Eleger Lula para derrotar o fascismo e criar condições para superar a Autocracia Burguesa
Posição do PCLCP sobre a conjuntura e as eleições
Para os comunistas, costumeiramente, as eleições burguesas são um elemento tático e, mesmo nos momentos em que podem ter grande relevância política, dificilmente são a questão decisiva na luta de classes. Os golpes recentes na nossa história são prova disso.
O aprofundamento da crise estrutural do capital leva as potências capitalistas a radicalizarem o processo de exploração da força de trabalho e dos recursos naturais. O padrão de acumulação por espoliação para garantir os superlucros dos grandes monopólios é parte central da estratégia do imperialismo na América Latina. A consequência mais duradoura é a abertura de uma longa época de lutas pelo controle de recursos, cadeias de produção e mercados e, por conseguinte, de governos.
O incremento da concentração e centralização do capital e, no outro polo, o simultâneo crescimento da fome e da miséria são passíveis de percepção ao nível do senso comum. Esses contrastes tornam sensíveis a irracionalidade da lógica do capital, revelam os limites estruturais do planeta e o ritmo com que a burguesia mundial poderá levá-lo à exaustão.
No médio prazo a disputa de rapinagem leva a confrontos cada vez mais perigosos e diretos entre os diferentes protagonistas na cadeia imperialista. De um lado, os EUA, o Japão e as forças europeias que possuem agenda própria na geopolítica mundial, mas cada vez mais próximos da subordinação estadunidense, enquanto do outro lado Rússia, China e outras nações desobedientes.
O mito da “globalização” é tão falso hoje quanto foi o mito do super-imperialismo no passado. Na era do imperialismo a concorrência não desaparece, mas fica circunscrita aos monopólios. A heterogeneidade de capitais resulta também em contradições inter-imperialistas. O imperialismo se organiza como uma cadeia piramidal que, depois de 1945, foi hegemonizada pelos EUA. Agora a burguesia mais poderosa do planeta vê sua hegemonia ameaçada por vários vetores diferentes e tenta, desesperada e perigosamente, conservar sua dominação planetária. Além disso, podem haver contradições dentro de um mesmo imperialismo (como na bipolaridade estadunidense), o que não altera essencialmente sua política exterior, mas que pode se tornar relevante em momentos agudos da luta de classes. Os povos em luta podem e devem se aproveitar das divisões momentâneas entre os principais poderes imperiais, sem, porém, subestimar sua aptidão natural em constituir unidade em torno da preservação da ordem do capital financeiro diante de perigo.
O aprofundamento da crise do sistema sócio-metabólico do capital e a senilidade do capitalismo tornaram as crises cíclicas cada vez mais profundas e duradouras, levaram a uma radicalização da intervenção imperialista em nosso continente. O golpe em Honduras em 2009, no Paraguai em 2012, no Brasil em 2016, na Bolívia em 2019, diversas tentativas de golpistas combinadas a um cerco econômico-militar prolongado contra a Venezuela, são indissociáveis da estrutura econômica, apesar dos seus nuances nacionais.
Em todo o continente, mesmo onde não ocorreram golpes abertos, a direita radical de contornos fascistas, comprometida inteiramente com o programa do imperialismo, assumiu maior protagonismo. A direita extremista conquistou espaço dos setores “tradicionais” da direita, destacando-se no cenário político dentro e fora do Estado. A política é a mesma em todo continente: corte de direitos dos trabalhadores, redução e eliminação de políticas sociais estatais, violação das poucas liberdades civis e democráticas, privatizações de empresas públicas, desmonte de cadeias produtivas e reprimarização econômica e pilhagem de riquezas naturais.
Nada disso é novidade na América Latina, mas está em curso um processo mais amplo e profundo, que sacrifica setores com capital internalizado, enfraquecendo e até destruindo monopólios com investimento estatal e dependentes do mercado interno. Do ponto de vista político, o programa do imperialismo é a redução do espaço de articulação e incidência política da classe trabalhadora, que combinam o aminguamento da força na política institucional, contrarreformas para repressão aos sindicatos e organizações populares, até o fechamento completo da democracia burguesa, com cumplicidade dos poderes judiciários. Presenciamos o aumento da repressão policial, complementada pela violência paramilitar e esquadrista, com vistas à eliminação de lideranças.
