NAS RUAS E NAS URNAS: FORJAR A UNIDADE PARA DERROTAR O MOVIMENTO GOLPISTA
O clima eleitoral que se instaurou em 2018 fez com que o debate sobre as diferentes pré-candidaturas se adiantasse e tomasse o cenário político nacional. Por mais instigante que possa ser a construção de candidaturas e o confronto de ideias nesse âmbito, as forças democráticas e de esquerda precisam se atentar para o fato latente de que não se trata de uma eleição ordinária. Essa eleição ocorrerá no interior de um clima de profundos retrocessos nos direitos sociais e nas garantias democráticas e civis do Estado brasileiro. É a eleição que ocorre simultaneamente e em função do desenvolvimento do movimento golpista que destituiu a Presidência da República através de um processo escandaloso e fraudulento de impeachment.
O golpe, marcado sobretudo pelo impeachment de 2016, mas que inicia antes desse ato e continua depois dele, inaugurou uma reorganização da autocracia burguesa no Brasil. Nunca se consolidou e nem é possível constituir uma democracia burguesa clássica no Brasil, de maneira que a chamada “Nova República” representou apenas uma reciclagem da autocracia, assumindo contornos minimamente democráticos muito pela pressão organizada dos “de baixo” durante o período constituinte. Agora, a autocracia burguesa no Brasil precisa se reorganizar para atender ao novo momento do capital em sua fase de crise estrutural: a sanha do capital financeiro internacional e do imperialismo ianque. O golpe de 2016, como processo, está remodelando a ordem jurídico-política de maneira a atingir seus objetivos econômico-sociais: a submissão completa das cadeias produtivas e das riquezas nacionais em prol dos grandes monopólios estrangeiros.
A semi-legalidade das eleições de 2018
Essas eleições são marcadas pela marcha célere do recrudescimento da ordem burguesa no país. Basta observar a situação atual para constatar que essas eleições, muito embora se apresentem como tal, não são completamente livres. A intervenção militar no Rio de Janeiro só demonstrou a intenção oculta do movimento golpista comandado desde os EUA e articulado com as classes dominantes nativas do Brasil. A ação autoritária que se move por aproximações sucessivas evidencia, ao mesmo tempo, os contornos autocráticos do novo regime instaurado em decorrência do golpe e a incapacidade do movimento democrático e de esquerda no Brasil de enfrentar e derrotar o seu endurecimento. A intervenção militar, demagogicamente sustentada como problema de segurança pública, alçou os militares ao controle de facto de um dos mais importantes estados da federação. A repressão aos movimentos populares e o controle da pobreza, logicamente, constituem as finalidades (nem tão) ocultas do movimento golpista.
Simultaneamente, aumentam os efeitos deletérios do golpe nas liberdades democráticas no âmbito extra-institucional. O recuo dos contornos democráticos da república e da atual ordem burguesa levaram ao assassinato da vereadora do PSOL, Marielle Franco, e do motorista Anderson Gomes. Uma clara execução política, ainda sem respostas contundentes sobre os autores e mandantes do crime, esse fato demonstra que o recrudescimento da ordem favorece os bolsões da direita radical que busca por todos os meios eliminar, inclusive fisicamente, os seus inimigos. Não há como entender a execução de Marielle e Anderson sem ver no golpe e na sua face militarizada uma raiz em comum.
Nesse cenário, o impedimento da candidatura de Lula é fundamental para a execução do plano golpista de garantir alguma legitimidade por meio das eleições. Com a colaboração da mídia e do Judiciário, o líder absoluto das intenções de voto para presidente foi condenado sem provas e teve seu recurso negado em tempo recorde. Neste momento é mantido preso inconstitucionalmente na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, sem direito a dar entrevistas e com visitas severamente restritas, numa clara tentativa de “apagar” a imagem de Lula para os eleitores brasileiros.
Nós, do PCLCP, vimos buscando construir posições há algum tempo que denunciam que o movimento golpista não poderia ser derrotado definitivamente pela via eleitoral: não é possível retornar ao passado dos governos petistas. O pacto forjado em 1988 e igualmente em 2002 já não é mais possível. Ele sempre teve prazo de validade e agora está esgotado. O problema central se impõe pela necessidade de enfrentar o golpe em todos os âmbitos, inclusive eleitoralmente, mas sobretudo através da organização efetiva da classe trabalhadora e dos movimentos populares na forma de um poder real.
