeto para coesionar na luta, em torno de uma hegemonia revolucionária, um bloco histórico de classes com interesses comuns e orientados para formar um poder revolucionário capaz de solucionar os desafios históricos essenciais numa sociedade concreta. As ações táticas atuais, que abrem caminho para a realização da estratégia, necessitam levar em conta a correlação de forças existente. Se for necessário um “recuo tático”: a teoria e a estratégia têm grande importância para determinar-lhe “o modo”, “a medida”, etc.; a fim de que o recuo não se torne obstáculo para um novo avanço. A elasticidade tática do recuo deve buscar, ao contrário, recalibrar a estratégia de modo a revitalizar sua viabilidade. O que, obviamente, exige o conhecimento de uma totalidade bastante complexa de mediações, etc.

Deve haver, portanto, uma unidade dialética de: fundamentação teórica, estabilidade de princípios estratégicos e flexibilidade tática. Variantes “dogmáticas” e “taticistas” de oportunismo, muitas vezes possuem um fundamento comum. De modo manipulatório: vulgarizam e simplificam abusivamente a teoria e os princípios, segundo conveniências (muitas vezes apenas presumidas) da prática imediata. É conhecida a tese revisionista de Bernstein: “o objetivo final não é nada, o movimento é tudo”. Para ele, as reivindicações dentro da ordem burguesa resolvem os problemas e tornam a revolução desnecessária. Pelo contrário, para os revolucionários dialéticos, como Lenin e Rosalux, há um “elo indissolúvel” entre fortalecer os trabalhadores ampliando a ordem e conquistar o poder/superar o capital: “a luta pela reforma social é o meio, a revolução social é o fim” (Reforma Social ou Revolução? SP, Global: 23-4). O meio não tem sentido se o fim, a relação com o todo, não estiver sempre presente. Numa época como a atual, de contrarrevolução permanente em escala mundial, torna-se ainda mais necessário articular conscientemente reforma e revolução.

Estou terminando de escrever um ensaio de porte médio (umas 60 pp.) sobre a política de construção da HEGEMONIA PROLETÁRIA na FRENTE ÚNICA proposta por Lenin à Internacional Comunista (IC) nos anos 1921-23; e desenvolvida depois de 1924, sobretudo, por Gramsci. A política de Frente Única respondeu à derrota das Revoluções proletárias na Europa (Alemanha, Hungria, Itália e outros países) e à violenta ofensiva contrarrevolucionária do capital. O Golpe de Kapp (1920) foi barrado na Alemanha por ação do movimento sindical; mas o fascismo avançava como fenômeno internacional. Lenin escreveu nas “Teses sobre Tática” aprovadas no III Congresso da IC: “O problema mais importante que a IC tem diante de si, hoje, é conquistar uma influência predominante sobre a maioria do proletariado e levar à luta as frações decisivas da classe” (III Congreso de la IC, Moskva 6/1921, In: Los Cuatro Primeros Congresos de la IC, Parte 2, Pasado y Presente, Córdoba, 1973: 34).

Meses após, Lenin escreve: “o fim e o sentido da tática da frente única” é mobilizar “para a luta contra o capital uma massa cada vez mais ampla de trabalhadores”, chamando “reiteradamente os líderes da II Internacional e da Internacional ‘2 e meio’ para a sustentar [junto com a IC]” (“XI Congreso del PC(b) de Rusia, 27/03-02/04 de 1922 – Proyecto de Resolución del PC(b)R en la IC”, In: LOC55, vol. 45: 140). A Frente Única deve começar pelo trabalho decisivo de organizar as massas a partir da luta. Com este objetivo, Lenin propõe a imediata “unidade na ação” dos revolucionários comunistas com os social-democratas reformistas (mesmo os mais recuados); não só a partir da base, mas buscando entendimentos entre Dirigentes.

A unidade na ação prioriza elevar o nível de mobilização das massas trabalhadoras a partir da luta cotidiana por melhores condições de vida e trabalho, contra as políticas regressivas e repressivas da ofensiva capitalista. As lutas por conquistas parciais, econômicas e políticas (diminuir a jornada, elevar salários, conselhos de empresa, liberdades democráticas): formam a base elementar do fortalecimento da organização proletária e popular. O III Congresso da IC consagrou a palavra de ordem “às massas” e conclamou a formação da “Frente Única”, com base numa plataforma de unidade na ação, visando CRIAR UMA MURALHA CONTRA A OFENSIVA REACIONÁRIA. A partir deste núcleo proletário-popular, força motriz de um movimento independente: se explora as divisões burguesas para isolar as forças reacionárias e fascistas; e avançar na democratização.

