Privatização da Saúde e a intensificação das contra reformas neoconservadoras do capital

Privatização da Saúde e a intensificação das contra reformas neoconservadoras do capital

Imprensa PCLCP1

O Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil é o maior sistema público de saúde do mundo, fruto de uma ampla luta política e social na década de 80 das classes trabalhadoras, que conseguiu impor à classe dominante a saúde como um dever do estado e direito individual e coletivo de todos. Atualmente o orçamento da saúde está na ordem de R$ 100 bilhões (2014). Parte significativa deste montante de recursos públicos é transferida para instituições privadas, tornando o assédio privatista na saúde um agente interno na rede de atendimento do SUS e, ao mesmo tempo, um bloco de forças econômicas e políticas que busca atacar o SUS impedindo que ele seja efetivamente 100% público, com capacidade efetiva de atender toda a população.

Trata-se de um assédio interno ao SUS realizado pelos interesses privatistas das empresas prestadoras de serviços de saúde (laboratórios, clínicas, hospitais etc…). E por outro lado de um assédio externo dos interesses da “saúde complementar”[1], que tem como finalidade o fim do SUS, impondo a saúde mercantilizada. Ou seja, o SUS sofre ataque sob duas frentes (interna e externa), que em vários momentos se associam para buscar a consolidação da mercantilização do atendimento da saúde, solapando o princípio da saúde pública como um direito fundamental.

Os interesses econômicos voltados para o mercado da saúde possuem forte influencia dentro das estruturas do estado responsáveis pelo funcionamento do SUS. Neste sentido, no âmbito da esfera política, desde os anos 90 a saúde vem sendo subfinanciada para garantir a existência de um mercado de “saúde complementar” e, ao mesmo tempo, os recursos do SUS têm sido destinados de forma crescente aos interesses das instituições privadas de saúde. São contínuas ações políticas e econômicas de grande envergadura que tem como finalidade a desobrigação do estado com a saúde. Assim, nos anos 90 o governo do PSDB (FHC) institui as Organizações Sociais (OS) como instituições privadas responsáveis por gerir os recursos públicos na atenção à saúde. A Contra reforma do estado iniciada por FHC recebe importante impulso nos governos do PT (Lula e Dilma), que além de serem coniventes com a expansão das OS nos estados e municípios – destinando recursos do SUS para “gestores privados” – criam em 2010 a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) para incorporar e gerir os Hospitais Universitários (HU´s) – maior rede de hospitais públicos do país.

A ofensiva privatizante orientada pela classe dominante – pela fração que explora a saúde como mercado – atua sem obstáculos dentro do Ministério da Saúde, impondo a lógica privatista inclusive à saúde indígena, propondo a constituição do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI) na forma de serviço social autônomo (semelhante ao sistema “S”) para encampar o atendimento aos 34 Conselhos Distritais de Saúde Indígena (CONDISI). Evidencia-se cada vez mais a incorporação política da lógica privatizante em toda a estrutura de Estado. Os “senhores” da saúde privada não encontram obstáculos dentro das estruturas governamentais, ao contrário, Ministros, Secretários de Estado e todo o alto escalão governamental na saúde assumem a condição de gerentes dos interesses privados e vão a público apresentá-los como se fossem interesses do conjunto da população. Em suma, apresentam e representam interesses particulares como se estes fossem de todos! Para isso, fazem amplo uso dos meios de manipulação (grande mídia corporativa) para apresentar, de um lado, a falência dos serviços públicos e de outro a “excelência” dos serviços privados!

Para agravar ainda mais este quadro de medidas políticas que vão contra os princípios do SUS (constitucionalizados), no início de 2015 foi sancionada a lei 13097/15 que estabelece a abertura do setor de Saúde para o capital estrangeiro buscando dar cobertura legal para o negócio bilionário (R$ 3 bilhões) da venda da AMIL para a rede estadunidense UnitedHealth. Este fato se constitui em mais uma clara e grave demonstração de subordinação dos interesses nacionais ao capital estrangeiro.

As classes trabalhadoras não possuem o seu direito a saúde respeitado, bem como estão sobre permanente pressão para não expressar politicamente sua posição contrária à privatização. Isso se expressa de diferentes formas: dos conselhos de saúde, que são constantemente pressionados a terem uma postura de “correia de transmissão” da política de privatização; os sindicatos que sofrem uma ofensiva econômica e política em suas categorias, e tem reduzida a capacidade de mobilização e ação contra a privatização; a ação parlamentar na qual seus poucos representantes defensores do SUS 100% público não são páreo para as bancadas pagas do capital privado da saúde.

No âmbito federal a imposição da EBSERH deve ser compreendida como mais um capítulo desse processo de privatização. Na verdade, trata-se de uma privatização não clássica, mas que se caracteriza pelos mesmos recursos e medidas típicas de qualquer privatização, associada ao ataque a autonomia e a democracia nas universidades federais.

O ataque à autonomia universitária e a imposição antidemocrática da EBSERH.

