Uma fumaça subindo no Volga: 78 anos de batalha interminável de Stalingrado

Uma fumaça subindo no Volga:  78 anos de batalha interminável de Stalingrado

Por: Paulo Pinheiro Machado

Dizem que a batalha de Stalingrado terminou no dia 2 de fevereiro de 1943, quando as últimas unidades alemãs se renderam ao exército soviético, depois do comandante do 6º. Exército alemão, Marechal Friedrich Von Paulus, assinar rendição incondicional em 31 de janeiro. A cidade era um amontoado de escombros, verdadeiras ruínas após uma batalha de 7 meses de duração. Em Stalingrado morreram mais de 1 milhão de soldados e civis soviéticos, preço altíssimo pago pelo enorme sacrifício, mas que resultou no esforço fundamental para paralisar a máquina de guerra nazista. Ali, o exército alemão perdeu mais de 700 mil soldados, incluindo tropas do eixo, como italianos, húngaros, croatas e romenos, além de grande quantidade de blindados, artilharia e aviação.

Nas últimas oito décadas uma outra batalha de Stalingrado se desenvolveu: a luta por impor uma versão da batalha e do conjunto da guerra no leste europeu que desqualificava os vitoriosos.  Por incrível que pareça, toda história da frente oriental, a grande guerra entre Alemanha Nazista e a União Soviética entre 22 de junho de 1941 e 9 de maio de 1945, foi contada pelos que perderam. Os generais alemães foram as principais fontes da historiografia ocidental, que desqualificava os historiadores soviéticos como produtores de “obras de propaganda”, enquanto davam vazão aos relatos de Von Meinsten, Hans Guderian, Halder e outros generais nazistas, considerados como “militares profissionais”. O ambiente de Guerra Fria, pós-1945, deu um empurrão decisivo para este processo. Sem esquecer que Von Meinsten e Guderian trabalharam para o aparelhamento do Bundeswehr o exército da República Federal Alemã, organizado dentro da OTAN, depois de 1949.

Para os generais alemães a guerra foi perdida pela vastidão dos territórios da Rússia, pela inclemência do clima, sendo citados os invernos brutais, outonos e primaveras chuvosos e lamacentos, que tornavam as poucas estradas intransitáveis. Em relação às derrotas militares, principalmente as derrotas alemãs nas grandes batalhas de Moscou (1941), Stalingrado (1942\43), Kursk (1943) os generais culpam as intromissões e os acessos de loucura de Hitler, escondendo suas responsabilidades, tanto pelos erros militares como pelos brutais crimes de guerra praticados. Mencionar méritos do exército vermelho, nem pensar. Para os alemães, os soviéticos venceram por seus números avassaladores, por quantidades intermináveis de soldados e equipamento.

Algumas perguntas ficam sem resposta: será que os alemães não conheciam o clima e as condições naturais da União Soviética? Mesmo os soviéticos conseguindo mobilizar número maior de soldados, esta superioridade numérica só foi significativa a partir de 1943, e nunca na proporção de 1:8 como defendeu Von Meinsten. Alguns historiadores ocidentais alegaram também a enorme quantidade de material bélico e de suprimentos em geral que a Grã-Bretanha e os EUA passaram para a União Soviética dentro do Programa de Empréstimo e Arrendamento, como significativos para a vitória do exército vermelho. Estes suprimentos foram importantes, mas só chegaram à URSS em volumes significativos depois do segundo semestre de 1943, quase como uma compensação por não terem ainda aberto uma segunda frente, que só ocorreria em julho de 1944, com os desembarques na Normandia. Desta forma, na batalha de Stalingrado o exército vermelho teve que contar com seus próprios recursos. Os historiadores militares Jonathan House e David Glantz, que pesquisaram em arquivos soviéticos abertos depois de 1991, confirmam estes dados.

