O Ato de 20 de Agosto e a Situação Imediata da Luta de Classes no Brasil

O Ato de 20 de Agosto e a Situação Imediata da Luta de Classes no Brasil

Nota nacional do PCLCP 

O ato do dia 20 de agosto, realizado em dezenas de cidades brasileiras, esteve em disputa entre as diversas forças políticas que compõe todo o espectro popular no Brasil. Foi chamado para ser um manifesto contra o conservadorismo, em defesa da democracia, contra o ajuste fiscal e por direitos populares. Mas acabou sendo usado por setores que defendem o governo Dilma, inclusive de forma absolutamente acrítica, para transformá-lo também em um terceiro turno da eleição presidencial do ano passado. Mesmo assim, cumpriu seu objetivo, e todos os meios de comunicação, com maior ou com menor ênfase, com um ou com outro objetivo, destacaram que as manifestações traziam também críticas às políticas que estão sendo adotadas pelo governo.

A conjuntura empurrou para este desfecho, por razões nem sempre conhecidas pela razão. O acontecimento principal que empurrou os defensores do governo Dilma para as ruas no dia 20 foi o ato da direita, realizado no domingo precedente, 16 de agosto, ato que defendeu clara e majoritariamente o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Os setores governistas tinham que dar uma resposta, e usaram o ato do dia 20 para fazê-lo, mesmo que ele estivesse convocado há semanas para ter outro caráter. Na mesma linha, os grandes meios de comunicação anunciavam que o ato do dia 20 de agosto seria de defesa do governo, e isto fez com que setores governistas que andavam meio acanhados acabassem saindo às ruas. Pelo mesmo motivo, setores de esquerda, mais críticos ao governo, acabaram refluindo, preferindo ficar em casa. Ajudou para esse desfecho a chamada para o ato que o PT fez em inserções em cadeia nacional de televisão.

As forças populares que propuseram a realização do ato do dia 20 de agosto cumpriram o que estava acordado trazendo para a ordem do dia as pautas de interesse da classe trabalhadora, o que faria o ato ser contrário à pauta conservadora do Congresso Nacional e de todos os setores reacionários da sociedade, mas também contrário às políticas de direita que o próprio governo está executando. Embora toda a grande mídia, o PT e setores de esquerda tenham anunciado o ato como ato de defesa do governo – o que ajudou a transformá-lo em certa medida nisto mesmo -, é inquestionável que as organizações populares que propuseram o ato conseguiram também apresentar suas posições críticas às políticas regressivas deste mesmo governo em xeque.

Devemos agora avaliar para melhor acertar os passos seguintes na difícil conjuntura brasileira. Está claro que entre a tomada de decisão pela realização do ato do dia 20 e esta própria data, algumas coisas aconteceram na conjuntura brasileira que a alteraram. Até a semana anterior ao ato, o governo Dilma parecia definitivamente isolado, sendo fustigado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, ignorado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, exposto de forma devastadora pelos meios de comunicação. Além de tudo isso, as ações do judiciário e da Polícia Federal chegavam a cada dia mais perto dos núcleos dirigentes dos partidos que compõe o governo, especialmente o PMDB.

Mas eis que Renan Calheiros, presidente do Senado, resolve “salvar” o governo, e apresenta sua “Agenda Brasil” para debater com o Poder Executivo. Isto coincide com a tomada de posição por parte de importantes organizações empresariais (FIESP e FIRJAN) em favor da governabilidade, da estabilidade política para “salvar” a economia. A própria Dilma responde positivamente à iniciativa de Renan, recrutando seu ministro Joaquim Levy para reajustar e incluir alguns pontos à mesma agenda em comum acordo com o Presidente do Senado, tornando ela uma pauta comum entre Senado e Palácio da Alvorada. Os 43 pontos que perfazem a agenda Renan/Levy compõem um conjunto mais regressivo que o programa defendido pela oposição de direita na última eleição presidencial. Praticamente tudo o que os monopólios, o agronegócio e os bancos gostariam de ver um governo implementando está contemplado na “Agenda Brasil”, que, aliás, recebe um nome muito bonito para o conjunto de horrores que propõe. É uma agenda anti povo, de forma que se trata de uma agenda contra o Brasil. Isto aconteceu na semana imediatamente anterior ao dia 20 de agosto, de forma que ajudou a alterar a conjuntura.