A unidade na ação se faz DISPUTANDO A UNIDADE: para construir e fazer prevalecer as posições mais consequentes. Para Lênin, a Frente Única se integra numa política maior: construir a “hegemonia do proletariado” no interior do “bloco das forças revolucionarias”. Ele parte da clara compreensão (rara na época) de dois fatos: 1) o refluxo do movimento proletário como um todo era profundo (de superação difícil e complexa); 2) a grande burguesia aperfeiçoou estratégias agressivas de âmbito internacional (o fascismo é sua expressão e produto extremo). Lenin articula de modo concreto sua teoria do imperialismo com todas as questões políticas postas: pelo domínio do capital financeiro e pelo desenvolvimento das forças proletárias e populares.

A política de Frente Única mostrou seu amplo potencial, gerou ricas experiências e clarificou problemas. No IV Congresso da IC (1922) ganham peso questões que iam além das reivindicações parciais. Problemas ligados à “lemas de transição”, como o “controle da produção”; e principalmente o debate sobre o “Governo dos Trabalhadores” (Arbeiterregierung); nascido da necessidade dos comunistas se posicionarem diante dos governos social-democratas da Suécia, Saxônia, Turíngia (e outros), que seriam derrubados sem seu apoio. A Resolução do IV Congresso distingue TIPOS: governos como o do Labor Party (no qual se pode, talvez, votar) e o “Social-Democrata” (que os comunistas podem “apoiar em certas condições”); o “Governo Proletário e Camponês” e o “Proletário com Participação Comunista”, sendo revolucionários, podem “ser um ponto de partida para a conquista” da democracia socialista soviética.

[Nota: IV Congreso de la IC, Moskva, 11/1922, In: Los Cuatro …, 2: 186-89. Aquí (item IX da Resolução sobre Tática): é notável a combinação entre flexibilidade e concepção revolucionária dinâmica das exigências do momento histórico. Se admite votar no conservador trabalhismo inglês contra a direita; e, para derrotar a reação, pode-se até apoiar uma “coalizão frouxa e dissimulada” entre social-democracia e burguesia. No entanto, estas táticas se ligam a criação de requisitos políticos da “frente única de todos os trabalhadores” e “coalizão política e econômica dos partidos de trabalhadores” CONTRA A BURGUESIA; inseridas no interior da estratégia formadora de um BLOCO histórico que avance para se organizar como PODER REVOLUCIONÁRIO. São esboçadas como tarefas elementares: “armar o proletariado e desarmar as organizações contrarrevolucionárias, instaurar o controle da produção, impor sobre os ricos o maior peso dos impostos, romper a resistência da burguesia contrarrevolucionária” (187)]

Lenin empenhou-se exaustivamente na elaboração de uma complexa política de “aliança + crítica” na relação com as forças reformistas que considerava potenciais aliadas. Não deixou de realizar, ininterruptamente, uma crítica construtiva (rigorosa, às vezes mais severa, mas sempre compreensiva) das concepções teóricas equivocadas e erros de análise. Este era um aspecto indispensável da concepção abrangente da política de Frente Única de Lenin. Concebida como meio de se contrapor à ofensiva das classes dominantes e de encetar uma NOVA ESTRATÉGIA REVOLUCIONÁRIA: como disputa pela DIREÇÃO CULTURAL E POLÍTICA DO PROLETARIADO e construção de sua HEGEMONIA NO BLOCO REVOLUCIONÁRIO das forças sociais oprimidas.

O aprofundamento teórico da fórmula política da Frente Única, incorporando as elaborações da IC do período leninista (1919-23), foi o auge de um período de grande fecundidade. Em um momento crucial da história – com vitórias e derrotas – constituiu-se num processo progressivo/cumulativo na interação internacional entre teoria revolucionária e movimento revolucionário de massas. Suscitou grande entusiasmo, mas logo sofreu uma inflexão. Este auge precede o início de uma fase de regressão no movimento proletário internacional (ou na qual predominou uma tonalidade regressiva, apesar de avanços importantes). Logo após a morte de Lenin (e dos erros políticos que levaram à queda dos Governos da Saxônia e Turíngia), o V Congresso da IC (6/1924) minimiza a política de Frente Única e declara que a Social-Democracia se tornou uma “ala do fascismo”. Um erro absurdo! Por mais oportunista que tenha sido a Social-Democracia: ela era muito diferente do fascismo. No VI Congresso da IC (1928), tal orientação torna-se mais rígida e sectária. Esta política só é corrigida (de modo parcial e com uma oscilação do sectarismo para aspectos reformistas problemáticos) no VII Congresso da IC (1935). Tudo isto, porém, é outra história.