Alckmin ou Bolsonaro: as dificuldades e alternativas da direita em emplacar um candidato
A dificuldade do golpe agora é emplacar seu candidato preferido, Geraldo Alckmin, figura que a massa do povo brasileiro rejeita , porque representa um dos partidos mais corruptos, privatistas e entreguistas. O PSDB e seu projeto antinacional e anti-povo, desde muito tempo, é aliado prioritário do imperialismo e do bloco dominante do latifúndio e dos monopólios. Alckmin é candidato do Instituto Millenium, um grande conglomerado midiático associado ao capital financeiro internacional e a fração de classe burguesa mais reacionária. E até então, mesmo com o apoio de todo o aparato midiático, uma quantidade imensa de dinheiro e o apoio dos partidos da direita fisiológica, o chamado “centrão”, Alckmin é incapaz de deslanchar nas pesquisas de intenção de voto. As aves de rapina do golpe terão de investir muito diante do peso da rejeição popular ao atual estado de coisas. O povo sente no dia-a-dia as mazelas do golpe: o desemprego, a carestia, a precariedade cada vez maior dos serviços públicos, a perda de direitos e condições de vida minimamente dignas garantida em anos anteriores. Por isso, o povo rejeita quem está ligado aos golpistas.
Ao mesmo tempo, boa parte dos trabalhadores e do povo pobre não vê opções nos candidatos que se apresentam, sendo da direita ou da esquerda: a descrença é ampla e generalizada. É nesse cenário que toma força a candidatura de Jair Bolsonaro. Mais que evidenciar uma maior adesão a ideias fascistas na nossa sociedade, Bolsonaro canaliza a rejeição à toda a classe política, muito bem trabalhada pelos meios de comunicação e pela própria direita mais reacionária. De forma falsa e oportunista, se utiliza de um discurso extremista (mas vazio de proposições), para se diferenciar dos demais políticos. O discurso polêmico busca esconder que Bolsonaro não passa, como pessoa, de mais um abutre no meio da podridão, e que do ponto de vista programático não se diferencia em nenhuma vírgula de Alckmin e dos demais candidatos do movimento golpista. Em suma, Bolsonaro se apresenta como um “subversivo sem subversão”, como um “anti-sistema conservador”.
Dessa forma, ainda que em essência Bolsonaro e Alckmin representem programaticamente a mesma agenda proto-fascista, neoconservadora, pseudo-liberal e ultra-reacionária; uma agenda de entrega das riquezas nacionais e privatização do patrimônio público, de retirada de direitos e ampliação do desemprego e de rebaixamento das condições de vida do povo; é muito provável que o movimento golpista explore as características de ambos. Bolsonaro pode se tornar o boi-de-piranha de Alckmin. Pois a ordem golpista precisa se legitimar e se estabilizar e não pode correr o risco de depositar os seus esforços num candidato que se indispõe com mais da metade da população em qualquer entrevista jornalística. A contundente oposição a um possível Bolsonaro eleito é um elemento de tensão na projeção golpista. Ao mesmo tempo, Alckmin pode “valorizar o seu passe” como candidato mais “estável” e se apresentar como “alternativa” de enfrentamento do “discurso de ódio”, sem abrir mão da agenda golpista. Isso, todavia, requer que Alckmin se torne um candidato elegível no médio prazo, do contrário, pode ser que a cúpula do movimento golpista adote Bolsonaro como a saída possível diante da falência do seu “preferido”.
Unidade real vai além do eleitoral
A esquerda, por outro lado, ainda não conseguiu construir aos olhos do povo uma alternativa ao projeto lulista, nem mesmo eleitoral. O lógica de organização e a ausência de uma estratégia revolucionária do PT teve papel fundamental nos anos de desmobilização popular e sindical, apresentando as eleições como única “tarefa” do povo. Por isso, a única legitimidade do PT aparece nos atos eleitoral e na alta “intenção de voto” na candidatura de Lula. O PT deseducou o povo para a luta ao ensinar que o voto é a sua única arma. E, por isso, desarmou justamente aqueles poderiam defendê-lo das atrocidades golpistas. A massa do povo pobre não esquece que suas condições de vida se tornaram minimamente mais dignas durante os governos petistas, mas continuam muito acanhadas em defender sua maior liderança. Na vizinha Venezuela foi o povo organizado e consciente que arrancou Hugo Chávez do cárcere dos golpistas de 2002. No Brasil de 2018, Lula se entregou ao cárcere e não houve mobilização suficiente para tirá-lo de lá, mesmo que todos saibam o endereço de sua cela e quem foi que o prendeu. Se hoje a maior parte do povo brasileiro não toma para si a responsabilidade de lutar e exigir as mudanças de que precisa, o PT tem muita responsabilidade nisso.