Este elemento, associado à posição de setores empresariais poderosos, indica que Dilma Rousseff, por hora, não está tão em risco de ser afastada do cargo. Se o governo se compromete prontamente com uma pauta completamente avessa aos interesses da maioria do povo brasileiro, uma pauta que é dos monopólios, do latifúndio e do imperialismo, não haveria tantos motivos para afastá-lo de imediato. Registre-se que, em certos setores reacionários prevalece a vontade incontida de derrubar o governo, mesmo que o argumento seja aparentemente voltado para o cumprimento da mesma pauta que o governo está se propondo a cumprir. No entanto, numa conjuntura em que o governo perde apoio popular, em que a direita está em condições de fazer atos massivos de rua (convocando setores da própria classe trabalhadora), jamais se deve subestimar a possibilidade de golpes, mesmo que institucionais. O grande capital quer um governo alinhado às suas sanhas expansionistas, mas precisa também de um governo com força para implementar a política de seu interesse.

Num quadro destes, a tática a ser adotada pelos trabalhadores parece simples: ir para as ruas dizer que esse governo, por ser contrário aos anseios dos trabalhadores, precisa ser trocado por outro, precisa ser derrubado. Sim, esta seria a tática se houvesse no Brasil um movimento popular capaz de substituir o governo atual por outro mais avançado, de esquerda, para implementar uma pauta de reformas populares, ampliando direitos, radicalizando a soberania popular, abrindo espaços para transformações socialistas. Mas não é este o quadro de hoje, e se pode dizer que muito pelo contrário. O quadro atual é de hegemonia da direita, e as causas são diversas, inclusive a descrença que os partidos governistas demonstraram ter na classe trabalhadora quando tinham a oportunidade de governar com ela e contra os partidos conservadores, e optaram por fazer o contrário, governar com os partidos da velha ordem, desprezando os trabalhadores.

Infelizmente, se analisarmos com racionalidade, concluiremos que a derrubada do governo Dilma Rousseff não nos levaria a dar um passo sequer adiante, e sim o contrário. O governo a substituir Dilma Rousseff na conjuntura atual seria o mais reacionário desde a ditadura. Esta é a dura realidade a ser enfrentada! Por isso, é absurdamente oportunista e irresponsável algumas organizações de trabalhadores apostarem na derrubada do governo, além de ser uma tática que aceita o voluntarismo despolitizado (quando não reacionário) como se este representasse algum momento pré-revolucionário. Com certeza o governo Dilma não nos representa, mas nem por isso consideramos razoável ajudar a direita a derrubá-lo, o que representaria uma grande vitória dos setores mais reacionários da sociedade brasileira, além de um passo para medidas de caráter abertamente fascistas por parte das instituições do Estado autocrático brasileiro.

As forças de esquerda do Brasil estão, de fato, numa situação muito difícil. Por um lado, a direita reacionária avançando sobre muitos dos direitos historicamente conquistados, através do Congresso Nacional, prometendo ir ainda mais além, adotando mudanças na legislação e na própria constituição que afetam até mesmo os direitos civis elementares em uma sociedade democrática. Temos um governo de origem popular que nunca se propôs a governar com o povo, e sim com os setores conservadores da velha política nacional, em favor dos monopólios privados e sem alterar absolutamente em nada a estrutura autocrática do Estado. No campo de esquerda que faz oposição ao governo, boa parte das pequenas e divididas organizações populares optam pelo discurso fácil do voluntarismo vanguardista, geralmente dissociado das massas populares, com quase insignificante poder de convocação popular.

Nós do Polo Comunista Luiz Carlos Prestes – PCLCP, percebemos que são estreitos os caminhos para se caminhar com coerência e responsabilidade neste momento conjuntural brasileiro. Não admitiremos nenhum gesto e nenhuma omissão que possa ser favorável às táticas agressivas da direita reacionária. Por mais que esta direita foque sua ira contra o PT, por ser o partido que ocupa a cadeira da Presidência da República, não pode haver nenhuma dúvida de que este mesmo ódio está voltado para todas as organizações de esquerda, e, quanto mais consequente com a estratégia socialista for o agrupamento, com tanto mais força será caçado pela reação no caso de um governo destes setores.