A guerra antes de Stalingrado

O confronto de Stalingrado aconteceu no segundo ano da guerra na frente oriental. No primeiro ano, 1941, houve a invasão inicial, a conquista de vastos territórios da Bielorrússia, Ucrânia, Moldávia, países bálticos e toda uma parte ocidental da Rússia. Mas a chamada Operação Barbarossa, que contava com a rapidez na ação e um golpe demolidor que colocaria abaixo o Estado Soviético, fracassou. Hitler afirmava que a União Soviética era um “edifício podre”, que bastava um chute com força para que desmoronasse.  A invasão iniciada na madrugada de 22 de junho chegara às portas de Moscou no início de dezembro. Foi a maior invasão da história, os nazistas entraram na URSS com 4 milhões de soldados, 3 mil aviões, 4 mil tanques e canhões autopropulsados, sem contar o crescente envolvimento de aliados do eixo.

Quando acontece a invasão, a Alemanha dominava quase toda a Europa continental, suas indústrias, seus exércitos e seus recursos estratégicos. Nos anos anteriores os nazistas ocuparam a Áustria, Checoslováquia, Polônia, Dinamarca, Noruega, Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Em maio e junho de 1940, o exército francês, apoiado por uma missão expedicionária britânica, foi derrotado em 6 semanas pela máquina de guerra alemã. No primeiro semestre de 1941 os alemães ocuparam os países balcânicos que se opunham à ofensiva nazista: a Iugoslávia e a Grécia. Como aliados aos alemães, estavam a Itália, Bulgária, Hungria, Romênia e Finlândia. O governo espanhol mandou para a frente oriental um contingente de mais de 70 mil soldados, a chamada “Divisão Azul” que vestiu a farda nazista e participou da guerra apenas com a condição de lutar contra a URSS, sem que se envolvesse em combate com ingleses e norte-americanos, que o General Franco não queria hostilizar. Além da Espanha, voluntários fascistas de vários países ocupados e aliados à Alemanha engrossaram as forças invasoras, como a Divisão Viking, das SS, formada por voluntários dos países nórdicos. Pelo lado da URSS lutaram alguns milhares de espanhóis republicanos, asilados no país depois do fim na Guerra Civil. O Coronel Ibarruri, filho da líder comunista espanhola Dolores Ibarruri, morreu nas portas de Stalingrado, junto a uma divisão de rifles soviética que tentava frear a incursão alemã no Volga.

O fracasso da ofensiva alemã às portas de Moscou, em dezembro de 1941, foi seguido de uma violenta contraofensiva soviética. Na virada para o ano de 1942 os alemães foram afastados mais de 200km de Moscou, em algumas regiões, a 400 km. A União Soviética, apesar das grandes perdas em território, soldados e equipamentos nos primeiros meses de campanha, formou novos exércitos, uma nova força aérea e desenvolveu novos parques industriais ao leste.

A guerra colocou à União Soviética um desafio logístico e industrial gigantesco. Como a invasão alemã aconteceu na região mais rica e industrializada do país, as medidas de transferências de indústrias estratégicas para locais mais ao leste, nos Urais e na Sibéria, foram fundamentais para dar ao país capacidade de resistência para uma longa guerra de desgaste. Aproximadamente 1.500 indústrias foram transferidas para regiões orientais entre junho e dezembro de 1941. O transporte de cada indústria implicava no uso, em média, de 10 mil vagões de trens para o envio emergencial de trabalhadores qualificados, equipamentos, máquinas, ferramentas e suprimentos. Isto quer dizer que foram empregados 15 milhões de vagões em 6 meses de transferências, tudo isso feito abaixo do avanço constante das tropas nazistas, sob bombardeio nas ferrovias, entroncamentos e pontes. Neste processo fica evidente, além da capacidade de planejamento, uma incrível capacidade de improvisação que normalmente não é reconhecida na sociedade soviética. O jornalista inglês Alexander Werth, relata o caso de uma fábrica de munições, que foi transferida para uma pequena cidade nos montes Urais. A construção do barracão da fábrica foi feita pela população local, sem engenheiros na pequena cidade, as obras foram comandadas por um diretor de teatro. Abriram o chão congelado com picaretas para fazer os alicerces e construir o edifício. Em menos de 20 dias a fábrica já estava produzindo munições. Atos como este, praticados por pessoas do povo, tão importantes como a ação de soldados no front, abriram o caminho para a vitória.

