O Golpe: “Conselho Universitário do Quartel” outorga EBSERH na UFSC
Nota estadual do Polo Comunista Luiz Carlos Prestes (PCLCP) – Santa Catarina
No dia 1º de dezembro a sessão do Conselho Universitário (CUn) da UFSC, convocada de modo insólito e espúrio para realizar-se num Quartel da Polícia Militar (PM), aprovou a inconstitucional “adesão” à nefasta EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).
Atentos à importância da formação dos intelectuais e às funções críticas e criativas que a Universidade pode e deve desempenhar diante da “miséria brasileira” – na luta pela ampliação da democracia para os “de baixo” e como parte de um futuro processo de superação das iniquidades intrínsecas à ordem social vigente (capitalismo monopolista dependente) – buscamos estudar seriamente a história desta relevante (e contraditória) instituição-chave. Em nenhum momento da história brasileira (com sua via autocrática de desenvolvimento e duas ditaduras abertas) houve algo semelhante. Não conhecemos paralelo na História da Universidade no mundo, nem mesmo no trágico último século (que viveu o nazi-fascismo). Nunca uma sessão do órgão deliberativo central de uma Universidade se realizou num quartel militar. Estamos, portanto, diante de uma agressão sem precedentes à autonomia universitária.
A deliberação pela “adesão” à empresa de “direito privado”, que esta “sessão do Conselho no quartel”tenta impor à comunidade universitária, foi amplamente repudiada no plebiscito do dia 29/04/2015 (70% dos sufrágios). Este plebiscito foi conquistado pelo movimento universitário e aprovado pelo próprio CUn(então com o apoio e o voto da atual reitora). Infelizmente o rotundo “NÃO À EBSERH”, que ecoou como sonora expressão da vontade coletiva da comunidade universitária, não foi homologado imediatamente pelo CUn, como seria racional. O exame da questão só foi retomado após a vitória dos setores mais conservadores nas eleições para a reitoria, já em novembro. Sabia-se então que o relator original, professor Carlos Locatelli, apresentaria um parecer favorável à EBSERH, contrariando a decisão do plebiscito. Houve pedido de vistas do processo (Cf. 28ª Sessão CUn, 20/11; http://cun.orgaosdeliberativos.ufsc.br/sessoes-video/).
Na sessão seguinte (24/11) o “relator de vistas”, conselheiro Paulo Pinheiro Machado, apresentou sólido “parecer contrário à adesão da UFSC à EBSERH”. Neste parecer é apresentado um complexo articulado de elementos que demonstram: a importância da Autonomia Universitária e do RJU; as irregularidades e problemas da EBSERH; as razões pelas quais a gestão pela empresa privada não iria solucionar e só agravaria a situação do HU; e a importância do respeito à decisão democrática do plebiscito. Além disto, o parecer do professor Paulo apresenta um conjunto de possibilidades objetivas e propostas concretas que, se efetivadas, seriam capazes de resolver os problemas do HU: em curto, médio e longo prazo. As inverdades divulgadas – “se a UFSC não aderir a EBSERH serão fechados leitos”, “não há alternativa” – foram desmentidas. A UFSC pode adotar a solução da contratação emergencial encontrada para o HU da UNIRIO, com o instrumento de contrato temporário (seis meses, renováveis por até cinco anos), previsto na Lei nº 8745. O Edital de Seleção pontuaria candidatos que possuem já experiência em Hospitais Universitários. O que “seria uma boa chance para estas pessoas demitidas retomarem o serviço no Hospital com um contrato temporário com a UFSC, sem a intermediação da FAPEU”. (Cf. http://noticias.ufsc.br/files/2015/11/Parecer-de-Vistas-do-conselheiro-Paulo-Pinheiro-Machado.pdf).
Ainda nesta sessão: o Procurador do Ministério Público Federal (MPF) Maurício Pessutto questionou a constitucionalidade da EBSERH; e o professor emérito Nelson de Souza e Silva, representando o Reitor Roberto Leher, expôs a exitosa experiência da UFRJ. A maior Universidade Federal do país decidiu manter sua autonomia e o controle dos HUs (“conforme a Constituição”) e “não os entregar a uma empresa privada”. Ao final de sua brilhante fala, doutor Nelson apresentou a proposta de que os Reitores se unam para generalizar as “novas formas de financiamento” que garantem: o caráter indissociável entre o ensino, a pesquisa e a extensão (e não só “serviços”), a Universidade autônoma, o regime autárquico e a contratação de todo pessoal por RJU. Ao longo de mais de 3 horas, ficou clara a intenção privatista da (apertada) maioria do Conselho: entregar o HU da UFSC à EBSERH. A sessão foi interrompida após manifestação da comunidade cobrando que o CUn endossasse o resultado do plebiscito e a democracia universitária (Cf. 29ª Sessão CUn: http://cun.orgaosdeliberativos.ufsc.br/sessoes-video/).
