Greve Nacional da Educação e Suspensão do Vestibular
Uma tática para enfrentar Bolsonaro e o “Future-se”
Não é por acaso que o governo Bolsonaro escolheu a educação como seu próximo alvo dentro do seu projeto de destruição e recolonização nacional. A educação é, dentro dos setores populares, um dos mais bem organizados. Seu modo de ataque busca a todo momento desmoralizar os cientistas, professores, pesquisadores e estudantes, acusando as universidade e institutos educacionais de serem antros de “balbúrdia” e de “maconheiros”. Derrotar a educação, para ele, significa limpar o caminho para continuar o projeto do imperialismo estadunidense para o Brasil. Diante disso, está bastante consolidada a ideia de que será necessária uma luta prolongada contra esse projeto. É necessário, porém, refletir sobre qual a tática e a forma de luta mais adequadas para esse momento.
É preciso levar em conta que os atos de rua, por mais massivos e amplos que sejam, tem tido pouco efeito. Não foi nem uma ou duas vezes que milhares (talvez milhões) de pessoas foram às ruas. Eles, por mais que sejam importantes demonstrações de força e de empoderamento coletivo, têm sido objetivamente impotentes em frear o governo neofascista de Bolsonaro em seu projeto de recolonização nacional. É preciso construir formas e táticas de poder real.
Uma tática nunca pode ser desvinculada de duas coisas: a análise concreta da situação concreta e uma estratégia. Uma estratégia é sempre a consubstanciação política que liga o objetivo de longo prazo com a luta como um todo. Nesse caso, defendemos que nossa estratégia deva ser a construção de uma universidade popular, que seja uma instituição a serviço do povo e da classe trabalhadora para a construção de outro projeto societário e nacional. Uma tática é sempre a organização das forças e as ações concretas em função da estratégia. Ou seja, as táticas devem ser pensadas em função da estratégia, como objetivos parciais ligados ao objetivo estratégico.
Bolsonaro se esconde atrás de uma série de fortalezas que precisamos nos atentar ao pensar a melhor forma de agir. Ele joga com estereótipos sociais e se aproveita do fato de que as universidades e instituições educacionais tem pouco poder de impacto imediato na economia. Por exemplo, ele pensa duas vezes em atacar os caminhoneiros (como foi no caso da MP da “liberdade econômica”), primeiro porque são base de apoio e, segundo, porque o poder de impacto na economia por parte desse setor é gigantesco. Com a educação ele sabe que já tem indisposição natural e que a suspensão de aulas demora a ser sentida pela economia, no caso de uma greve. Ele se sente seguro para cortar recursos e apresentar um projeto privatizante como o “Future-se”, ganhando adeptos do nosso meio para o seu campo. Portanto, ele ataca em três frentes diferentes:
· Desmoralização pública;
· Asfixia econômica;
· Chantagem política.
Essa é a posição atual de nosso inimigo. É preciso compreendê-la para que nosso combate seja efetivo.
Existe um ponto em comum em qualquer greve: ela é uma decisão coletiva em face de uma situação de exceção. Por essa razão, não existe greve que não seja penosa para todos os envolvidos, sejam os grevistas, sejam os patrões, ou sejam os usuários de algum serviço público ou consumidores de determinadas mercadorias. Isso é um fato. Negar isso é negar a natureza de uma greve. Quem quer fazer greve sem incomodar pelo menos algum setor da sociedade não passa de um romântico idealista.
Uma greve com a simples paralisação das aulas é muito pouco. Por isso, o PCLCP defende que é necessário ir além da paralisação das aulas. Envolver o conjunto da sociedade no problema das universidades é a tática mais acertada para o momento. Isso pode ser feito de várias formas. No tópico das formas de luta, a seguir, discorremos mais sobre isso. No entanto, acreditamos que a medida mais impactante e poderosa para levantar o debate social em torno do problema que as IFES vêm enfrentando é a suspensão do vestibular.
Essa proposta bota em cheque a relação que a sociedade tem com a universidade e mostra que a situação não é normal. É um contexto de exceção e abre a possibilidade de um debate acerca das condições que a universidade tem em continuar funcionando como tal. Nas condições impostas pelo governo, o modelo de universidade que conhecemos e que buscamos construir está interditado. Há carência na segurança, limpeza, manutenção, insumos, recursos para viagens de estudo e saídas de campo. Além disso, a assistência estudantil está à míngua, forçando os estudantes de camadas mais empobrecidas a saírem silenciosamente da universidade. Os cortes de Bolsonaro, portanto, não são apenas destrutivos, mas são a construção de uma universidade mais elitista, privatizada, academicamente cooptada e cientificamente míope. É nosso dever, portanto, usar todos os meios à nossa disposição para impedir que essa universidade se realize.