Nas regiões ocupadas desde cedo os nazistas demonstraram que se tratava de uma guerra de extermínio. Além da perseguição a judeus e comunistas, os maus tratos às outras populações eram crescentes. As dificuldades logísticas e de abastecimento do exército invasor eram compensadas com o saque sobre os recursos e alimentos da população dos territórios ocupados, além de violações de todo tipo. O comando militar alemão tinha decretado a “Ordem dos Comissários”, que eram diretrizes para as tropas do exército executarem diretamente quaisquer indivíduos, soldado ou civil, homem ou mulher, identificados como “completamente convertidos ou como representantes ativos da ideologia bolchevique”. Instruções do exército também garantiam que nenhum soldado alemão responderia por crimes comuns em sua ação. Era uma ordem para matar indistintamente. Ordens que foram cumpridas não apenas pelas SS e seus Einsatzgruppen (grupos de extermínio), mas por tropas comuns do exército. Massacres “exemplares” passaram a ser realizados pelas tropas de ocupação para promover o terror entre os habitantes locais e abrir caminho para uma germanização destes territórios, com a futura introdução de colonos alemães. Apenas na Bielorrússia mais de 6 mil aldeias e vilas foram massacradas pelas tropas nazistas. Estas atitudes brutais foram respondidas com a crescente atividade guerrilheira nos locais ocupados. Vastas regiões de florestas e pântanos ficaram por muito tempo sob o controle de partisans que faziam operações de ataque contra quartéis, depósitos de combustíveis e munições, ferrovias, pontes, redes de comunicação e demais alvos estratégicos. Muitas tropas alemãs e de aliados tinham que ser deslocadas do front para ser empregadas na repressão aos guerrilheiros.

Alemanha quer o petróleo do Cáucaso

O ano de 1942 se inicia com a Alemanha dobrando sua aposta. O revés da batalha de Moscou não havia abatido completamente o exército nazista. Além de manter Leningrado sob cerco e muitas tropas ainda relativamente próximas a Moscou, o comando alemão – a OKW – planejou uma investida maior ao sul, com a tomada completa da península da Criméia e a investida ao Cáucaso, região montanhosa entre os mares Negro e Cáspio, onde existiam importantes centros de produção petrolífera, como Maikop, Grozni e Baku. A operação, chamada “Casa Azul”, previa a tomada das regiões das bacias dos rios Don e Volga, região de extensa estepe, para proteção do flanco esquerdo da invasão ao sul. Na menor distância entre os rios Don e Volga, às margens do último, fica a cidade de Stalingrado. Antes da guerra a cidade tinha 600 mil habitantes, mas já havia recebido mais de 200 mil deslocados do Oeste, que fugiam ao avanço contínuo dos nazistas.

O verão de 1942 começa com a ofensiva alemã ao sul, com a tomada do porto de Sebastopol, na Criméia, após resistir por 7 meses de assédio e bombardeio. Logo, a ofensiva alemã se dirige à cidade de Rostov, ao sudeste da Ucrânia, onde a força invasora se divide no grupo A, que se destinaria à tomada dos poços petrolíferos do Cáucaso e o grupo B, que rumaria ao Volga para proteger o flanco de invasão ao sul e cortar a hidrovia que ligava o Mar Cáspio à Rússia Central. Inicialmente não é clara a intenção alemã de tomar a cidade de Stalingrado, mas a aproximação das forças do VI exército alemão após a travessia do Don, acendeu esta ambição. A expansão territorial alemã entre julho e setembro de 1942 foi muito grande, além do sul da bacia do Don, região rica indústrias, minas de carvão e agricultura, a investida sobre o Cáucaso foi muito intensa, tendo tomado a região petrolífera de Maikop e se internado nos contrafortes das montanhas, próximo a Grozni e às Repúblicas Soviéticas da Armênia e Geórgia. Um dos objetivos alemães era obtenção da adesão da Turquia ao eixo, o que reforçaria a posição alemã para uma incursão no Oriente Médio.