Por outro lado, permanecemos com a posição adotada já em 2003, de que os governos encabeçados pelo PT não representam sequer o reformismo social democrático que muitos esperavam deles. Nunca fizemos e não faremos parte da defesa deste governo! Mas não temos dúvida de que qualquer tentativa de derrubá-lo representará um golpe, e que este golpe não será apenas contra o PT, e sim contra todas as forças democráticas, populares e de esquerda existentes no Brasil, além de ser, para a América Latina e o Caribe, o começo do fim dos governos populares. O imperialismo estaria mais forte para atacar Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua, El Salvador, dentre outros, caso as forças mais reacionárias da sociedade brasileira assumissem o governo. Para além das organizações populares de esquerda, o conjunto da classe trabalhadora e do povo pobre sofreria ainda mais reveses, com mais perda de direitos e, inclusive, com mais restrição à livre organização e à própria reivindicação. Não temos a menor dúvida quanto a isto!

Temos trabalhado para ajudar a trazer para a ordem do dia a pauta de interesse da classe trabalhadora, e ao fazê-lo entendemos ser importante buscar englobar todas as organizações populares, tanto as que não apoiam o governo quanto aquelas que, mesmo dentro do espectro governista, estão dispostas a lutar contra as políticas de direita que estão sendo adotadas pelo governo.

Se a conjuntura aponta para a necessidade de somar forças com setores populares que fazem parte do espectro político de apoio ao governo, não podemos esperar que estes setores deixem de ser o que são para poderem caminhar ao nosso lado. Discursar em defesa da unidade, mas não perder uma chance sequer para tentar ridicularizar o pretenso aliado, não passa de oportunismo auto proclamatório. Evidente que deve haver acordos prévios na organização do movimento, definindo o caráter de cada atividade pública que se vai realizar e principalmente o programa imediato de luta. Atacar o governo com os mesmos verbos da direita reacionária assim como a defesa do governo não nos uniria para nada. O objetivo é defender uma pauta comum, voltada para questões programáticas de interesse da classe trabalhadora e do povo pobre e combater as políticas de direita do governo e da reação. É um equívoco caminhar no sentido de priorizar o ataque às organizações populares que fazem parte do movimento que se pretende unitário.

Nós do Polo Comunista Luiz Carlos Prestes – PCLCP não nos aproximaremos, nem em gestos e nem em palavras, de qualquer coisa que possa ser identificado com a tática equivocada do “Fora Dilma”. Da mesma forma, não iremos a nenhum lugar para defender o governo, pois suas políticas estão a cada dia mais subordinadas aos interesses dos monopólios, do latifúndio e do imperialismo. Até mesmo agora, ao tomar iniciativa de diminuir o tamanho dos aparatos do Estado, a diminuição do número de ministérios, o que se pode ver é que os cortes serão nos setores de interesse das classes trabalhadoras e do povo oprimido, o que mostra mais uma vez a falta de limites para a caminhada à direita do governo encabeçado por Dilma. Continuaremos defendendo a unidade de todos os setores populares para resistir à ofensiva da direita reacionária, para barrar as políticas impopulares do governo e para somar forças no sentido de conseguirmos, no menor espaço de tempo possível, avançar para reformas populares. Lamentamos que muitos ativistas, e mesmo organizações da chamada esquerda, fiquem omissos diante de uma conjuntura tão adversa para a classe trabalhadora.

Não se pode admitir que os grandes meios de comunicação interfiram no caráter do nosso próprio movimento, e nem que o espontaneísmo das bases desorganizadas do PT possam nos impedir de aparecer nas ruas com nossas bandeiras históricas. No dia 20 de agosto aconteceu um raciocínio prejudicial ao movimento, mais ou menos desta ordem: “Ah, se a Globo está dizendo que o ato será de defesa do governo, eu não irei, pois não quero me confundir com o governismo e porque os governistas estarão lá”. Na prática, esse raciocínio ajudou muito a transformar o ato naquilo que estas mesmas pessoas não queriam que ele fosse. E repetimos: os pressupostos iniciais do ato não tinham qualquer verniz governista, e sim de crítica às políticas de direita do governo e de rechaço ao assédio da direita reacionária. Os governistas, inclusive os acríticos, foram ao ato, enquanto muitos setores críticos às políticas do governo ficaram em casa, amargurados com o próprio sentimento de impotência.