A radicalização do projeto político do imperialismo produz atores dispostos e preparados para enfrentamentos mais radicais. Alguns desses atores foram desenvolvidos como lideranças, entre eles o próprio Bolsonaro. No Brasil, a ofensiva imperialista levou ao golpe de 2016, ao fortalecimento e ampliação da tutela militar e ao ressurgimento de um movimento fascista organizado. Desde a cúpula militar, sua liderança tem origem em setores fascistas que se reivindicam “herdeiros” do general Sylvio Frota e se articula em torno do chamado “grupo do Haiti”, reunião de generais e oficiais de alta patente ultrarreacionários que se aglutinaram para a intervenção na política institucional, especialmente para derrotar as forças populares (em especial, o PT) e garantir o projeto do imperialismo no Brasil. Esse movimento se multiplicou e hoje tem grupos paramilitares, envolvendo militares das Forças Armadas de todos os níveis, policiais, milicianos e civis.
Do ponto de vista da mobilização de massas, a força do bolsonarismo ainda que pareça dispersa, está apenas latente. Lembremo-nos da capacidade demonstrada nas mobilizações de 7 de setembro de 2021, quando muitos foram às ruas com o propósito de apoiar Bolsonaro no fechamento do STF, do Congresso Nacional e o início de uma ditadura aberta. Sua face de massas pode ser reativada com toda energia a qualquer momento. A derrota de Bolsonaro nas eleições e sua possível passagem à oposição deverá dar novos contornos a esse movimento.
É importante ter clareza que o peso dado à candidatura de Bolsonaro em 2018 pelo imperialismo e pelas classes dominantes não foi em virtude da ausência de um candidato viável dentro do espectro da direita tradicional. A liderança fascista de Bolsonaro foi fabricada de fora e priorizada desde o início.
O governo Bolsonaro aglutina com fidelidade os setores mais predatórios e reacionários das classes dominantes e representa o caminho mais radical dos interesses imperialistas. Já demonstrou na política de massa e nas articulações institucionais que persegue a eliminação das organizações populares ou que tenham relações e permeabilidade às lutas e demandas populares. Não é apenas retórica de combate aos sindicatos e movimentos populares, mas um movimento efetivo que busca jurídica e politicamente classificar tais organizações como terroristas, proibir o direito de greve, aprofundar o atrelamento dos sindicatos ao Estado e atacar setores e categorias com maior tradição de combatividade. Nesse aspecto, o PT que foi o principal partido de esquerda do país formado nas contradições internadas das lutas proletárias durante os anos de “recolhimento” da ditadura, apesar de ser um partido ideologicamente burguês sem perspectiva de ruptura com a ordem, se tornou um alvo prioritário. Isso porque o PT ainda mantém relação expressiva e de massa com os trabalhadores e setores empobrecidos, sendo capaz de arregimentar milhões de votos nas eleições.
O projeto do golpe avançou bastante desde 2016, foram aprovadas a EC 95 (congelamento dos investimentos em saúde e educação), a contrarreforma trabalhista, a contrarreforma da previdência, diversas empresas públicas foram e estão sendo privatizadas, e o complexo produtivo da Petrobrás vem sendo desmantelado. No BNDES, a “política de desinvestimento” rompeu com a prática dos governos petistas de apoio aos chamados “campeões nacionais”, como forma de internalização do capital financeiro. A entidade está liquidando ações nas grandes empresas, em 2021, por exemplo, chegou a zerar a participação na Vale. Guedes não retirou apoio apenas das grandes empresas, o montante total de investimentos do BNDES em 2020 foi dez vezes menor do que o de 2014. Ele próprio, o maior banco de desenvolvimento do hemisfério sul, como instrumento de desenvolvimento da economia nacional, vem sendo enfraquecido.
A atuação do governo não deixa de gerar desconfortos na burguesia. Grande quantidade de pequenas e médias empresas fecharam, a indústria tem registrado seu pior momento e a própria mídia burguesa fala em desindustrialização. A FIESP grande agente organizador e patrocinador do golpe, elegeu Josué Gomes da Silva em 2021, o filho do antigo vice-presidente José Alencar, sendo a chapa apresentada como sucessora de Paulo Skaf, mas abandonou seu apoio público ao governo Bolsonaro.