Com a aproximação das tropas nazistas de Stalingrado, entre julho e agosto de 1942, a ordem de tomar a cidade foi dada. O nome da cidade em si, representava um trunfo político que Hitler queria exibir. Além disso, Stalingrado era um centro industrial relevante, além de destacado entroncamento ferroviário. O comando militar soviético, no que lhe concerne, custou a acreditar na prioridade alemã ao Cáucaso. Imaginavam uma nova ofensiva contra Moscou, que partiria do sul. Então, para os soviéticos a defesa de Stalingrado representava uma forma de deter nova incursão em direção à sua capital.

Diante do novo avanço alemão a Ordem 277 foi decretada pelo comando soviético para evitar novos recuos. Intitulada “Nenhum passo atrás” a ordem penalizava comandantes e oficiais que ordenassem retiradas de tropas sem autorização superior. Mas ao contrário do ano anterior, quando os soviéticos recuavam e deixavam atrás muitos equipamentos e tropas como prisioneiros, desta vez as perdas foram mínimas e dois exércitos inteiros conseguiram recuar para a cidade e organizar sua defesa. De qualquer forma, o efetivo de defesa de Stalingrado era muito baixo, o General Chuikov tinha a sua disposição apenas 50 mil soldados e 45 tanques. Os combates entre o Don e o Volga, entre julho e agosto, já foram extremamente sangrentos, várias unidades, como Divisões e Batalhões, tanto alemães como soviéticos, estavam com menos da metade de seus efetivos iniciais.

Em 23 de agosto acontece o primeiro e devastador bombardeio alemão à Stalingrado. Foram despejadas mil toneladas de bombas incendiárias, destruindo 80% dos prédios da cidade e matando, neste único dia, mais de 40 mil pessoas. Os bairros residenciais, em sua maioria com casas de madeira, ficaram um deserto fumegante, apenas com as chaminés de alvenaria mantendo-se de pé. Mas a destruição da cidade resultou numa melhor facilidade para sua defesa. Os escombros de prédios e casas prejudicavam o trânsito de blindados e demais armas pesadas, facilitando a luta homem-a-homem e a ação de franco-atiradores. Chuikov preparou seus homens e mulheres para uma luta urbana. Digo mulheres, pois havia mais de 800 mil delas no efetivo de todo o exército soviético. Em Stalingrado as mulheres atuaram na defesa aérea e em várias outras unidades.

A ideia era resistir a qualquer custo, transformar cada casa e cada andar de edifício num ponto fortalecido de defesa. A estratégia era abraçar o inimigo, as tropas soviéticas se mantinham a curtíssima distância, o espaço de arremesso de uma granada, como dizia Chuikov. Os alemães foram conduzidos para uma luta corporal sem poder empregar a velocidade e eficácia de seus blindados, nem sua superioridade aérea, pois grande era a chance de atingir suas próprias tropas, que em setembro entravam na cidade. Entre setembro e novembro de 1942 os soviéticos resistiram em vários pontos da cidade: a colina Mamayev, o Elevador de Grãos, as fábricas Outubro Vermelho e Barricadas, a Estação Ferroviária Central, estes locais mudaram de ocupantes várias vezes, numa luta encarniçada incessante. Um prédio de quatro andares, chamado de “Casa de Pavlov”que ficava no centro da cidade, a 200 m da costa do Volga, foi guarnecido por um grupo de duas dezenas de soldados comandados pelo sargento Yakov Pavlov, sua resistência contínua por 60 dias até a chegada de reforços serviu para aumentar o desânimo dos alemães pelo que consideravam uma resistência “fanática” e “irracional”. Do alto de alguns prédios, franco-atiradores abatiam oficiais e soldados alemães que tentavam mostrar suas caras para ver o horizonte.

