O que podemos avaliar sobre o resultado eleitoral no Chile

O que podemos avaliar sobre o resultado eleitoral no Chile

Jornalista chileno e internacionalista brasileira analisam os resultados da Constituinte

As eleições chilenas do último domingo (16) representaram um novo pacto social no país latino-americano. Os partidos políticos oficiais viram seu espaço diminuir significativamente, com a introdução das candidaturas independentes (sem filiação partidária). Os governistas, alinhados ao presidente Sebastián Piñera, sofreram uma dura derrota, enquanto representantes das esquerdas, dos indígenas e dos movimentos sociais ocupam mais de dois terços da Convenção Constituinte. Além disso, o Chile terá a primeira constituinte do mundo com maioria de mulheres. 

Para comentar os resultados históricos, o jornalista chileno e advogado Gabriel Marín, que é graduado em Direito Internacional e Direitos Humanos, e a Internacionalista Cecília Brancher, pesquisadora brasileira que estudou a ditadura chilena e é militante do Polo Comunista Luiz Carlos Prestes (PCLCP). 

Como você avalia os resultados deste domingo?

Gabriel Marín: Os resultados deste domingo são extremamente positivos para o país, já que a eleição evidenciou a grave crise no contexto da política tradicional chilena. Neste fim de semana, a eleição de candidatos independentes superará a grande maioria dos candidatos e candidatos dos partidos políticos, o que nos fala de uma renovação política importante e altamente necessária para o Chile, já que nos últimos anos tem sido a juventude e a sociedade civil que se mobilizaram para as mudanças urgentes de que o país precisa.

Cecília Brancher: Esse processo que o Chile vive agora, sem dúvida, é resultado de todos os levantes populares que assistimos nos últimos anos, que não só são frutos da política de Sebastián Piñera, mas também de 30 anos de Concertação, desse campo que se formou no fim da ditadura e que não depôs a Constituição pinochetista. Sem dúvida alguma, foi uma Constituição sem Pinochet, mas para que continuasse a política pinochetista, como de fato continuou. Então, isso é resultado desses 30 anos pós-ditadura e dos 17 anos de ditadura, que foi uma ditadura muito violenta, de perseguição aos movimentos populares, ao movimento estudantil, aos trabalhadores, às mulheres, aos indígenas, e também desse processo de privatização profunda que o país viveu. 

Chile fará história com a primeira Constituinte no mundo com paridade de gênero. Como isso deve afetar a nova legislação do país?

Marín: As mulheres foram os grandes triunfos desta eleição, inclusive algumas ficaram de fora da Convenção Constituinte não por falta de votos, mas porque a paridade consistia em incluir os homens …

Brancher: Espero que essa grande participação de mulheres faça o país avançar em suas politicas de gênero, para gratuidade da educação pública, pois a realidade da educação é muito dura. Universidades completamente sucateadas, não-gratuitas, estudantes muito endividados, professores sem dedicação exclusiva. A realidade dos aposentados também é muito dura, a previdência social privatizada há muitos anos, para enriquecer os bancos, e não dar garantia nenhuma para a população. A saúde também é caríssima no Chile, é um país muito difícil, muito hostil ao seu povo. Então espero que esse processo possa representar avanço, que o campo popular consiga crescer, avançar e mostrar os resultados de sua política. 

Em sua opinião, quais são os principais problemas do país que a nova constituição poderá enfrenta

Marín: Os problemas que o país enfrenta antes de uma nova constituição têm a ver principalmente com o esclarecimento dos julgamentos e o estabelecimento de justiça e reparação para as vítimas de violações de direitos humanos, violações que têm sido sistemáticas desde o início do surto social em 19 de outubro de 2019. Este é um assunto que não pode ser ignorado por sua gravidade. No Chile, a impunidade está instalada desde os crimes da ditadura e hoje não pode continuar. Outros problemas que devem ser enfrentados são o de possíveis presos políticos, pessoas que em alguns casos estão em prisão preventiva há mais de um ano por se manifestarem. O Chile não pode avançar em uma nova constituição se não houver justiça.

Brancher: O Chile foi um laboratório neoliberal, dos Chicago Boys, da política monetarista de Milton Friedman, e os resultados estão aí. O país com uma desigualdade social e econômica gigantesca, com educação, saúde, previdência privatizados, grandes níveis de concentração de renda no 1% mais rico.  Água, estradas, tudo é privatizado no Chile. Então o resultado eleitoral é uma resposta de um povo que está saturado dessa situação, que perdura por quase 50 anos. Penso que a gente tem que olhar para esse processo com muita esperança. Não tem como prever o nível de avanço, mas sem dúvida, aponta para caminhos progressistas.  Temos que acompanhar com muita atenção e torcer por esse processo. Vai ser sem dúvida importante nesse momento de fascistização que vive a América Latina. Vemos com bons olhos o que os nossos hermanos chilenos estão fazendo. Infelizmente esse levante popular foi acompanhado de muita repressão e muita violência como é típico dos países latino americanos.

Em sua opinião, quais são os principais problemas do país que a nova constituição poderá enfrentar?

Marín: Os problemas que o país enfrenta antes de uma nova constituição têm a ver principalmente com o esclarecimento dos julgamentos e o estabelecimento de justiça e reparação para as vítimas de violações de direitos humanos, violações que têm sido sistemáticas desde o início do surto social em 19 de outubro de 2019. Este é um assunto que não pode ser ignorado por sua gravidade. No Chile, a impunidade está instalada desde os crimes da ditadura e hoje não pode continuar. Outros problemas que devem ser enfrentados são o de possíveis presos políticos, pessoas que em alguns casos estão em prisão preventiva há mais de um ano por se manifestarem. O Chile não pode avançar em uma nova constituição se não houver justiça.

Brancher: Pelo que vemos nas pesquisas, e a partir dos resultados de domingo, é possível que a gente veja um resultado eleitoral favorável ao campo progressista, até mesmo pelos resultados do campo popular e do próprio Partido Comunista. A participação dos indígenas, das mulheres e todo o grupo eleito na Constituinte diminui muito o poder da direita, mas como todo processo institucional, ele vai apresentar tem limitações, até porque a Constituição de 1980 ela foi muito bem feita, no sentido de dificultar ao máximo qualquer modificação. Então devemos observar para ver por onde nos levarão os caminhos que o povo chileno escolheu. 

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