Durante o governo Bolsonaro, atividades predatórias associadas ao latifúndio se intensificaram. Houve incremento sensível de queimadas na região do Pantanal e de desmatamento sobre a Bacia do Xingu; movimento já observado ao norte do país e na floresta amazônica. Presenciamos o crescimento do desmatamento em áreas protegidas – sejam elas reservas ambientais ou indígenas –; no lastro de uma promoção sorrateira ao garimpo ilegal na Amazônia e, especialmente, em territórios indígenas. O movimento fascista de Bolsonaro também move a tese do “novo marco temporal” no qual os povos indígenas só poderiam reivindicar demarcações de territórios já ocupados antes da promulgação da Constituição de 1988, ou seja, na prática significa interditar novas demarcações no Brasil.
O governo Bolsonaro destruiu o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) retirando, quase integralmente, os recursos necessários a aquisição de terras desapropriadas e projetos vinculados a manutenção dos assentados – famílias camponesas –; o orçamento do instituto, em 2011, foi de R$ 930 milhões, no ano de 2022 reduziu-se a R$ 2,4 milhões; de maneira correlata o governo, apoiado na lei 13.465/2017 que flexibiliza e facilita a entrega de títulos fundiários, provisórios e definitivos, em três anos de governo, foram entregues mais de 300 mil títulos. Assim, o governo enfraquece a atuação do MST ao mesmo tempo que favorece a grilagem de terra.
No agronegócio, os setores mais consolidados entraram em atrito com o governo nos vários momentos em que a postura extremista do presidente e aliados ameaçaram as relações comerciais com China, Rússia e “adversários” dos EUA ao leste, mas mantiveram relações estáveis para garantir a hegemonia interna no projeto de delapidação dos recursos naturais brasileiros. Mais recentemente, uma das razões porque o governo brasileiro precisou manter-se “neutro” diante da guerra da Ucrânia foi para não arriscar o suprimento de fertilizantes vindos da Rússia, já que o complexo petroquímico da Petrobras que produzia esses insumos no Brasil foi desativado.
Há, portanto, contradições internas dentro do bloco dominante. Os atritos, porém, não levaram a um rearranjo das classes dominantes dispostas ao rompimento com Bolsonaro porque o imperialismo estadunidense é a fração hegemônica do bloco.
O lucro dos grandes bancos presentes no Brasil cresce todos os anos às custas da reprimarização da economia. É evidente, porém, que as querelas intraburguesas são facilmente solúveis nos pontos mais importantes da implementação do programa do imperialismo. Ainda que não estejam totalmente unificadas e divididas na disputa cada uma pela sua parte no espólio, as frações das classes dominantes confluem no programa geral do imperialismo que as centraliza de cima abaixo. É importante dizer: o imperialismo é hegemônico também na direita tradicional.
Na classe trabalhadora e entre os pobres o apoio ao governo está recuando, a despeito das medidas “populares” aprovadas recentemente. A política de destruição nacional do governo Bolsonaro tem aumentado o sofrimento do povo brasileiro com recordes de desemprego, queda de poder aquisitivo, inflação e carestia, insegurança alimentar e fome. Além disso, mais de 600 mil pessoas morreram na pandemia enquanto o governo age como negacionista radical e se envolve em escândalos de corrupção e desperdício na gestão de vacinas e produção de cloroquina.
Apesar dos esforços para faturar politicamente com medidas como auxílio emergencial, depois convertido em Auxílio Brasil (o novo Bolsa Família), novo FUNDEB, liberação antecipada do 13º salário e do FGTS e o piso do magistério, o governo acumula desgastes. Um governo radicalmente antipopular, descaradamente responsável por morte, fome e miséria tem dificuldade de manter níveis elevados de aprovação entre uma população na qual a ampla maioria vive abaixo da linha da pobreza. Dito isso, é preciso afirmar que Bolsonaro não é um simples bode expiatório escolhido e aturado para personificar as políticas antipopulares e ser descartado logo em seguida. Ele é o quadro principal do imperialismo e das classes dominantes nativas.