Casa de Pavlov hoje.

No sul o outro grupo de exércitos alemães enfrentava problemas crescentes. Em final de setembro o avanço alemão no Cáucaso já tinha chegado ao máximo. As forças nazistas não conseguiram aproveitar as reservas petrolíferas de Maikop, que foram incendiadas pelas tropas soviéticas em retirada. A região petrolífera de Grozni não foi tomada e a principal delas, Baku, no Azerbaijão, estava ainda muito longe do alcance alemão. Crescia a resistência do exército vermelho nas regiões mais montanhosas do Cáucaso.  A enorme extensão geográfica do front, a escassez de forças e os problemas crescentes de abastecimento (tanto pela falta de petróleo como pela atividade crescente dos partisans) fazia com que os alemães se sentissem atolados no Cáucaso e na cidade de Stalingrado, que teimava em resistir.

Em início de novembro a temperatura caiu brutalmente, iniciando as primeiras nevadas. As forças soviéticas dentro da cidade resistiam em menos de 10% do espaço urbano, eram abastecidas por barcos que atravessavam o Volga com mais tropas e suprimentos. Mas Chuikov tinha que manter a cidade com poucas tropas, os reforços chegavam em pequeno número, a conta-gotas. O comando soviético estava reservando tropas e equipamentos para uma ofensiva de surpresa, que se desencadeou em 19 de novembro de 1942, bem longe da cidade.

O cerco e a formação do bolsão

A Operação Urano envolveu 1 milhão de soldados soviéticos que, em 4 dias, promoveram um longo cerco às tropas alemãs que estavam em Stalingrado. Eram tropas novas e bem equipadas. Ao longo dos meses de outubro e novembro estas forças foram sendo pacientemente acumuladas e camufladas (o que era difícil de se fazer nas estepes), para que os alemães fossem pegos de surpresa. Por conta do desgaste crescente e da pouca capacidade de reposição das tropas, os alemães tiveram que guarnecer os flancos ao norte e ao sul de Stalingrado com tropas húngaras, italianas e romenas, que possuíam equipamentos mais débeis que as tropas alemãs. E foram justamente estes flancos que foram atropelados pela poderosa ofensiva soviética que, antes de arremessar suas colunas de tanques T-34, castigaram as tropas do eixo com longa barragem de canhões e lançamentos de foguetes Katiúchas. As tropas partiram do norte, da frente Voronej e do sul de Stalingrado, se encontrando em 23 de novembro em local próximo à ponte ferroviária de Kalash no rio Don, a 80 km de Stalingrado. No cerco ficaram mais de 300 mil alemães e outros soldados do eixo atolados na cidade. Em poucos dias o front ficou mais de 200 km distante do bolsão onde se encontravam os nazistas. O comando alemão não tinha como evacuar 300 mil soldados. Faltavam suprimentos como forragens para cavalos e combustíveis para seus blindados. A Luftwaffe, força aérea alemã, se responsabilizou por abastecer as tropas cercadas por uma ponte aérea. Mas das 300 toneladas diárias para a manutenção das tropas, não conseguiam entregar nem 50 T\dia. A Luftwaffe havia perdido a superioridade aérea. Muitos aviões de abastecimento foram abatidos pela defesa aérea e pela crescente atividade da aviação de caça soviética. Os soldados alemães cercados passaram a sofrer de crescente fome e escassez de munições, 20 mil cavalos foram sacrificados para alimentar as tropas.