Esta produção teórico-política de Lenin (depois desenvolvida por Gramsci) ECOA NA ELABORAÇÃO DE LUIZ CARLOS PRESTES sobre a específica estratégia socialista da revolução brasileira (com “momentos de aproximação”) articulada com a unidade antifascista. Na “Carta aos Comunistas” (1980), Prestes defende a tese de que “a luta pela democracia em nossa terra” – deve ser vista – como parte da luta pelo socialismo”. No Brasil, “mesmo nos melhores períodos”, a democracia sempre foi restrita às “elites”. Na luta para derrotar a ditadura, os comunistas devem esclarecer as massas, “dirigindo-as rumo à conquista” de uma democracia ampla e efetiva, “em que sejam assegurados os direitos políticos, econômicos e sociais dos trabalhadores”.

Os comunistas devem empenhar-se em elevar o nível de “unidade, organização e consciência” do movimento proletário e popular para: “alcançar formas cada vez mais avançadas de democracia e, nesse processo, chegar à conquista do poder pelo bloco de forças sociais e políticas” interessadas em realizar as “profundas transformações sociais” que “deverão constituir os primeiros passos rumo ao socialismo”; e, portanto, à “mais avançada democracia” para os trabalhadores e todos os atingidos pela opressão capitalista, à “democracia socialista”.

Prestes foi acusado (pelo CC do PCB) de “contraposição” entre “frente de esquerda” e “frente democrática” na lutra contra a Ditadura Militar Fascista. Desmentindo esta suposta contraposição, escreve: “jamais coloquei o problema dessa maneira”. Para formar uma “efetiva frente democrática de todas as forças que se opõem ao atual Regime, é necessário que se unam as forças de ‘esquerda’ – quer dizer, aquelas que lutam pelo socialismo – no trabalho decisivo de organização das massas de ‘baixo para cima’; que elas se aglutinem, sem excluir entendimentos entre seus dirigentes, com base numa plataforma de unidade na ação”. E assim: “cheguem a reunir em torno de si os demais setores oposicionistas, tornando-se a força motriz da frente democrática”. Esta “perspectiva revolucionária” da luta contra a ditadura”, a que “mais interessa” aos trabalhadores”, seria a  “constituição pela primeira vez” no Brasil da “unidade de diversas forças que lutam pelo socialismo”. Contra ela colocam-se os que ficam “a reboque da burguesia” e buscam uma “democracia para as elites, da qual não participam os trabalhadores” (Carta aos Comunistas, Alfa-Omega, SP, 1980: 24-6 e 30-1).

Em uma longa Entrevista de 1982, Prestes crítica a ilusão dos que têm por meta alcançar um “capitalismo independente e democrático” no Brasil. Ressalta o mérito da “solução marxista” de Florestan Fernandes, que mostrou a especificidade do “capitalismo possível na formação social brasileira”: um “capitalismo monopolista dependente do imperialismo”, incapaz de “resolver os problemas do povo”; no qual a grande burguesia sempre buscará manter “formas de dominação autoritárias” e “recorrerá ao fascismo” sempre que considerar seus privilégios ameaçados. O centro da tática permanecia “a luta contra a ditadura”, para “eliminar a legislação fascista” e conquistar “uma democracia para as massas”; mas esta luta “não pode cessar com a derrota do fascismo”.

Diante dos tipos de governo que podiam surgir ao fim da Ditadura, Prestes examina três hipóteses: “ou se trata de um governo em que os comunistas podem participar, ou é um governo do qual não podemos participar, mas merece o nosso apoio, ou é um governo reacionário que teremos que combater desde o início”. Em qualquer caso: “nós comunistas continuaremos a lutar pela nossa meta revolucionária que é o socialismo”. Aí Prestes fala de momentos de transição e aproximação ao socialismo. Propõe a estratégia de luta por um Poder “anti-imperialista, antimonopolista e antilatifundiário”, que ao expropriar os monopólios ‘não é ainda socialista, mas já não é capitalista’ (citando frase de Lenin em ‘A Catástrofe Eminente e o Modo de Enfrentá-la’, 1917); um poder revolucionário “intermediário que abra caminho para o socialismo” (Prestes Hoje, RJ, Codecri, 1983: 10-73, esp. 19-21).

