Sobre paciência histórica e os desafios organizativos na pandemia
Por: Mateus Engel Voigt
Quem só espera não alcança
Mas quem não sabe esperar
Erra demais, feito criança
Cai. E até se entrega ou trai.
E cansa de lutar
(trecho da canção Cavaleiro da Esperança de Taiguara)
É na juventude que costumamos ver a rebeldia e um ímpeto de querer mudar o mundo – ainda que por vezes voluntarista e sem um objetivo definido – seja movido pelas condições de reprodução material e social ou o contato com diversos pensamentos que nos levam a contestar o mundo que se apresenta para nós. A partir disso, alguns acabam se envolvendo mais com a luta organizada, ingressando em partidos ou organizações juvenis ansiando mudar a sociedade. E quando se dão conta das dificuldades enfrentadas, que as vitórias são poucas e as derrotas muitas, que o partido ou organização não tem o programa pronto da revolução, ou que o trabalho junto das massas não está desenvolvido, que há poucos militantes de esquerda, se desanimam. A canção de Taiguara aludida acima é uma pequena síntese de uma necessidade fundamental para quem segue o caminho da luta revolucionária: paciência histórica.
Menos comum entre os jovens estão aqueles que só esperam as coisas acontecerem, que depositam uma fé cega numa interpretação errônea de Marx e Engels, de que é inevitável a marcha histórica rumo ao socialismo. Estes costumam tender para o reformismo, se contentar com a via eleitoral, ou simplesmente resignam da luta. Mais comum entre os jovens, todavia, é a pressa, é não saber esperar e querer tudo para ontem: que a entidade de base, sindicato, associação de bairro ou partido de qual fazem parte tenha organizado número suficiente de gente para uma revolução, que precisamos nos lançar contra todas as ofensivas do inimigo mesmo que sem um plano traçado. Em suma, exigem um nível de organização e programa que nenhum partido de esquerda no Brasil tem hoje.
Buscando atingir o que idealizamos, tentamos acelerar o processo, mesmo que este não se ancore nas condições concretas que enfrentamos e nisso podemos cair em ações precipitadas e voluntaristas que nos levam ao erro. Com a queda alguns se questionam se vale a pena lutar, outros pelos esforços empreendidos, mas sem ver resultados imediatos simplesmente abandonam a luta. E é muito comum o desencanto, se sentir cansado da militância.
Cultivar a paciência histórica é preparar o antídoto para o conformismo e para a pressa inconsequente. É compreender que a revolução não se faz sob encomenda e que num país autocrático e de capitalismo dependente como o nosso a contrarrevolução e repressão mobilizam grande força para frear e enfraquecer o movimento popular. Isso não significa que vitórias sejam impossíveis, mas que se impõem desafios ainda maiores sobre a luta e que não permitem aventuras e se lançar contra o inimigo de qualquer jeito – como foi a luta armada contra a Ditadura civil-militar, que sem apoio das massas foi esmagada pela repressão.
Tivemos gerações inteiras de revolucionários que não passaram por revoluções, mas nem por isso deixaram a luta de lado. Marx e Engels seguiram escrevendo sobre socialismo e organizando o proletariado europeu do século XIX; Prestes que viveu quase que o século XX inteiro, presenciando diversas derrotas, a ditadura, a desagregação do PCB, não desanimou ou abandonou o comunismo, pelo contrário, seguiu firme até o fim de sua vida lutando por um partido revolucionário; dificilmente Angela Davis verá uma revolução ocorrer nos EUA, mas nem por isso o trabalho dos Panteras Negras foi em vão, seguindo como exemplo de luta contra o racismo e o capitalismo na terra do tio Sam.
A pandemia acentua o sentimento de impotência e angústia por não saber o que fazer, ou como fazer. Responsáveis e preocupados com a vida ponderamos sobre atos e manifestações presenciais, por outro lado, o projeto de miséria e morte das classes dominantes contra o povo leva a respostas espontâneas de quem sofre mais intensamente os problemas. Estas respostas espontâneas não devem ser freadas pelo movimento organizado, mas sim acompanhadas para garantir segurança sanitária e fazer crescer o apoio das pautas de vacinação em massa, auxílio emergencial e o fora Bolsonaro. É fato que não podemos ficar de braços cruzados, e nesse 1 ano de pandemia experimentamos diversas manifestações: panelaços, os atos antirracistas e antifascistas na metade do primeiro semestre de 2020 que marcaram o retorno às ruas, carreatas, bicicletaços, intervenções com faixas etc.
Não podemos descartar como instrumentos de luta atividades presenciais, claro que no atual momento de pandemia em que enfrentamos a morte diária de mais de 2 mil brasileiros e brasileiras e com hospitais em colapso, a realização de atos precisam ser muito bem avaliadas e calibradas. Mas a mobilização pode ser feita em número reduzido de pessoas e com medidas sanitárias rígidas por parte de quem as promove (é claro que se tivéssemos um lockdown de verdade com o governo garantindo renda para os trabalhadores e suporte para o não fechamento das empresas, aliado à vacinação em massa o cenário seria outro e poderíamos, momentaneamente, prescindir das lutas na rua).
Distribuição de jornais e panfletos, fixação de faixas e cartazes são alternativas mais seguras, bem como as carreatas que apesar do malgrado de alguns não devem ser preteridas, uma vez que também elas exercem certo peso, se não diretamente de recuo das classes dominantes demonstra para quem está na rua que há gente com posições definidas. O mesmo vale para os panelaços, que permitem saber que na casa da sua frente, que o vizinho de janela do prédio também estão cansados de Bolsonaro. É criar um clima de denúncia, de que não está tudo bem, ao mesmo tempo que é solidário por mostrar que não estamos sozinhos. Ainda no mesmo sentido, estaria o de fixar cartazes na frente de casa, pedindo auxílio emergencial, vacinação em massa e fora Bolsonaro o que permite conversar por cima do muro com o vizinho, com quem está passando na rua, ao mesmo tempo que mantém a segurança sanitária.
É ainda mais necessário termos paciência histórica nesse momento de pandemia, de não desanimarmos pensando que nada é possível de ser feito e ter a convicção firme de que mesmo sabendo que talvez nunca passe por uma revolução estou contribuindo para o acúmulo de forças através da elevação de consciência, da organização do povo e da luta por pautas imediatas vinculando-as aos limites do sistema de exploração e opressão capitalista, almejando a sua derrubada e construção de um novo horizonte. Assim, devemos usar das diversas maneiras de mobilização para os objetivos mais imediatos (sempre considerando a situação pandêmica e segurança sanitária): Auxílio emergencial, vacinação em massa e Fora Bolsonaro!