Por ironia da história, a Reitora Roselane Neckel, em indigesto conluio com conservadores que fazem oposição sistemática à sua gestão (as direções do CCS e do DCE), recorreu à cúpula da PM, para forçar a imediata “adesão”. Ela já havia capitulado às chantagens e ao “timing” dos privatistas. Subordinou então uma Sessão do CUn à tutela de uma instituição que – por decisão de seus comandantes, atendendo ao delegado Cassiano (PF) – participou da invasão da UFSC em 25 de março 2014. Ação notoriamente articulada com setores oligárquicos e corruptos atingidos por ações moralizantes da Reitoria. Setores que, numa ampla tentativa de desestabilização, na época chegaram a pedir nos meios de comunicação o “impeachment da reitora”.
O “CUn do quartel”, escandaloso desrespeito à autonomia universitária, provocou ampla indignação: dos democratas consequentes informados sobre o movimento universitário, dos que lutam em defesa da Educação e da Saúde públicas, da imensa maioria da comunidade universitária. Queremos aqui elogiar os mais de vinte conselheiros que se negaram a participar desta “votação” ignóbil. A adesão à “EBSERH” foi votada sem a presença dos dois relatores: tanto o que apresentou parecer favorável quanto o que emitiu parecer contrário. Ambos repudiaram publicamente a realização desta decisiva sessão do CUn em um quartel e, numa atitude exemplar, se recusaram a participar desta infame farsa. Lamentamos, de outra feita, a conivência inaceitável de quem compareceu à reunião na polícia militar, em particular a representação do DCE, traindo os 4931 estudantes que votaram contra a EBSERH; e pior, traindo a bela tradição de lutas e o nome “Luis Travassos” que honra esta histórica entidade. Se vergonha tivessem deveriam, junto com as reitoras, renunciar ao mandato.
Derrotar a Onda Reacionária, Defender a Coisa Pública, Avançar na Luta pela Universidade Popular.
A luta contra a onda reacionária que se expande na UFSC – parte integrante, aliás, de uma perigosa conjuntura nacional e continental – deve passar por um balanço crítico do período que resultou, por agora: 1) no controle das mais poderosas entidades representativas centrais da comunidade universitária por forças conservadoras; 2) na triste falência (com suicídio político e moral ao final) da Gestão da Reitora Roselane Neckel; e 3) na retomada do controle da Reitoria pelas forças conservadoras tradicionais. Não é possível realizar aqui a necessária análise detalhada e profunda do conjunto deste processo, que ficará para outro momento. É oportuno, no entanto, abordar brevemente alguns aspectos conexos à questão da EBSERH, que ajudam a esclarecer nossa inserção imediata na luta para construir uma nova dinâmica progressista, que supere o cenário atual.
A vitória da candidatura de Roselane no segundo turno da eleição paritária realizada em 30/11/2011 – com o apoio de todo o campo progressista, inclusive da chapa que ficou em terceiro lugar encabeçada pelo Prof. Irineu de Souza – despertou grande entusiasmo. Nesta situação, um de nossos camaradas foi convidado para compor a gestão da nova reitora. O convite ocorreu sem nenhuma negociação com o Polo e a título pessoal, devido ao seu notório saber e capacidade. Este consultou o PCLCP, que concordou com a participação na gestão a partir da análise da história da UFSC, de seus grupos tradicionalmente dominantes na administração central e, sobretudo, do perfil progressista e da integridade acadêmica e militante do grupo de docentes que apoiava a nova reitora.
O PCLCP balizou a relação com a Reitoria dirigida pelas professoras Roselane e Lucia por uma política clara, que teve por fulcro a contribuição construtiva com as pautas progressistas e autonomia crítica e combativa. Isto ocorreu mediante a participação na elaboração e efetivação de medidas avançadas e democráticas, sem nunca abrir mão de explicitar nossas avaliações divergentes e de nos opor ativamente às políticas que consideramos equivocadas.
Houve, ao longo destes quatro anos, momentos com divergências importantes, o que é normal nos processos políticos. No entanto, a ruptura tornou-se inevitável a partir “virada no posicionamento” e transgressão por parte da Reitora de seus compromissos em torno de uma questão de princípio: a adesão a EBSERH, que significa a privatização do Hospital Universitário, com o abandono da sua gestão acadêmica e da autonomia universitária. (Cf. Nota do Polo Comunista Luiz Carlos Prestes, 26/11/2015).Reprovamos este gravíssimo erro desta gestão, na medida em que “reprovações” desempenham um papel na política emancipatória. Rigorosamente trata-se de algo muito pior do que um “erro”, pois só fortalece os setores privatistas (internos e externos à Universidade) que buscam transformar a educação e a saúde em negócios lucrativos a serviço da acumulação privada de capital. Todos conhecem a posição do PCLCP sobre a EBSERH desde que esta lei inconstitucional foi anunciada. Sempre denunciamos este crime contra a Universidade Pública em todos os espaços em que atuamos. Todos sabem que “a adesão” à EBSERH é, para nós, inaceitável. Afirmamos e reafirmamos para as Reitoras desde o início da gestão, que se trata de uma questão de principio. Logicamente, nosso radical antagonismo e incompatibilidade com a posição assumida pela Reitoria, implicou em que nosso militante apresentasse seu pedido de exoneração, em caráter inegociável.