Quando há uma greve do setor do transporte público, milhares de trabalhadores não envolvidos diretamente com a greve ficam sem condições de ir trabalhar, gastam com transporte privado ou são ameaçados de demissão por seus patrões. Estudantes ficam sem poder comparecer às aulas, perdem provas e outras atividades. Muito embora o movimento estudantil não tenha uma relação direta com os empresários do transporte público, ele se solidariza aos trabalhadores que decidiram interromper o serviço em função de uma situação limite. Paralelamente, o próprio sindicato desses grevistas faz um esforço de explicar a situação para o conjunto da população usuária. O mesmo ocorre em qualquer greve, com maior ou menor intensidade, por que há de ser diferente entre nós universitários?
Na prática, uma greve universitária que paralisa atividades de ensino, pesquisa e extensão, tem um impacto predominantemente endógeno. Os mais “prejudicados” são os próprios estudantes, técnicos e professores que terão que repor o calendário no futuro, sem nenhuma garantia de vitória. A vida para além dos muros da universidade ficará a mesma e o governo poderá se sentar, cortar salários dos professores e TAEs e esperar pacientemente até que a greve perca suas energias e se finde sem nem ter que colocar o aparato policial em movimento. A pergunta é: como deslocar a contradição para além dos muros da universidade? A medida mais impactante é sem dúvida a suspensão do vestibular. É uma forma de dizer que a universidade proposta por Bolsonaro (elitista na composição, tecnicista no conteúdo, obscurantista na ideologia, submissa na política, privatizada na economia) não vai passar!
A confusão presente no interior do movimento pode argumentar em favor do direito ao acesso à educação, como se essa medida estivesse cerceando o direito de jovens pobres à educação. Ora, isso é uma posição que insere (inconscientemente ou não) de contrabando as posições bolsonaristas e direitistas no interior do movimento! Essa é uma posição tão recuada que significa abraçar de antemão o discurso do governo. Pensem bem: quem argumenta pelo direito de ir e vir quando se fecha uma rua durante a greve geral? Quem argumenta pelo direito a educação quando professores do ensino básico estão em greve pra receber seus míseros reajustes? Apenas a direita ou os pais desinformados que são objetivamente afetados pela greve e dirigem sua ira contra os professores ao invés do governo!
O que não se consegue explicar é por que razão, no caso de uma greve universitária ser deflagrada, apenas o vestibular merece ser mantido? Ora, que concessão enorme se está fazendo já de antemão. A suspensão do vestibular deveria ser ponto passivo no caso de uma paralisação completa das atividades universitárias! Vestibular não é serviço essencial nem sobre a ótica da ultra-retrógrada lei de greves que impera em nossa estrutura de sindicalismo de Estado, então por que há de ser poupado numa eventual paralisação?
Além disso, essa tática implica em golpear ao mesmo tempo duas tendências nocivas presentes no interior do movimento universitário: os gestores da crise; e os movimentistas. Os primeiros, sobretudo presentes na burocracia universitárias das reitorias e os setores mais atrasados do corpo docente, são obrigados a saírem da posição de conforto em querem empurrar a crise com a barriga e que no fim ficariam mais felizes com a pseudo-solução “Future-se”.
Os movimentistas, por outro lado, também não se importam se vencemos ou não o governo Bolsonaro. Estão mais interessados em continuar a sua prosa pretensamente revolucionária e, se formos derrotados, apontarão todos os seus dedos contra as “burocracias stalinistas”. Possuem um comportamento que frequentemente busca terceirizar a luta para as reitorias e administrações, se furtando em fazer a disputa de consciência do conjunto da sociedade. Isso obriga-os a discutirem objetivamente uma tática de verdade, não apenas a realização de atos de rua ou as ocupações de reitoria, frequentemente disfuncionais, e como forma de supostamente “radicalizar a luta”.
