A volta da fome no Brasil

A volta da fome no Brasil

Por: Henrique Martins

O povo brasileiro assiste nos últimos anos e em particular nos últimos meses uma acentuada elevação nos preços dos combustíveis, com o litro da gasolina passando da casa dos R$6,00 em alguns lugares do país. Nesse contexto, a contribuição da Petrobrás para o preço da gasolina tem estado em torno de R$1,859 por litro. Mais explicitamente, nesse período o preço da gasolina no posto se decompõe percentualmente da seguinte forma aproximadamente, conforme o site da Petrobrás:

  • 9.8% Distribuição e Revenda;
  • 17.1% Custo Etanol Anidro;
  • 27.6% Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS);
  • 11.5% CIDE e PIS/PASEP e COFINS;
  • 34.0% Realização Petrobrás.

Vemos que impostos e contribuições pesam em quase 40% do valor que gastamos, o que poderia nos levar a crer que a melhor solução para o problema seria cortá-los. Essa seria uma saída falsa, pois acarretaria na diminuição da arrecadação, o que eventualmente levaria a problemas em outros serviços para a população que são financiados pelo orçamento público. Além disso, os impostos e contribuições não respondem de forma alguma pela recente subida do preço, uma vez que suas alíquotas pouco ou nada variaram nos últimos anos. A tentativa de Bolsonaro de atribuir a causa do preço alto ao ICMS vem no mesmo sentido do que ele já fez tantas outras vezes de jogar para os governadores a responsabilidade por algo que é de sua incumbência. Ao fazer polêmica com isso, busca afastar a atenção em relação à política de preços da Petrobrás – verdadeira responsável pela situação que vivemos.

Até hoje a Petrobrás tem sido um dos pilares centrais do que o Brasil teve de desenvolvimento econômico, e considerando a resiliência da relevância do petróleo no mundo contemporâneo, tudo indica que ela continuará sendo de suma importância para nós. Para isso, é preciso que se busque uma política estratégica para a empresa que consiga equilibrar sua solidez financeira com sua missão social. Até 2016 a Petrobrás vinha praticando uma política de contenção de preços, buscando controlar a inflação. Ainda que jamais tenha tido qualquer prejuízo operacional, tal política impactou na capacidade da empresa se auto-financiar, tendo que recorrer a vultuosos empréstimos. Considerando os ativos tecnológicos e minerais controlados pela Petrobrás, isso não seria problema algum, pois tais investimentos seguramente trariam o retorno que liquidaria as dívidas. Seguramente, num capitalismo idealizado onde não existe a geopolítica ditada pelo confronto entre imperialismo e os Estados nacionais. Sendo alvo prioritário de uma guerra híbrida que colocou a empresa no foco dos jornais como se fosse o centro de uma farra de gasto público e investimentos sem sentido, bem como o definhamento de muitos de seus ativos por meio da operação Lava-Jato, fez com que ela passasse por um período de crise financeira.

Na esteira da deposição de Dilma em 2016, com o novo presidente Pedro Parente, o Conselho da empresa finalmente cedeu à reivindicação dos acionistas minoritários e alterou a política de preços para se balizar ao preço do barril negociado do mercado mundial. Ao se basear não mais no custo de produção, o povo brasileiro viu uma rápida escalada no preço de seu combustível e algumas centenas de acionistas viram seus dividendos se multiplicarem. Foi a subordinação da missão social da Petrobrás aos interesses do mercado – uma minoria passa a ganhar (muito mais do que já ganhavam) em detrimento da maioria da população. Desde então é essa política que tem vigorado na empresa, mas atualmente com a larga elevação da proporção Dólar/Real, o impacto do balizamento pelo barril internacional tem impactado duramente o preço do combustível para o brasileiro.

Precisamos de uma política de preços que equilibre a segurança financeira da empresa com a missão de fornecer energia para a população brasileira a um preço razoável. Este preço portanto, não deve ser balizado pelo preço internacional, mas no custo de produção acrescido de uma taxa de lucro equivalente à do setor, de modo a manter em dia a capacidade da Petrobrás fazer as ampliações e modernizações necessárias para que ela continue por muitas década sendo um dos motores de nosso desenvolvimento.