O Estado capturado pelos monopólios dependentes e associados ao imperialismo se conformou através de uma complexa refuncionalização dos elementos antidemocráticos e atrasados de uma formação social fundada no escravismo mercantil. A modernização conservadora operada no processo de constituição do modo de produção capitalista em nossas terras realizou o único modo de domínio burguês possível: a autocracia burguesa. Isto é, a revolução burguesa divorciada de revolução democrática e, inclusive, de uma verdadeira revolução nacional, estabeleceu um regime autocrático em que todas as grandes transformações se deram pelo alto, restringindo a participação dos setores populares que sempre foram brutalmente reprimidos em suas tentativas de impor sua vontade. As classes dominantes jamais se propuseram a construir um projeto de nação que englobasse as grandes massas, e limitaram-se a servir de sócia-menor do jugo imperialista, manipulando as formas de domínio político de acordo com as condições possíveis, sem colocar em xeque a estrutura de poder como um todo.
O governo Bolsonaro existe e se mantém porque responde a manutenção da autocracia e das necessidades econômicas do imperialismo a partir das instituições do poder militar, que funcionam com autonomia em relação aos três poderes oficiais da república. As Forças Armadas existem predominantemente para organizar a contrarrevolução preventiva de forma permanente e são parte integrante do regime autocrático burguês. Quanto mais diretamente o poder militar tutela as instituições da República, mais perto chegamos de uma ditadura policial aberta. Hoje mais de 6 mil militares ocupam cargos civis no governo Bolsonaro. Mas a tutela militar não é apenas quantitativa, ela ganha força na medida em que o núcleo de militares bolsonaristas controla instituições-chave e constrange os mecanismos da democracia burguesa em favor das suas posições.
As Forças Armadas no Brasil e na maioria dos países latino-americanos operam também como um partido político que, na ausência de um partido fascista de massas, assumiram a função de sistematizador de uma ideologia própria e formadora de quadros preparados para garantir a contrarrevolução permanente. A ideologia da segurança nacional e de combate ao inimigo interno, doutrinada na Escola das Américas e na Escola Superior de Guerra, começou como subproduto da política imperialista para América Latina, mas ganhou autonomia na forma de peculiaridades nacionais e contemporâneas. O bolsonarismo condensa ecleticamente múltiplas formas de irracionalismo burguês, de ideologia religiosa, anticomunismo visceral e gangsterismo miliciano, reciclando assim a ideologia da segurança nacional para novos padrões. Incluindo, a intensificação da “guerra às drogas” que se torna cada dia mais uma “guerra aos pobres” com o cínico emprego de chacinas e “operações policiais” vitimando vidas negras das periferias com motivos midiáticos e eleitorais. A manipulação da guerra híbrida usa de técnicas terroristas e polarizadoras da política de “nós e eles”. Apesar das novas configurações que deram novo fôlego e mais poder ao fascismo no Brasil, a linha geral do movimento fascista que emana dos militares foi aprofundada no sentido da defesa e recrudescimento da autocracia burguesa.
Com efeito, a autocracia burguesa como forma peculiar de Estado no Brasil se torna mais ou menos visível de acordo com os ritmos e a intensidade da luta de classes. Mesmo durante os governos civis de 1985 em diante, o quarto poder denunciado por Prestes, é o mais sólido obstáculo ao avanço da classe trabalhadora brasileira. A destruição dessa estrutura é um dos elementos chave da estratégia da revolução brasileira.
Uma nova vitória eleitoral de Bolsonaro seria fatal. Ela daria um fôlego político e ideológico ao fascismo sem precedentes. As tendências autoritárias provavelmente se afirmariam numa crescente até a consumação de um Estado policial aberto por via de um autogolpe. Uma vez consumado, a capacidade das forças populares para reversão desse quadro seria ainda mais difícil. Uma derrota das forças populares nessa eleição possivelmente deixaria marcas indeléveis na esquerda pelas próximas décadas.
No plano imediato a pauta da classe trabalhadora deve ser a reversão de todas as medidas do golpe. Para isso, apenas derrotando o fascismo. As eleições de 2022 estão, portanto, subordinadas a essas necessidades táticas e estratégicas. A prioridade é derrotar eleitoralmente o governo Bolsonaro como forma de impor uma derrota política parcial ao movimento fascista que ele articula.
Ao afirmar que essas eleições estão subordinadas às necessidades táticas mais gerais e ao problema estratégico de enfrentamento da autocracia burguesa, não significa que elas sejam menos importantes. Pelo contrário, é justamente sua conexão com problemas estruturais que as eleva a um novo estatuto. Essas talvez sejam as eleições mais importantes para a América Latina dos últimos 30 anos. Se derrotados eleitoralmente pelo fascismo, faremos o combate de qualquer forma, mas em condições muito mais desvantajosas.