É preciso reverter esse quadro! A nossa inércia é o motor de propulsão da direita reacionária e das políticas horrorosas que o governo (com seus cínicos aliados) está implementando.  O nosso êxito na continuidade da luta de classes no Brasil depende da capacidade de aglutinação das forças de esquerda, que hoje estão dispersas em várias organizações partidárias e movimentos sociais, inclusive no interior de algumas que apoiam o governo mas que estão desconfortáveis com a política adotada por ele. Seria um erro imensurável esperar que o ciclo do PT se encerre para depois partir para a organização de um movimento novo, assim como não está correta a compreensão de que se tem que deixar o PT pagar pelos seus erros e só desenvolver qualquer tática onde o petismo e o governismo atual não estejam presentes. Esta postura, de tão pretensamente purista, resultará num nada absoluto. Qualquer movimento que consigamos construir a partir da realidade existente hoje será resultado do doloroso, complexo e também rico processo de crítica e autocrítica que as forças populares existentes conseguirem fazer. E, por falar em autocrítica, imaginamos que nenhuma organização de esquerda deve se sentir indiferente à essa necessidade.

Por certo a luta de classes não acabou, nem antes e nem durante os governos encabeçados pelo PT. Se durante a década de 1990 os tucanos negavam a existência da luta de classes, não seria com a conciliação de classes que o PT conseguiria extingui-la. Ela está, portanto, vigente! E nestes momentos de crise, não tem mais como ocultá-la. Todos aqueles que sabem qual é o seu lado na luta de classes, precisam construir espaços de diálogo e de aglutinação para atuações em comum, por mais diferenças de avaliação que existam.

A conjuntura de crise tem colocado para todos os setores do amplo espectro popular a crueza da luta de classes. A crise leva o bloco de poder dominante a impor suas políticas, desnudando sua indisfarçável aversão às políticas compensatórias que a conciliação de classe vinha administrando. Neste cenário, não existe espaços para termos intermediários: ou se está ao lado dos pressupostos históricos da classe trabalhadora e do povo pobre, ou se sucumbe à conciliação sem fim dos que perderam o horizonte estratégico. Esta conjuntura forçará que organizações populares importantes que têm circulado por dentro do governo tomem posições mais claras e menos inibidas. Organizações como a CUT, o MST, e a UNE (para citar apenas três com histórico importante de luta a favor do povo brasileiro) deverão convergir para pressupostos programáticos e táticos que estavam meio esquecidos há mais de uma década ou sucumbirão diante dos desafios de luta que a conjuntura exige.

Nós do Polo Comunista Luiz Carlos Prestes – PCLCP, seguimos convictos da vigência da estratégia socialista para que a humanidade tenha futuro, e entendemos que todas as táticas devam estar voltadas para dar passos naquela direção. Muitas mediações serão necessárias até que o movimento de esquerda acumule forças para caminhar adiante rumo ao socialismo, e não podemos a priori eliminar aliados do campo popular ou cristalizar sectarismos de difícil reversão posterior. Estamos participando da Intersindical Central da Classe Trabalhadora, onde temos comungado com o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) praticamente as mesmas leituras sobre a realidade, assim como as mesmas táticas. Observaremos a iniciativa do MST de chamar os movimentos populares para debater uma “frente popular”, e buscaremos manter canais de diálogo e de aliança até onde nos for possível com estas forças. Da mesma forma, não fechamos o caminho para diálogos e alianças táticas com setores que compõe a CSP-Conlutas.

É possível que a crise atual ajude a construir a depuração das forças populares, recompondo estruturas organizativas, refazendo sínteses, e até mesmo alterando posturas e alianças. Cabe a cada organização de esquerda e a cada militante pelo socialismo portar-se à altura da exigência histórica: Combater o sectarismo, a arrogância, o idealismo vazio de conteúdo programático, e fazer todo o esforço para que o movimento popular se refortaleça e caminhe adiante com menos erros do que vimos nas três últimas décadas. Alinhados às posições revolucionárias de Luiz Carlos Prestes, percebemos a atualidade do conteúdo por ele defendido na “Carta aos Comunistas” de 1980 e em seu “Programa de Soluções de Emergência contra a Fome, a Carestia e o Desemprego” de 1982. Seguindo essa tradição, dedicaremos todos os nossos esforços na reorganização das forças populares segundo um programa mínimo de reformas radicais contrárias aos interesses do bloco de poder dominante composto pelos monopólios, pelo latifúndio e pelo imperialismo, reformas que possam aglutinar as massas populares para avançar de forma ininterrupta, abrindo caminhos para o socialismo.

DIREÇÃO NACIONAL DO POLO COMUNISTA LUIZ CARLOS PRESTES – PCLCP

Agosto de 2015.

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