Como se não bastassem o preço dos combustíveis, o povo trabalhador também está vendo seu suado dinheiro sendo drenado pelo aumento do custo dos aluguéis e de vários alimentos da cesta básica. Particularmente chama a atenção o fato do Brasil ser uma potência mundial na produção agropecuária, estando entre os maiores produtores mundiais de diversos gêneros alimentícios. Apenas para fins de uma ilustração rudimentar da abundância de nossa produção alimentar, vejamos a partir de dados do site atlasbig.com a quantidade de alguns alimentos que o Brasil produz anualmente, comparado com nossa população:

arroz – 50kg por brasileiro

milho – 306kg por brasileiro

trigo – 32kg por brasileiro

cana de açúcar – 3.600kg por brasileiro

laranja – 82kg por brasileiro

batata – 18kg por brasileiro

soja – 459kg por brasileiro

tomate – 19kg por brasileiro

carne – 140kg por brasileiro

café – 14kg por brasileiro

leite – 162kg por brasileiro

É evidente que nem na situação ideal toda essa produção se destinaria exclusivamente ao consumo alimentício direto. Trazemos apenas como figura de contraste com a situação onde uma alimentação saudável e com sustância está se tornando cada vez menos presente para o nosso povo. Dentre todos esses, destaca-se o arroz, que é o mais básico e ao mesmo tempo o que tem mais chamado atenção por conta de seu recente encarecimento. A escalada de seu preço tem provocado inclusive que seus fragmentos, outrora tratados como ração animal, ganhassem mais espaço nos supermercados como opção para a alimentação das pessoas. 

Apesar dessa situação, o que vemos em termos da produção do arroz, é que a quantidade que produzimos nos últimos anos tem se mantido relativamente estável, ou pelo menos sem nenhuma queda abrupta que justificasse uma escassez no mercado. É o que mostram esses dados colhidos do site do IBGE:

Arroz (em casca) colhido no Brasil

2019 – 10.368.611 toneladas

2018 – 11.808.412 toneladas

2017 – 12.464.766 toneladas

2016 – 10.622.189 toneladas

2015 – 12.301.201 toneladas

2014 – 12.175.602 toneladas

2013 – 11.782.549 toneladas

Comparamos isso com o total dos estoques de arroz no Brasil por ano, colhido do site da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Vemos que apesar de uma produção relativamente estável, nos últimos anos a formação de estoque de arroz foi abandonada.

O programa Aquisição do Governo Federal (AGF) funciona para garantir demanda aos produtores rurais brasileiros quando os preços de mercado de seus produtos caem abaixo de seu custo de produção. Além disso, cria a possibilidade de o poder público ter reservas estratégicas de alimento para controlar a oferta no mercado interno, já que grãos como o arroz podem durar um bom tempo se armazenados adequadamente. Curiosamente, o que vimos no Brasil nos últimos anos foi uma diminuição expressiva dos estoques de arroz, a despeito de a partir de 2014 o nível de preços do arroz no mundo ter passado a oscilar num patamar inferior ao período anterior, como mostra o gráfico do site tradingeconomics abaixo. Aconteceu então que em 2020 a demanda pelo grão disparou, e não tínhamos nenhuma reserva para garantir um alimento essencial a um preço adequado para a população.

Portanto, apesar de parcial e rudimentar, nossa investigação consegue esclarecer um pouco sobre as causas da carestia no Brasil que volta a afligir duramente seu povo. Ela se acentua terrivelmente neste período de pandemia quando estamos sendo governados pelo governo mais reacionário e insensível às necessidade humanas de nossa história moderna, mas é fruto de um processo que já vem de tempos. É preciso portanto que as forças populares se organizem para lutar por um novo modelo econômico para nosso país. Num primeiro momento, o inimigo principal do povo é a hegemonia do capital financeiro especulativo sobre as forças produtivas do país. Entretanto, esta hegemonia por mais que possa ser reforçada ou diminuída por determinadas atitudes governamentais, radica da própria fase atual do sistema capitalista de produção no mundo. Dessa forma, a luta por um outro modelo de produção pode e deve começar já dentro dos limites do capitalismo, mas só poderá ser levado à cabo se enfrentar e eventualmente superar suas amarras estruturais. 

Por isso lutamos para pôr abaixo este governo reacionário e entreguista, e também com o horizonte de construir um novo poder, este de caráter popular, que conduza o Brasil e o povo brasileiro para onde merecemos – um país livre, soberano, desenvolvido e socialista.

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