Quanto ao DEBATE JONES X BRENO: penso que eles exageram para lados opostos. Não dá para simplificar uma situação complexa. O combate ao fascismo (central da presente conjuntura) ESTÁ INTERLIGADO com a luta (bem mais prolongada) pela democracia para as massas e pelo socialismo. Eu gosto do Jones e penso que seu problema não é de “radicalismo”: ser radical é tomar as coisas pela raiz; é algo inerente ao humanismo concreto comunista. O erro está numa análise REDUCIONISTA (presa a aspectos unilaterais da política monetária-fiscal), SUPERFICIAL (com elementos de imaturidade e subjetivismo voluntarista) e SECTÁRIA (subestima o fascismo e aposta em aumentar o desgaste do PT e do Governo Lula).

A análise do Breno é mais objetiva, abrangente e nuançada. Não ignora os aspectos conservadores (de “austeridade”) da política econômica e o caráter recuado da política geral do Governo, que ele chama de “gradualista” (“só avança com consenso”). Ao mesmo tempo, Breno enfatiza as (tímidas, mas reais) concessões aos setores populares e menciona o reformismo “desenvolvimentista”. Aumento da Receita, PAC, certa recuperação da Petrobras, uso do BNDES etc.: atendem frações burguesas que necessitam de investimento e proteção do Estado nacional; sustentam crescimento econômico razoável, diminuem o desemprego, aumentam salários e renda popular. Aí, para manter sua base eleitoral popular, Lula III vai, de modo muito cuidadoso, um pouco além do desejado por setores da Direita tradicional que prestam apoio oscilante ao Governo.

Breno, porém, não destaca que tal “reformismo muito tímido” (“híbrido”, sim, na sua conciliação com aspectos conservadores), que teme a mobilização e a organização popular: permanece vulnerável diante do fascismo. Ele não dá ênfase à necessidade de: uma política mais enérgica de combate ao fascismo, mobilização e organização popular para conquistar direitos (e cobrar políticas progressistas do Governo Lula), elevar o nível de consciência da classe trabalhadora. Hoje, em nosso país, Governo/PT dispõem dos maiores recursos e das melhores condições para mobilizar o povo. Se o Governo “travou as privatizações”, mas não as reverteu; como não reverteu as contrarreformas (trabalhista, previdência) e expandiu as PPPs: isto, na melhor hipótese (se não for opção conservadora) decorre da falta de força política, que se reproduz e se agrava devido ao seu imobilismo.

É certo que, ao final, Breno fala de conjunturas de luta que geraram lideranças e forças populares. Estes processos têm base objetiva, porém, não foram mecânicos: a luta consciente e a iniciativa política participaram da transformação da correlação de forças nestas conjunturas. Setores da burguesia podem participar da luta contra o fascismo; mas, para ser consequente, o combate ao fascismo necessita de uma hegemonia proletária. Parecem diluídas em Breno preocupações estratégicas ligadas à unidade das forças sociais e políticas capazes de avançar na formação do bloco proletário e popular, que deve ter por meta alcançar uma democracia socialista. Breno fica restrito a uma política “petista de esquerda”.

Eu não baseio minha análise nem no método metafísico das “definições” (posição do Jones, mas também abordagem estruturadora do debate), nem no escrito do Mao-Tsé-Tung “Sobre as Contradições” (Breno). Posso esclarecer – se os camaradas quiserem – o caráter (e a importância) destas diferenças teórico-metodológicas em outro momento.

Camarada e amigo Jonas, quanto à tua colocação acima1 – Eu tenho certeza de que estou à esquerda do Breno, mas concordo contigo: “Sequer acho Haddad Neoliberal”. Eu tenho profunda convicção de que ele não é neoliberal. Até porque, quando (no fim do séc. XIX) o capitalismo entrou na ÉPOCA MONOPOLISTA, FORAM INTEIRAMENTE ELIMINADAS AS BASES HISTÓRICAS DE QUALQUER LIBERALISMO OBJETIVO. Tanto no plano econômico, quanto político O LIBERALISMO ENTROU PARA O MUSEU DE ANTIGUIDADES. Além disso, teórica e ideologicamente, Fernando Haddad não tem a mínima simpatia pelos monetaristas radicais que (a revelia deles próprios) muitos dizem ser os pontífices do “neoliberalismo”: Von Hayek, Von Mises e Milton Friedman. Sou crítico das concepções de Haddad, mas isso não significa que eu endosse “qualquer crítica”: falsas e/ou injusta.