O entendimento de que os principais problemas do povo estão vinculados às políticas do movimento golpista é compreendido apenas de forma embrionária pelas massas. Quando os problemas não são tão perceptíveis no plano imediato o engajamento popular encontra maiores limites e uma parcela significativa da massa toma posição depois da derrota consolidada. Isso é efeito do nível de consciência e mobilização da classe trabalhadora. Em 2021 houve uma retomada de lutas de rua, com manifestações nacionalizadas contra o governo, mas elas não poderiam fazer mais do que expressar o nível de organização pré-existente, renovar militância e engajar alguns novos elementos no momento posterior às manifestações.
Avaliamos que o movimento Fora Bolsonaro esbarrou num obstáculo significativo: a submissão dos movimentos de rua à tática eleitoral gerou disputas infrutíferas em torno das datas das manifestações, colocando direção do PT de um lado e outros setores de esquerda do outro. Além disso, uma tentativa de se diferenciar forçosamente do petismo, levou esses últimos setores a demarcar uma oposição artificial e apenas no domínio da forma, buscando distinguir-se pela definição de calendário e outros aspectos pontuais dos atos. O “Fora Bolsonaro”, no entanto, foi capaz de contribuir para o desgaste do governo e agitar algumas das pautas táticas do momento, mas não questionaram o poder militar, quando muito fizeram ressoar uma amorfa e reboquista “defesa da democracia”.
A piora das condições de vida da população em si mesma só pode criar explosões espontâneas contra o governo, mas mesmo que isso ocorresse, não há garantias da vitória do movimento. A movimentação espontânea da classe tem ficado restrita à batalha diária pela sobrevivência. Ela só pode gerar processos políticos na medida em que exista trabalho permanente nas bases da sociedade para sua construção. Nas organizações de base, os dois primeiros anos de pandemia foram de grande letargia. A necessidade do isolamento social dificultou a organização do movimento, tanto sindical quanto estudantil, haja vista que a base da sua força reside na ação coletiva e na concentração de massas. Mas mesmo em um terreno completamente desfavorável, os servidores públicos fizeram movimentações importantes, dentro das possibilidades, contra a PEC 32. Fugindo do movimento sindical de cúpula, mais burocratizado, esse período também foi marcado pelas articulações paredistas dos motoristas de aplicativos e entregadores. O “Breque dos App” foi uma experiência valiosa (apesar de insuficiente) para a classe trabalhadora brasileira, cada vez mais empurrada ao trabalho informal ou de natureza “flexível” (ou desprovida de qualquer direito).
Nessa situação de baixo nível de organização política, em nível instintivo, a classe deposita suas maiores expectativas e ilusões nas eleições, torcendo pela derrota de Bolsonaro e identificando Lula como candidato natural.
Lula tem um discurso de impacto para a classe trabalhadora e sabe dialogar bem com as demandas populares. Ele acerta ao questionar a política de preços da Petrobras, a recuperação do seu complexo produtivo bioquímico, revogar a reforma trabalhista, a EC 95, e defender as empresas públicas brasileiras. Porém, em termos de programa, ele é pouco claro e, por vezes, amorfo. A situação econômica e a estrutura que permitiu a execução dos governos petistas não existe mais e, por isso, as margens de negociação são muito mais estreitas do que eram em 2002, afinal, se não houvessem contradições entre o governo petista e o programa do imperialismo, Dilma teria terminado seu mandato.
As pesquisas mostram um favoritismo de Lula, um desempenho muito ruim da terceira via e Bolsonaro recuperando o terreno perdido rapidamente. Para o senso comum a apresentação das candidaturas no debate e a polarização do discurso terá mais relevância do que um programa estruturado e coerente. O grosso da massa verá essa eleição como uma disputa entre Lula e Bolsonaro, dando pouca atenção para outras candidaturas.
As massas da classe trabalhadora precisam ser conquistadas para o enfrentamento ao fascismo, ligando a disputa do valor do salário-mínimo, o custo de vida, os direitos trabalhistas, o preço da gasolina, da garantia de políticas sociais, aos problemas mais gerais. O papel das organizações da classe é fazer com que o povo tome partido, se envolva mais e mais com a organização e o debate de suas pautas, avançando na compreensão de suas causas, na necessidade da luta e nos interesses de classes por trás dos jornais e da cretinice parlamentar.