Houve uma mudança de posição da Reitoria. Inicialmente a Reitora, ainda que com vacilações, incorporou a reivindicação do movimento popular: contribuiu decisivamente para aprovar no Conselho Universitário e para realizar um Plebiscito inédito no país, além de ter cedido à pressão do movimento pela realização do Concurso Público com quase 100 vagas para o HU, em novembro de 2013. Estas conquistas do movimento foram reforçadas pela realização de amplos debates, institucionalmente apoiados, que permitiram um posicionamento democrático e esclarecido da comunidade universitária sobre a matéria (repudiando de modo inequívoco a EBSERH). Posteriormente, a Reitora se comprometeu explicitamente em votar a favor da decisão do Plebiscito no Conselho Universitário e a trabalhar para convencer sua equipe (pró-reitores com voto no Conselho) e seus aliados a acompanhar esta posição e “garantir os votos da gestão em acordo com resultado do plebiscito”. Diante de nossa preocupação com os posicionamentos ambíguos nos debates pré-eleitorais, Roselane nos reafirmou esta posição àsvésperas do primeiro turno da eleição para a Reitoria, no sentido de “garantir” o “posicionamento da ‘Reitora’ votando pelo resultado da Consulta Pública”. O fato de que se postergou a votação da EBSERH no CUn antes, ou ainda no primeiro turno da eleição para a reitoria, infelizmente, foi um dos indícios de capitulação completa de seu grupo perante à EBSERH que deveríamos ter identificado e denunciado radicalmente, pois nos impressionou a velocidade com que essa questão foi colocado no CUn após a vitória da extrema direita no segundo turno das eleições para a reitoria. .
O fato: esta gestão renunciou aos princípios democráticos que a impulsionaram e cedeu às chantagens do Governo Federal, da Direção do HU e consortes; dizendo sim à EBSERH e ignorando a vontade soberana da comunidade universitária. A Reitoria traiu a confiança da comunidade universitária e de seus apoiadores: mostrou que não era digna de confiança.
O apoio à candidatura de reeleição das reitoras foi exposto com as devidas críticas de sua gestão permeável à algumas pautas progressistas, mas igualmente permeável a uma série de pressões do governo federal (Cf. Nota do PCLCP e da JCA em Apoio Crítico à Candidatura de Roselane Neckel e Lucia Pacheco nas eleições para Reitoria da UFSC, setembro 2015). Sempre houve sinais de vacilação por parte da Reitora, mas até então sua postura foi de acolhimento às pressões do movimento universitário e popular contra a EBSERH, o que se degenerou progressivamente com a aproximação da derrota esmagadora no primeiro turno das eleições para a reitoria. Diante do posicionamento insatisfatório da Reitora na Audiência Pública sobre a EBSERH no HU com representantes do Fórum Catarinense em Defesa do SUS e Contra as Privatizações (10/10/2015); retiramo-nos do comando de campanha oficial e passamos a trabalhar com material elaborado junto com nossos aliados mais firmes do Comitê Independente de Campanha “Nenhum Passo Atrás” (Cf. Jornal Fora EBSERH e panfletos, outubro 2015). A questão da EBSERH é o ponto nevrálgico onde hoje se concentra a luta entre dois projetos de Universidade: o projeto privatista-tecnocrático-empresarial e o projeto de Universidade pública e gratuita, autônoma e democrática, crítica e criadora, voltada para os interesses populares. A procrastinação da Reitora diante deste tema central certamente contribuiu para o pífio desempenho eleitoral de sua candidatura. Roselane só foi “firme” na submissão servil aos privatistas: na decisão de outorgar a “adesão à EBSERH” na famigerada Sessão do Conselho no Quartel.
É claro que seria uma caricatura de analise teórica crítica atribuir o resultado até agora negativo da luta contra a EBSERH exclusiva (ou principalmente) à “traição” do “senhor X” ou da “senhora Y”. É necessário ir além do “por culpa de” e do fatalismo (de supostas “condições” tipo “não poderia ser diferente”, o que elimina as responsabilidades). Se a “traição” teve um efeito importante é necessário explicar porque isto pôde acontecer. É a inteira situação histórica em que nossa luta se insere que deve ser pensada: as decisões individuais não são “determinadas mecanicamente”, mas marcadas profundamente pela posição de classe dos responsáveis pelas decisões (e, sobretudo, pelas posições que as classes assumem). Apesar das derrotas, o movimento universitário na UFSC não está esmagado, nem é impotente: uma das provas é a própria vitória no Plesbicito.
Um caminho deve ser percorrido. É necessário: elevar o nível de organização e consciência a partir da base (com unidade e democracia), revitalizar as entidades representativas da comunidade (com a erradicação do peleguismo), politizar as divergências com a superação das pugnas sectárias (infantis e desnecessárias). 2016 será um ano de muita luta, dentro da UFSC e fora dela.
Florianópolis, 12 de dezembro de 2015.
Direção Estadual do Polo Comunista Luiz Carlos Prestes – Santa Catarina.