SUPREMA VIOLAÇÃO

SUPREMA VIOLAÇÃO

O Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Sr. José Antônio Dias Toffolli, em solenidade realizada em 4 de outubro de 2018, para comemorar o 30º ano da Constituição Federal, bradou à revelia de suas competências legais: “comunismo nunca mais”. Em seguida, tentou teorizar: “o antídoto” é o “nosso pacto fundante, a aniversariante de 1988”. Como se não bastasse, fazendo uma vulgar confusão entre a instituição e seus indivíduos componentes, completou na primeira pessoa do plural, com ênfase corporativa e acento grupal: “nós, o Supremo, somos e seremos os garantes desse pacto”.

Como as pessoas minimamente informadas sabem, jamais houve algo próximo a governo de comunistas no Brasil. Pelo contrário. Em 1848, quando certo espectro rondava a Europa, aqui ainda existia o escravismo e nem sequer fora instaurada a República. Passados quase 100 anos, os marxistas, depois de participarem superlativamente na luta contra o chamado Estado Novo e de contribuírem para introduzir os mais avançados dispositivos democráticos na Assembleia Constituinte de 1945, foram proscritos entre 1947 e 1985. O golpe de 1964, que interrompeu violentamente o mandato nacional-democrático de João Goulart, implantando o regime político mais repressivo e antipopular da história pátria, usou e abusou do anticomunismo, mas como pretexto para praticar o terrorismo de Estado.

Um dos principais “argumentos” para desencadear a truculência repressiva contra os opositores, a resistência democrática e a censura geral à imprensa, que marcou o regime militar desde os seus primórdios, foi a invencionice de que se realizara uma “revolução redentora” para “livrar o Brasil” das “garras do comunismo”. O jugo castrense durou 25 anos – 1964 a 1989 –, durante os quais assassinou centenas e torturou milhares de prisioneiros políticos. Em vez de resolver os problemas nacionais, agravou a desigualdade, a miséria, a fome, o atraso cultural, a concentração de capitais, a dependência ao imperialismo e a dívida pública, especialmente externa, que se tornou uma das maiores do mundo.

Esquecendo o beabá da história elementar, ensinada no curso médio, que até algumas crônicas de conglomerados midiáticos se viram obrigadas a reconhecer, o Ministro Toffolli, empossado em 13 de setembro na Presidência do STF, tenta fortalecer no Judiciário a concepção e a prática – herança do regime militar – segundo a qual as Forças Armadas seriam uma instância tutelar sobre os governos e processos eleitorais. Há três dias, na Faculdade de Direito da USP, já afirmara que não teria havido um golpe militar no País, mas sim algo que preferiu “chamar de movimento de 1964”. Nem mesmo “civil-militar”, com diziam os generais-governantes de então.

No mesmo dia, o novo presidente, reiterando a decisão de Luiz Fux, derrubou o despacho em contrário de seu colega Lewandowski e proibiu que a Folha de São Paulo entrevistasse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tal conduta afronta a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário. Segundo Edison Lanza, Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, trata-se de uma “censura prévia”, que “afeta o direito à liberdade de expressão do protagonista da entrevista, assim como do meio de comunicação que quer fazer seu trabalho de perguntar e informar o público”. O retorno desse tipo de coerção ocorre sem haver sequer uma “lei de censura aos meios de comunicação”.

A inopinada agitação anticomunista do Ministro Toffolli é, por si, um fato muito grave. Não se trata de mera “opinião de um juiz” – aliás, pelo conteúdo pueril, indigno de um estudante recém-ingresso na Faculdade de Direito e próprio de um fanático bolsonarista –, mas de um discurso formal em solenidade oficial de Estado, professado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e terceira figura na linha sucessória ao vice-presidente usurpador. A declaração do “garante” violou, assim, a Lei Maior de 1988, que afirma no seu artigo 101º competir ao STF, “precipuamente, a guarda da Constituição”.

A propósito, a Lei Básica da República incorporou a Emenda Constitucional nº 25/1985 e revogou a Resolução nº 1341/1947 do TSE, que decretara a ilegalidade do então partido dos comunistas. A Carta Magna garante a liberdade de organização partidária como um dos “direitos fundamentais da pessoa humana” no artigo 17º, que traz no § 4º uma única restrição: “é vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar”. Essa deveria ser, mais apropriadamente, a preocupação do presidente-noviço, diante dos recentes desfiles paramilitares no Rio Grande do Sul e na Praia de Copacabana, realizados pela campanha extremo-direitista.

Entre as prerrogativas do Presidente do STF inexiste a de emitir juízos sobre doutrinas, programas e objetivos partidários dos comunistas que, segundo a criatividade judiciária e seu veredito raso, “nunca mais” poderiam ser admitidos! Semelhante declaração não é um fato isolado, mas o novo capítulo do retrocesso e da truculência golpista em marcha: impeachment de Dilma Rousseff, prisão de Lula com proibição de sua candidatura sem o completo trânsito em julgado e ameaças da dupla sinistra formada pelo Capitão Bolsonaro com o General Villas Bôas.

Depois de promotores e juízes se arvorarem a intérpretes arbitrários das leis, refugadores de dispositivos constitucionais ao seu bel prazer, donos da última palavra sobre quem pode ser candidato e capatazes de ideologias, o que mais vão querer? Decidir sobre se o eleito deve tomar posse? Mudar leis para retirar a livre escolha dos cidadãos? Indicar o futuro presidente? O Brasil já passou por isso e não precisa retornar ao passado sombrio. As únicas “justificativas” para que tão conservador ativismo judicial tente livrar-se da pecha de reacionarismo extremado seriam a ignorância e a covardia. O Partido da Refundação Comunista e o Polo Comunista Luiz Carlos Prestes repudiam a ingerência na liberdade partidária pelo atual Presidente do STF, denunciando seu caráter ilegal, ilegítimo e hostil ao regime democrático.

Brasil, 13 de outubro de 2018
Coletivo Marxista, Comissão Política do PRC, DN do PCLCP e  Iniciativa Comunista.

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