A polaridade dessas eleições forçará o debate em todos os ambientes, por isso a terceira via foi perseguida com tanto empenho e, pela mesma razão, ela é inviável. A burguesia tem pavor do engajamento que as grandes massas terão nas eleições e dos debates que ela pode permitir. A candidatura de Lula pode fornecer engajamento (eleitoral) de massa, com possibilidade de derrotar Bolsonaro e abrir espaço para debates além de seus muitos limites. A campanha de Lula será uma campanha amplamente massificada contra Bolsonaro onde cabe uma política mais avançada do que o do próprio PT.
Bolsonaro, os fascistas e imperialistas ainda não desistiram de vencer as eleições no Brasil. Ele está colocando em movimento toda a sua máquina criminosa, como era de se esperar. Com a diferença que nessas eleições ele tem controle do aparelho do Estado e muitos minutos de televisão, diferente dos 8 segundos de 2018. O adiantamento do 13º, liberação do FGTS, o chamado auxílio Brasil, a redução do IPI, entre outras medidas realizadas apontam para o esforço de recuperar o terreno perdido em razão da tragédia econômica.
Por essas razões, o PCLCP defende o apoio a Lula no primeiro turno das eleições gerais de 2022. Não apenas defendemos o voto 13 na urna eletrônica, mas sim o firme engajamento de toda a militância de esquerda na campanha de rua. Os comunistas, democratas, revolucionários e patriotas consequentes devem organizar ou integrar comitês populares de campanha pela eleição de Lula e contra o fascismo em todos os locais de trabalho, estudo ou moradia. Nesses comitês devemos defender as posições mais avançadas de derrota do fascismo e de destruição da autocracia burguesa como objetivos mais amplos do movimento de massas no Brasil, na qual a vitória de Lula será uma etapa crucial.
Acreditamos que uma atitude consequente implica em apoiar tudo que há de mais avançado no programa de Lula e do PT para essas eleições. Sabemos do histórico de concessões políticas e do programa por vezes recuado. Entretanto, isso é secundário diante da essência do momento atual. Suas hesitações são principalmente expressão do enfraquecimento e da desorganização objetivas da classe trabalhadora brasileira. Nesse sentido, devemos dar ênfase naquilo que eleve a consciência das massas e criticar fraternalmente, sem fraseologias, suas vacilações programáticas, apontando quais as saídas mais avançadas.
A posição de Lula contra as privatizações da Petrobras, da Eletrobras e dos Correios, pela revogação das contrarreformas golpistas é um ponto de partida valiosíssimo. Devemos transformar os comitês populares em “caixas de ressonâncias” que ampliem o alcance das posições avançadas já consolidadas no discurso de Lula, mas que também insiram, pouco a pouco, um programa politizador que articule a luta contra fascismo e a autocracia burguesa às demandas populares.
É preciso não dar muita importância aos pormenores técnicos e administrativos do discurso e do programa. Ressaltamos: essas eleições não decidirão o melhor gestor, ou o “síndico” do Brasil. Elas são eleições essencialmente políticas que ganham cada vez mais um caráter plebiscitário – ditadura fascista ou uma democracia restrita e maltratada –, podendo ser aproveitadas para elevar a cultura das massas e ser ponto de partida para uma democracia mais substantiva.
A aliança com Alckmin é um problema, mas de forma alguma pode ser tratada como uma surpresa. Afinal, as vice-presidências de José Alencar e Michel Temer dificilmente podem ser consideradas alianças melhores. Entendemos que a situação de polarização entre o programa do imperialismo e os interesses vitais das massas trabalhadoras incide seus efeitos em todas as forças políticas no Brasil. A escolha de Alckmin deve ser vista também por esse prisma: não é apenas a atitude conciliadora de Lula que costurou essa aliança, mas também a necessidade da direita tradicional de se reposicionar em um cenário político em que Bolsonaro corporificou e monopolizou os interesses do bloco dominante hegemonizado pelo imperialismo. Dessa maneira, entendemos que esse é um problema secundário para os comunistas, revolucionários, patriotas e democratas consequentes.