Penso que o Haddad é o que ele diz que é: um social-democrata (“moderado”, distante do nacional-reformismo radical de um Jango, para não falar do Brizola). Concordo também contigo que, na atual situação histórica, se o Governo Lula “cair ou for derrotado”, ficamos “lascados”, sem defesa eficaz contra “o Fascismo, que virá pra cima de nós sem dó nem piedade.…”. Vou além; como argumentarei na parte final destas Notas: O MAIOR ERRO DA ESQUERDA E DAS FORÇAS PROGRESSISTAS NA ÚLTIMA DÉCADA vem sendo SUBESTIMAR O FASCISMO.

Aprendi com o Florestan que a crítica teórico-conceitual é importante. Seja para desmistificar manipulações ideológicas das classes dominantes: chamar o Golpe de 64 de “revolução”; ou construir uma “teoria do regime burocrático-autoritário” para legitimar uma tática de conciliação com a Ditadura, como no caso de FHC. Seja para dirimir confusões políticas muito prejudiciais que decorrem de construções conceituais superficiais ou equivocadas (anti-históricas, não dialéticas e/ou com deficit de materialismo). Isto ocorre hoje, nas correntes que negam o CARÁTER FASCISTA da atual ofensiva da extrema direita mundial. O Debate aqui em tela é mais uma demonstração da necessidade de criticar a noção (ou pseudoconceito) de “neoliberalismo”. Imprestável para caracterizar o capitalismo monopolista da nossa era; e muito menos para captar de modo adequado e reconstruir teoricamente o CARÁTER DO BLOCO DE FRAÇÕES DE CLASSE E FORÇAS POLÍTICO SOCIAIS que constituem o Governo Lula.

NÃO EXISTE (NEM PODE EXISTIR) NENHUM NEOLIBERALISMO NA ÉPOCA ATUAL DE CRISE ESTRUTURAL DO DOMÍNIO DO CAPITALISMO MONOPOLISTA SENIL. Eu discordo, portanto, da afirmação de Jones no início do Debate: “o neoliberalismo é a fase histórica do capitalismo atual”. Não vou examinar agora as fontes desta asserção: 1) a visão do Edmílson Costa, atual SG do PCB, que divulgou Documento por volta do ano 2000 no qual escrevia: “neoliberalismo e globalização [ao superarem o imperialismo] constituem a nova época histórica do capitalismo”. Apoiada na 2) concepção apresentada pelo marxista inglês (crítico da dimensão filosófico-dialética do marxismo) Perry Anderson, no famoso ensaio: “Balanço do Neoliberalismo”, in: Pós-Neoliberalismo, P&T, RJ, 1995: 8-34; que, apesar de bem envelhecida, é reafirmada em “Idées-Forces” (New Left Review, Feb 2025).

Já na época, eu busquei mostrar que na era do capital monopolista: é uma farsa falar de “laissez faire”, “livre concorrência”, “Estado mínimo”, “verdade dos preços do mercado” etc. (Cf. PoloCLCP – “Crítica do Uso e Abuso das Noções de ‘Globalização’ e ‘Neoliberalismo’ (Notas)”, In: VODC nº 6, 2001.1.). Florestan Fernandes, em Entrevista na qual polemizava com Francisco Weffort (que defendia a “fecundação recíproca entre marxismo e neoliberalismo”), disse: “Eu não acredito na existência de um neoliberalismo; ainda não se encontrou uma ideologia adequada para a atual manifestação do capitalismo monopolista e do padrão correspondente de imperialismo” (“Florestan Defende o Conceito de Luta de Classes”, In: Folha de SP 4/9/1990: 6, pág. inteira).

Num artigo pró socialismo proletário, Florestan ironiza o discurso da direita sobre a “morte do marxismo” e volta ao tema: “Ora, o que se deve questionar é a existência de um ‘neoliberalismo’ (…). Que ‘neoliberalismo’ poderia ajustar-se ao desenvolvimento das multinacionais, à internacionalização do modo de produção capitalista e seu modelo oligopolista e ao sistema de poder que resultou destas metamorfoses do capital. (…) O neoliberalismo não possui nenhum espaço para concretizar-se porque nessa situação histórica o liberalismo foi liquidado”. (Id. “Em Defesa do Socialismo [1990]”, In: Em Busca do Socialismo, SP: Xamã, 1995: 201; é esclarecedor o conjunto do artigo: 201-16).