Os Hospitais Universitários constituem uma rede de referência para a saúde pública no Brasil, em especial, para o Sistema Único de Saúde (SUS). Aproximadamente 46 hospitais universitários constituem uma relevante rede de atendimento 100% SUS, ou seja, submetida aos princípios constitucionais de UNIVERSALIDADE, INTEGRALIDADE e CONTROLE SOCIAL DEMOCRÁTICO. Isto é, a formação em saúde realizada nos hospitais universitários está articulada a lógica do atendimento a saúde como um direito de todos, e não como um mero serviço de mercado. Contudo, a tensão entre os interesses de todos e as particularidades do mercado tem convertido de forma paulatina a saúde em um grande negócio.

Por outro lado, os Hospitais Universitários (HU´s) vivem uma crise que é histórica, vinculada ao processo de subfinanciamento. Foi a comunidade universitária que reagiu e buscou de diferentes maneiras preservar e ampliar os HU´s. Importante destacar que a expansão conservadora do programa de reestruturação das universidades (REUNI) não equacionou as demandas reprimidas dos HU´s. A resposta a crise de subfinanciamento dos HU´s é orientada pelo Banco Mundial (BM) para intensificar a mercantilização da saúde no Brasil. Numa reafirmação do caráter dependente e subordinado de nossa economia, o BM apresenta um programa de reestruturação dos hospitais universitários (REHUF) em troca de uma mudança no sistema de gestão. É a partir das imposições desse organismo internacional que o governo federal edita a medida provisória (MP 520/2010) que cria a empresa brasileira de serviços hospitalares (EBSERH), e apesar da resistência dos movimentos em defesa do SUS e da Educação Pública, surge a Lei Federal 12.550/2011, que cria uma empresa pública – com finalidade de explorar atividade econômica – para absorver os HU´s.

A partir da sanção da lei, a cessão dos hospitais universitários à EBSERH constitui-se em um objetivo estratégico do MEC, que adotou medidas para pressionar os reitores a adesão a EBSERH. Em mais um capítulo de atentados contra a autonomia universitária esta adesão foi conduzida a “ferro e fogo” pelo MEC e pelas administrações universitárias a ela subordinadas politicamente.

A contratualização com a EBSERH não se constitui num ato administrativo ordinário qualquer, ao contrário, estamos diante de uma política que se constitui numa privatização não clássica da saúde e da educação, na medida em que transferimos a gestão dos Hospitais Universitários para a EBSERH. Além do evidente atentado a autonomia universitária, estamos falando de quase 50% de todos os técnicos administrativos das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), da política de formação em saúde do SUS e focando em questões mais estritas (corporativas). A EBSERH é, também, uma medida que compromete o Regime Jurídico Único (RJU) para os trabalhadores da saúde na esfera federal – os futuros contratados pela EBSERH serão celetistas (CLT) – acenando no horizonte a provável imposição de uma EBSERE (Empresa Brasileira de Serviços Educacionais).

O Regime Jurídico Único é uma conquista da sociedade brasileira, busca desenvolver uma administração pública pautada na legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, da CF). A contratação de celetistas já está presente na universidade, identificada como terceirização, ou seja, é a terceirização plena dos Hospitais Universitários.

A postura das reitorias para conduzir o debate sobre a contratação da EBSERH tem se caracterizado pela arrogância e incoerência com os princípios norteadores das Universidades Federais. A manipulação da informação e a política de desinformação são constantes neste processo, que culminam em atitudes antidemocráticas, autoritárias e desrespeitosas com a comunidade recorrendo, em alguns casos, para a violência policial, como aconteceu na UFPR.

As contradições do processo de adesão indicam que os processos de implementação da EBSERH não serão tranquilos, pois tendem a intensificar as contradições do processo de subfinanciamento dos hospitais universitários. As campanhas contra a adesão a EBSERH precisam ser articuladas com o acompanhamento e questionamento amplo dos processos de implementação.

Nesse sentido, a unidade das classes trabalhadoras é essencial para que estes processos de privatização sejam interrompidos e ocorra um amplo processo de estatização da saúde, como um primeiro passo para a garantia do SUS 100%. Para isso, a Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde tem realizado uma importante contribuição ao conjunto das classes trabalhadoras e suas organizações, constituindo-se num espaço de debates, unidade de ação contra a mercantilização da saúde.

1 Texto apresentado pelo PCLCP ao V Seminário da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde que ocorreu de 27 à 29 de Março deste ano no Rio de Janeiro com o tema “Saúde, crise do capital e lutas sociais na América Latina”.

Fonte: Voz Operária 21, Março de 2015


[1]Em 2013, a saúde suplementar atingiu o número de 50,27 milhões de beneficiários de assistência médica (um crescimento de 4,6% em relação a 2012), e 20,74 milhões de beneficiários de planos odontológicos, aumento de 8,2% em relação a 2012. A receita das operadoras médico-hospitalares 79,9 bilhões de reais até o terceiro trimestre de 2013, com um aumento de 17,2% em relação ao mesmo período de 2012 (Ver Caderno de Informação da Saúde Suplementar da Agência Nacional de Saúde Suplementar, edição de dezembro de 2013).

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