Essa eleição precisa deixar um saldo organizativo e de elevação do nível de consciência das massas. A classe trabalhadora e as massas populares precisam constituir instrumentos mais sólidos de poder capazes de enfrentar a reação interna e externa que seguirá furiosa se houver uma vitória de Lula. Inclusive, devemos estar organizados e preparados para enfrentar serenamente todas as provocações golpistas que possam surgir antes, durante ou depois das eleições. É preciso criar uma unidade crescente das massas em torno da solução das suas necessidades mais evidentes e que sirva também de fortaleza contra-golpista e antifascista.
O discurso de vitória certa, porém, é desmobilizante e precisa ser combatido com o trabalho paciente e consciencioso de organização das massas, sempre evidenciando os nexos entre os problemas imediatos e os estruturais do regime autocrático burguês. Essa eleição não está ganha! Não serão pesquisas de opinião e de voto que farão Bolsonaro e as classes dominantes desistirem de disputá-las! Pelo contrário, resultados eventualmente negativos para sua candidatura só irão elevar suas tendências autoritárias, golpistas, mentirosas e irracionalistas para atingir o seu objetivo: instituir uma ditadura aberta, policial e terrorista no Brasil.
Este pleito presidencial de 2022 não é uma “eleição normal”, assim como também não foi a de 2018. Trata-se de um embate entre um projeto fascista e a luta para manter e ampliar a democratização que conquistamos combatendo a Ditadura Militar. A Constituição de 1988 e o fim da Ditadura não significou a superação do que Florestan Fernandes chamou de “ordem social e Estado autocrático burguês” no Brasil e sequer o desmantelamento do Poder Militar que tutela as instituições da República.
Estamos envolvidos em um processo histórico no qual derrotar o projeto fascistizante do grande capital financeiro internacionalizado – representado neste momento pela candidatura de Bolsonaro à reeleição – significa enfrentar o Poder Militar, avançar para a desmilitarização do Estado brasileiro. Trata-se de algo integrado em uma luta ininterrupta para liquidar a autocracia do capital monopolista/imperialista. Luta na qual os trabalhadores e a massa dos “de baixo” tomarão nas suas mãos a democratização do país e do Estado.
A crise brasileira iniciada durante as multitudinárias Jornadas de Junho de 2013 – quando, revogado o aumento na tarifa, uma direita radical passa a disputar a direção do movimento – atravessou várias fases. Ao longo destes nove anos, desenvolveu-se no país um movimento de massa reacionário com ideologia fascista e formou-se um governo dominado por um núcleo político fascista. Apesar da deterioração da democracia tutelada e restrita – mediante a qual o capital monopolista se organizou em poder na “Nova República” – o regime político ainda não se tornou uma ditadura fascista.
No entanto, o Alto-Comando das Forças Armadas, que controla o Governo Bolsonarista (militares ocupam mais de 6 mil cargos nos seus principais escalões), já implantou um Regime de Exceção no país, com o objetivo de garantir os interesses do capital financeiro. Nos marcos da longa crise estrutural do capital, os superlucros dos monopólios dependem de uma estratégia de “acumulação por espoliação”, que inclui: entrega de riquezas naturais, privatizações, redução do orçamento (teto de gastos), destruição de direitos sociais e políticas públicas etc.
Tal estratégia é ultra regressiva (econômica, social e culturalmente) e intrinsecamente fascistizante. Implica espoliar direitos das massas e aprofundar a exploração dos trabalhadores, por meio da repressão militarizada das lutas sociais. Pretende se escudar numa enorme intensificação da violência política. O atual Regime de Exceção militarizado tende a adquirir um caráter fascista – de ditadura aberta e terrorista do capital financeiro – caso a resistência da maioria nacional, principalmente do movimento proletário e popular, não alcançar força suficiente para impedir tal desfecho.
Na conjuntura concreta atual, para derrotar a direita fascista, é indispensável apoiar desde o primeiro turno a candidatura Lula. No entanto, mesmo vitorioso (em uma eleição que não será nada fácil), sem o apoio de um movimento popular organizado e consciente, o Governo Lula ficará vulnerável às intentonas golpistas do fascismo e/ou será forçado a submeter-se aos ditames do grande capital. Para gerar forças capazes de dar sustentação a um governo progressista é necessária uma militância centrada na elevação do nível de mobilização, organização e consciência dos trabalhadores e dos setores populares: nos locais de trabalho, moradia, estudo e convivência.