O PT, que não possui uma estratégia de revolução e de construção do socialismo, acaba não entendendo o peso real do imperialismo no golpe, assim reedita seus erros de conciliação com a ordem, acha possível o “retorno à felicidade”. Por isso, aposta numa tática no mínimo arriscadíssima e age de forma irresponsável com os destinos do povo brasileiro. A insistência na palavra de ordem “ou Lula ou nada” e no mantra “Não há plano B”, produziu um impasse aparente. Aparente para os golpistas, pois não deixarão em hipótese alguma que Lula concorra à presidência, e disso eles estão absolutamente certos e preparados. Está tudo arranjado com o MPF, a PF, o STF, o TSE, e a mídia. Ora, quem destituiu ilegalmente uma presidente da república e forjou uma condenação sem provas de um ex-presidente, já cruzou muitos passos longe da linha da legalidade e da democracia. Não custa nada impugnar a candidatura do líder em intenção de votos que já foi condenado e preso ilegalmente em segunda instância.
O imperialismo e a direita radical nativa não permitirão a candidatura de Lula. A reedição do erro histórico ao buscar cavar negociações e crer ingenuamente na suposta legalidade burguesa custarão caro ao povo brasileiro. A tática suicida da cúpula do PT fez a esquerda de refém e interditou qualquer possibilidade de mínima unidade eleitoral.
Outras figuras, com outras características, mas de evidente menor estatura também incorrem em erros antigos. Ciro Gomes, possui um discurso potente contra o golpe e contra o capital financeiro especulativo; entende que é tarefa prioritária nessas eleições revogar as infames medidas do golpe como a Emenda Constitucional 95 e a Contrarreforma trabalhista. No entanto, assim como Manuela D’ávila creem num ser mitológico como potencial aliado: a chamada burguesia nacional. Assim como Ciro e seu “Projeto Nacional de Desenvolvimento”, Manuela e seu interesse em “atrair a indústria 4.0” só conseguiriam encontrar aliados firmes no gigantesco proletariado brasileiro, na grande massa do povo pobre do campo e da cidade, e numa parte da pequena burguesia esmagada pelos monopólios: únicos e maiores interessado numa verdadeira soberania nacional e tecnológica. Ambos não compreendem que não existe uma burguesia no Brasil que tenha um projeto nacional soberano. A burguesia brasileira é dependente e “sócia-menor” dos monopólios estrangeiros, é apenas uma burguesia nativa. Não é por acaso que Ciro foi vaiado ao se recusar a revogar a Contrarreforma trabalhista na sabatina de presidenciáveis da Confederação Nacional da Indústria e seus flertes com o “centrão” fracassaram miseravelmente e agilizaram a aproximação desse setor com Alckmin. A burguesia brasileira, altamente covarde e elitista, prefere sangrar o couro dos seus compatriotas do que peitar o imperialismo.
Tudo isso, porém, não isenta a esquerda como um todo, que não foi capaz de construir a mobilização popular combativa por fora do PT. Nem significa que devemos nos abster das eleições. Retomar a organização da classe trabalhadora e das massas populares é a tarefa fundamental mais urgente da esquerda consequente em nosso país. E as eleições são uma oportunidade de denunciar a agenda do movimento golpista e sua associação com o imperialismo e os monopólios.
O PCLCP tomou posição pela pré-candidatura de Guilherme Boulos e Sonia Guajajara por considerar que esse campo político é capaz de apresentar um programa mais avançado que a conciliação petista ao mesmo tempo que não atua de forma sectária e desagregadora. É tempo de apresentar um programa de unidade e de emergência contra a catástrofe social que surgirá se não for brecada a ofensiva golpista. Apresentar esse programa significa disputar a consciência da massa e elevar o nível de organização como ponto de partida no crescimento das lutas.
A contra-ofensiva proletária e popular exige no mínimo uma unidade programática e política que se confronte com o programa do golpe. O PCLCP defende que, mesmo que em âmbito eleitoral quando as candidaturas apresentem suas diferenças dentro do espectro da esquerda, seja feito um exercício de alinhar uma pauta anti-golpe. Ao mesmo tempo, é preciso retomar com urgência as conversações sobre a unidade no âmbito eleitoral, sindical e de lutas populares visto a marcha desenfreada de retiradas de direitos, que independem das eleições. Igualmente, essa contra-ofensiva que pode e deve ter contornos eleitorais, precisa ser cimentada na efetiva organização popular e sindical construindo instrumentos de poder real e não apenas de legendas eleitorais. Capazes de enfrentar o golpe através de lutas unitárias, combativas e consequentes. É preciso derrotar o golpe e construir um bloco de forças proletárias e populares que abra o caminho para a construção do socialismo em nossa terra.
Direção Nacional
07.08.2018