O cerco vai sendo apertado durante o mês de dezembro de 1942. O General Von Meinstein parte do sul da Ucrânia para uma operação de furo do cerco, mas próximo ao Natal de 1941, retrocede pela crescente resistência soviética e incapacidade das tropas cercadas de romperem o caldeirão. Em dezembro, com a Operação Pequeno Saturno, os soviéticos se aproximam de Rostov e todas as tropas alemãs que estavam no Cáucaso retrocedem para a Ucrânia. Ao final do ano os alemães tinham retrocedido às posições que ocupavam antes de agosto de 1941. Todo o esforço ofensivo fora frustrado, e ainda havia centenas de milhares de soldados do eixo cercados em Stalingrado, subsistindo nas condições mais difíceis. As ordens do comando alemão eram para o 6º. Exército resistir a qualquer custo, mas a 31 de janeiro de 1943, quando as forças soviéticas se aproximaram do QG do Marechal Von Paulus, a rendição foi anunciada. Nos dias seguintes se apresentaram 95 mil alemães.

A notícia da vitória em Stalingrado repercutiu em todo o mundo. A quebra do mito da invencibilidade das tropas nazistas, o fracasso de uma ofensiva gigantesca tornou esta batalha um ponto de virada na II Guerra Mundial. Se no ano anterior, frente a Moscou, ficou claro que a Alemanha Nazista não ganharia a guerra, com Stalingrado ficou claro que perderia. A capacidade de luta e o desprendimento dos soviéticos foi determinante para a vitória. A vitalidade e a agilidade da economia socialista, com todos os seus problemas, foram superiores à economia e à indústria alemã. Os desafios humanos e industriais foram vencidos. No Brasil, antes mesmo do final do cerco, o poeta Carlos Drummond de Andrade deixava registrado o significado desta batalha e desta resistência:

“(…) Stalingrado, quantas esperanças!

Que flores, que cristais e músicas o teu nome nos derrama!

Que felicidade brota de tuas casas!

De uma apenas resta a escada cheia de corpos;

De outras o cano de gás, a torneira, uma bacia de criança.

Não há mais livros para ler nem teatros funcionando nem trabalho nas fábricas,

Todos morreram, estropiaram-se, os últimos defendem pedaços negros de parede,

Mas a vida em ti é prodigiosa e pulula como insetos ao sol,

Ó minha louca Stalingrado!

A tamanha distância procuro, indago, cheiro destroços sangrentos,

Apalpo as formas desmanteladas de teu corpo,

Caminho solitariamente em tuas ruas onde há mãos soltas e relógios partidos,

Sinto-te como uma criatura humana, e que és tu, Stalingrado, senão isto?

Uma criatura que não quer morrer e combate,

Contra o céu, a água, o metal a criatura combate,

Contra o frio, a fome, a noite, contra a morte a criatura combate, e vence.

Cidades podem vencer, Stalingrado!

Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça subindo do Volga.”

Carta a Stalingrado (A Rosa do Povo)

Bibliografia:

BEEVOR, Antony. Stalingrado, o cerco fatal. Rio de Janeiro: Record, 2002.

GLANTZ, David; HOUSE, Jonathan. Confronto de Titãs. Como o exército vermelho deteve Hitler. São Paulo: C&R Editorial. 2009.

JUKOV, G.K. Memórias e reflexões. Tomo II. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2016.

VASILEVSKI, A. La causa de toda mi vida. Moscou: Ed. Progresso, 1975.

WERTH, Alexander. Stalingrado: 1942 – o início do fim da Alemanha nazista. São Paulo: Ed. Contexto, 2014.

 

2 comentários sobre “Uma fumaça subindo no Volga: 78 anos de batalha interminável de Stalingrado

  1. Um belo relato dos acontecimentos da frente soviética na II Grande Guerra. Isso mostra a fibra e a coragem para a luta dos soldados soviéticos!

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