Esta deverá ser a centralidade da nossa luta. Não só nas ações e no conteúdo do discurso da campanha deste ano. Tal centralidade é mais geral. Trata-se de articular as lutas em torno das necessidades mais sentidas do povo trabalhador com a formação da consciência de que o destino da classe trabalhadora está ligado, de modo multiforme e indissolúvel, com a necessidade de transformação da sociedade como totalidade. Cada militante deve ser um “tribuno do povo”, pois a perspectiva proletária liga as reivindicações democráticas dos diversos setores populares e lutas por reformas aos objetivos da transformação revolucionária da sociedade.
Se a nossa tática eleitoral não deve estar desligada de nossa estratégia, nossa estratégia deve ser pensada concretamente, mediada por políticas adequadas às condições práticas do movimento de massas. É necessário criticar (teórica e praticamente) e superar dois tipos de espontaneísmo muito difundidos nas chamadas “esquerdas” brasileiras que, apesar de distintos, são eivados de imediatismo: a “fraseologia pseudorrevolucionária” e o “reformismo conciliador”. Em ambos o caráter primitivo das reações espontaneístas (fixadas na imediaticidade da consciência, seja “voluntarista”, seja “mecanicista”) é contraposto ao conhecimento teórico da totalidade complexa e suas mediações constitutivas, que permite uma prática revolucionária consequente.
A “fraseologia” se limita a proclamar (como um mantra) objetivos finais desligados de mediações táticas viáveis na realidade concreta: propostas capazes de ligar a prática efetiva da luta proletária e popular aos objetivos estratégicos. O “reformismo” – fixando o objeto do interesse e da atividade no imediato e só no imediato – é incapaz de integrar cumulativamente a luta por reformas como parte (subordinada) dos objetivos de transformação revolucionária da sociedade.
O nosso desafio histórico é contribuir para a mobilização, a organização e a formação política e ideológica do proletariado e das massas populares tendo em vista: não só a luta pela manutenção e ampliação da democratização ainda dentro da ordem burguesa (muito importante para o avanço da organização proletária), mas a formação do “Bloco Histórico” das forças sociais e políticas antagônicas à dominação imperialista-monopolista-latifundiária, capazes de elaborar e realizar um programa de transformações revolucionárias, com base no desenvolvimento criativo da teoria marxista e no conhecimento da formação social brasileira em sua concreta interação com a realidade mundial.
É nesse processo que será possível a formação de um partido revolucionário capaz de dirigir o processo de luta dos trabalhadores por conquistas parciais, mas também voltado para a acumulação de forças necessárias à vitória da revolução, quando as condições objetivas e subjetivas estiverem criadas.
Por tudo isso é necessário todo o entusiasmo revolucionário para organizar essa campanha como um “grande basta”: uma onda que derrote e force o recuo do fascismo, elevando a consciência das massas no processo para lutar por um regime de democracia substancial mais amplo. Identificamos que boa parte das massas já estão naturalmente predispostas a votar em Lula e identificam instintivamente sua candidatura com as necessidades populares mais importantes. Esse é um ponto de partida fértil e facilita enormemente o diálogo com o povo. Diferente da difícil posição em que partimos das campanhas contra o golpe de 2016, o atual clima das massas vem esquentando e favorecendo uma política mais avançada e uma unidade popular contra o fascismo.
A consciência espontânea das massas que já está propícia ao voto em Lula precisa, porém, ser organizada para se tornar força viva e movimento real, primeiro como movimento eleitoral, mas cujos contornos políticos começarão, nas próprias eleições, a se afirmarem. O papel dos comunistas, nesse sentido, é contribuir na conversão dessa vontade eleitoral em uma vontade política com força organizada e cada vez mais consciente dos seus fins.
Não há dúvidas: essa é a eleição mais importante para o nosso continente e o imperialismo fará tudo que for possível para manter seu domínio. Para onde vai o Brasil, vai a América Latina. Devemos, portanto, derrotar o fascismo eleitoralmente para criar condições de romper com a autocracia burguesa, elevar a qualidade da democracia social de nosso país para avançar ao socialismo.
Um comentário em “Eleger Lula para derrotar o fascismo e criar condições para superar a Autocracia Burguesa”