Naturalmente, a mera ameaça da suspensão do vestibular gerará um terror tremendo. Isso, porém, não deve ser razão para recuar. O grau de absorção de uma notícia ou fato político por parte da “opinião pública” é frequentemente irregular e desigual. Isso faz com seja sempre necessário disputar a consciência das massas sobre os motivos e meios adotados pelo movimento, principalmente se preparando contra os ataques ferozes da mídia burguesa. Não é momento para covardia organizada, de se insurgir sem sequer tentar construir a posição de uma assembleia historicamente inédita com mais de 5 mil pessoas e que decidiu pela suspensão do vestibular, como aconteceu no recente caso da UFSC.
Não se trata de suspender o vestibular sem um esforço massivo de sair às ruas de todo país explicando o porquê da situação e colocando a responsabilidade completa (o que não é mentira) no governo neofascista, entreguista e pró-capital de Bolsonaro. Toda tática política exige esforço de massa e graus de organização correspondentes com as suas complexidades. Essa, em especial, exige que o movimento universitário busque um maior leque de aliados no movimento sindical e popular, tal qual ocorre quando estes precisam de apoio do movimento universitário.
O PCLCP não tem apego com táticas. Como marxista-leninistas entendemos a necessidade de haver determinada flexibilidade tática. Nesse momento concreto acreditamos que essa é a tática mais adequada para sairmos de uma posição defensiva e isolada dentro do movimento educacional. Aplicá-la o momento adequado, porém, é necessário. A situação das universidades está se tornando crescentemente insustentável e a suspensão do vestibular deve ser a consequência natural desse estado de coisas, não uma decisão artificial. A crise precisa amadurecer até certo ponto, algo que tende a acontecer em breve. Sempre existem aqueles que podem continuar estudando ou lecionando, não importa o caos ao seu redor. Não é isso que determina a normalidade ou exceção, mas sim a convulsão social crescente no interior da comunidade universitária. É importante que essa decisão seja entendida pela sociedade como uma consequência de uma situação-limite. Isso tudo, porém, não elimina que essa tática mereça ser reavaliada diante de uma mudança da situação concreta, dependendo dos movimentos do governo. Podemos ter que fazer um movimento de 180º, a depender da resposta do governo.
Não pode ser apenas uma greve: formas de luta para enfrentar o “Future-se”
Não há dúvidas que será necessária a construção de uma grande greve nacional da educação que abarque todas as categorias dos diferentes níveis e instituições educacionais.
Será preciso também ganhar os setores mais atrasados das universidades para o nosso lado. Os setores minimamente democráticos, mesmo das reitorias e burocracias universitárias, precisam ser convencidos a enfrentar o governo federal. Alguns deles já se mobilizaram contra os cortes durante o mês de maio, mas agora a tática do governo é usar o “Future-se” como chantagem para dividir o movimento em defesa da educação que foi construído até aqui.
Barrar o “Future-se” pelos canais deliberativos das universidades e institutos, seja por votação ou aprovação de moções, deverá ser a primeira alternativa do movimento que busca construir o consenso com a comunidade acadêmica. Enfrentamentos internos como ocupações e interdições de sessões deliberativas propensas a aprovar o projeto devem estar no horizonte, quando não for possível barrar por consenso ou maioria.
A forma de luta principal, porém, deverá ir além da paralisação típica dos movimentos grevistas. Esvaziar as universidades, nesse contexto, seria um grave erro. Sobretudo porque os impactos econômicos e sociais de uma greve da educação demoram muito mais tempo para serem sentido pelo conjunto da sociedade do que no caso de um setor diretamente ligado à circulação e produção de mercadoria.
A greve nacional deverá ser uma oportunidade para ganhar a simpatia do povo e da classe trabalhadora para enfrentar esse projeto privatizante. Esta luta é a oportunidade para um momento de profunda disputa ideológica: defender a universidade 100% pública, estatal e de qualidade, assim como o tripé “ensino, pesquisa e extensão”, que de fato sirvam ao povo, sendo a porta de entrada para o convencimento dos malefícios das privatizações em geral e da orientação obscurantista que o governo tem dado para a educação. As iniciativas realizadas durante as lutas de maio contra os cortes, como #CiênciaNaPraça, que levaram o movimento para o diálogo direto com a população foram experiências muito positivas nesse sentido.
Dessa forma, defendemos que é preciso, simultaneamente ao esforço grevista, organizar grupos para ações diretas de extensão popular, desenvolvendo ações simples junto ao povo e evidenciando a importância social das universidades e institutos federais.