Futebol e pandemia: a precarização do trabalho e a fragilidade dos clubes brasileiros
Texto de opinião de Vitor Rago estudante de geografia USP
Criou-se no tempo a ideia de que o futebol seria um mundo a parte – os salários milionários de jogadores e empresários ou a vida de um parça do Neymar podem causar essa sensação aos desavisados, contudo, os interesses políticos e comerciais das patrocinadoras, das Federações e dos governos são preponderante nas decisões, assim como em qualquer esfera da sociedade. Desde as políticas públicas aplicadas na educação básica até o calendário do futebol brasileiro quem manda é o dinheiro.
Passamos por uma pandemia que afetou o mundo inteiro e com o futebol não foi diferente. Somente na primeira divisão do campeonato brasileiro de 2020 foram mais de 300 pessoas contaminadas, a “bolha” que a CBF alega existir como desculpa para a continuidade dos campeonatos em virtudes dos “rígidos protocolos”, consegue ser facilmente estourada. Os surtos de covid dentro dos times refletem o surto de covid na própria sociedade em que vivemos, o vírus fora de controle não atinge somente a população, mas também jogadores, comissão técnica e funcionários dos clubes.
Os atletas enquanto classe são pouco organizados. Foram obrigados a trabalhar em meio a milhares de morte, expondo seus familiares ao mesmo risco, e também esses mesmos jogadores, quando são infectados possuem seu tempo de recuperação encurtado, visto que quanto mais tempo de recuperação da covid o atleta tiver, maior será o tempo fora dos jogos e provavelmente maior será o tempo de recondicionamento, ou seja, maior será o prejuízo financeiro.
Não são poucos os jogadores que passaram mal em jogos e treinamentos depois de pegarem covid, claramente um atentado a carreira e a própria vida dos atletas. A tese da “gripezinha” que o Palácio do Planalto tentou promover não se comprova na realidade, casos como do Raniel, jovem jogador do Santos, fora dos gramados até hoje em decorrência de uma trombose na perna ou também Raphael Veiga do Palmeiras, que afirmou recentemente ter passado muito mal nos treinamentos em seu período de recuperação da covid em meio a um momento da temporada que mais de 20 atletas do clube estavam infectados. Surtos como esse se repetiram no campeonato brasileiro em todas suas divisões. Do roupeiro ao ponta esquerda.
Os funcionários dos clubes são menos privilegiados – se não foram demitidos em meio a crise, também não contam com o mesmo protocolo de segurança submetido aos atletas. Apesar de não serem contabilizados de forma precisa, passam de uma centena o número de funcionários de clubes mortos no nosso país. O trabalhador não recebeu a devida atenção em nenhum das esferas de poder no Brasil durante a pandemia, ao passo que o auxílio emergencial não supriu as necessidades reais do povo que muitas vezes fica sem ter o que comer, no futebol o cenário não foi diferente.
Os técnicos de futebol deixam de ser funcionários, e muitas vezes possuem a idade como fator de risco. No Brasil não foram poucos os casos graves entre os treinadores, como foi com Cuca e Luxemburgo, mas também diversas mortes em divisões inferiores do futebol brasileiro, como o caso de Marcelo Veiga que gerou muita comoção no futebol paulista por suas diversas passagens pelos times do interior.
Os grandes clubes ampliaram suas dívidas durante a pandemia, situação que é ainda mais grave nos times de menor estrutura. Corinthians, Atlético-MG, Botafogo e Cruzeiro já atingiram um bilhão de reais em dívidas, muitas delas com empresários e bancos, mas também trabalhistas.
Como sempre quem sofreu primeiro foram os trabalhadores, mesmo que tenham pouco impacto na folha salarial. Clubes em grave crise financeira como Vasco e Cruzeiro, promoveram demissões em massa nos últimos meses, ao passo que Flamengo e Corinthians são uns dos maiores faturamentos da América Latina, e mesmo assim demitiram vários funcionários ou reduziram seus salários em até 70%, como permitiu a MP 936 editada pelo governo. Times como Internacional, Santos e Sport também demitiram dezenas de funcionários nos últimos meses, já o Palmeiras alega não ter demitido nenhum funcionário durante esse período, sendo o único caso entre os grandes do Brasil.
Nos times de menor estrutura a situação é de calamidade. Até mesmo clubes tradicionais do interior do RS e RJ não possuem dinheiro para manutenção básica do gramado em seus estádios ou para remuneração de seus funcionários, que muitas vezes recebiam apenas um salário mínimo. Jogadores e funcionários dos pequenos clubes passam fome enquanto rios de dinheiro correm dentro da CBF e das Federações, algo assim é o retrato do governo genocida que empurrou milhões de brasileiros para a fome.
Tanto por parte da CBF como por parte do Governo Federal a necessidade de um auxílio é clara e evidente, o dinheiro que sustenta os privilégios da elite precisam se transformar em recurso para ajudar quem está passando fome. O povo brasileiro precisa de um novo auxílio emergencial com um valor que permita o trabalhador alimentar sua família e não se expor ao vírus e aos transportes lotados, e só assim conseguiremos diminuir as milhares de mortes que estão acontecendo todos os dias no país