O Estado liberal do capitalismo concorrencial não era fraco: era tão forte quanto o exigiam as circunstâncias da época: conseguiu imensos impérios coloniais, sustentou guerras, dominou distúrbios internos e se estabilizou por longos períodos. No entanto, o Estado tinha relativamente pouco peso para o funcionamento interno da economia da Grã-Bretanha; ainda que seu papel não fosse tão pequeno como levaram a crer as teorias de Adam Smith. Além de reprimir e integrar as classes dominadas, Marx assinalava que o Estado tinha a função de criar as “condições coletivas gerais da produção social” que não podem ser garantidas pelas atividades privadas “particulares” e “seu processo de produção particular” (MARX – Grundrisse [1857/8], MEGA² Ab. II, Bd. I/2, Berlin. Dietz, 1981: 433; Trad. Mario Duayer, Boitempo, 2011: 440).

Na época do capital monopolista cresce qualitativamente esta última função que se relaciona diretamente com a esfera da produção. Em vários escritos (esp. entre 1914/23), Lenin avança na análise teórica das tendências contraditórias da época do capitalismo monopolista, visando fundamentar uma resposta estratégica revolucionária adequada. Assim, elabora teses importantes sobre características historicamente originais da organização dos monopólios em poder político. Com a “transformação do velho capitalismo” da “época de livre concorrência” em “capitalismo dos gigantescos trustes e cartéis”, a oligarquia financeira introduz a “união da força gigantesca do capitalismo com a força gigantesca do Estado” em uma “única” estrutura de relações articuladas (Lenin, V. I. – La Guerra y la Revolución [Conferencia, 14 (27) mayo 1917], In: LOC55 vol. 32: 90).

Estas forças se interpenetram num processo em que o Estado é reorganizado para servir (e complementar) a dominação dos monopólios privados em funções vitais, que incluem o enfrentamento das crises capitalistas: “O imperialismo – época (…) em que surge e cresce o capitalismo monopolista de Estado – mostra de modo particular a extraordinária consolidação da ‘máquina estatal’ e do incremento de seu aparelho administrativo e militar” (Id. El Estado y la Revolución [esc. 1917, pub. 1918], In: LOC55 vol. 33: 32; LOE3 vol. 2: 243-4). Harold Laski, trabalhista de esquerda inglês, também demonstra que “o Estado e a ideologia liberal” não poderiam sobreviver ao desaparecimento das condições em que eram funcionais: “quando o capitalismo concorrencial se transforma em capitalismo monopolista”, o liberalismo como “espírito informador dos hábitos das instituições” é “sacrificado” (Laski, H. J. The Rise of European Liberalism, London: Allen & Unwin, 1936: 263. Trad. Álvaro Cabral, O Liberalismo Europeu, SP: Mestre Jou, 1973: 188).

O ESTADO E O SISTEMA DOS MONOPÓLIOS (QUE É, EM SI, UMA FORMA DE INTERVENÇÃO DIRETA DO ESTADO NA ECONOMIA) passou a exercer a função de REGULADOR DO SISTEMA DE CAPITAL NA ÉPOCA IMPERIALISTA. Isto já acontecia nas primeiras décadas do séc. XX, mas se reforça com o advento tanto do FASCISMO quanto do NEW DEAL de Roosevelt.  Já nas crises de 1974/75, 1979-82 e1987-92, o Estado capitalista interveio regulando as atividades da Bolsa e disponibilizando fundos para uma estabilização (temporária) da economia. O G-7 passou a coordenar a estratégia dos principais países imperialistas a serem adotadas diante da recessão. Chegamos ao estágio em que o sistema capitalista não sobrevive um dia sequer sem as múltiplas formas de intervenção massiva do Estado.

  1. Refere-se à mensagem do camarada Jonas Duarte em que ele afirma concordar com a análise de que é preciso partir da realidade concreta, sem idealizações típicas de certa esquerda radical que confunde desejo político com análise de conjuntura. Embora o governo Lula esteja aquém do que gostaria, não o considera neoliberal — especialmente diante do aumento da receita, dos investimentos sociais e do contexto de um Congresso conservador. Argumentou que críticas são necessárias, mas devem ser estratégicas e orientadas para fortalecer a mobilização popular, que hoje está em retração. A história mostra que lideranças de esquerda nascem de grandes lutas sociais, e não de laboratórios. Segundo Jonas, por ora, o governo Lula é nossa trincheira contra o avanço do fascismo — e, se cair, seremos os primeiros alvos. ↩︎

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