Considerações preliminares da Direção Nacional do PCLCP acerca das lutas atuais

Considerações preliminares da Direção Nacional do PCLCP acerca das lutas atuais

Há quem se engane e pense que o imperialismo pode ser domesticado, seja pela diplomacia ou pelo “respeito institucional”, ou através do pacífico e estável desenvolvimento econômico. Iludem-se também aqueles que compreendem o poder do imperialismo estadunidense como necessariamente decadente. Washington se opõe, com uma reação de violência inédita e exponencial, tanto à reabilitação militar e política da Rússia após a catastrófica derrota da URSS quanto ao impressionante progresso econômico e tecnológico chinês. O projeto de dominação global do imperialismo e a dinâmica do capitalismo em sua etapa monopolista possuem imperativos que colocam os EUA em rota de colisão com países que buscam um desenvolvimento autônomo, que defendem sua soberania nacional, e até potências de capitalismo central nas bases da pirâmide imperialista.

A recente derrota de Assad e das forças anti-imperialistas da República Árabe Síria foi a pior derrota desde a Guerra dos Seis Dias. Apesar da participação turca na repentina derrocada síria, não há dúvida que a direção foi completamente dada pelo imperialismo dos EUA. O desfecho de décadas de agressões trouxe perspectivas nefastas para o eixo da Resistência protagonizado pelo Irã, pelos Houthis, pelas organizações palestinas e pelo Hezbollah. Trata-se de uma vitória do imperialismo estadunidense e do regime fascista sionista de Israel que continuam com sua guerra de extermínio na faixa de Gaza e a ocupação militar de territórios cada vez maiores do Oriente Médio. Apesar de toda força e de aparatos militares entre os mais sofisticados do mundo, os povos do Oriente Médio, especialmente os palestinos, provam que a resistência é possível.

Na América Latina, a investida contra os povos e a classe trabalhadora tende a ser violenta e incessante. Há um risco plausível de que o assédio de mais de duas décadas contra a Revolução Bolivariana – com frequentes solavancos golpistas e belicistas –, pode converter-se em uma invasão militar aberta da Venezuela. Simultaneamente, Cuba sofre uma intensificação do bloqueio com flagrantes sabotagens na infraestrutura do país com o objetivo aberto de desestabilizar a Revolução e o socialismo cubano. Com grande habilidade, o imperialismo usa de seu enorme aparato de inteligência e robusto poderio econômico para aplicar pressão e semear discórdia na heterogênea esquerda latino-americana, – como visto nas contendas internas ao MAS, de Evo Morales na Bolívia –, buscando isolar a Venezuela e deslocar governos democráticos e eleitos com bases populares cada vez mais à direita. Após temporários reveses no Chile, no Peru, na Colômbia e no Brasil, o fascismo na América Latina se rearticula sob o comando, o financiamento e o suporte logístico e informacional da Casa Branca e do capital financeiro imperialista. Chefiados pelo imperialismo, se fortalecem os vínculos entre os Bolsonaros, Javier Milei, Nayib Bukele, Corina Machado e Edmundo González, orientados pelo objetivo de instituir ditaduras do capital financeiro em seus respectivos países, destruindo suas limitadas instituições democráticas.

No Brasil, o imperialismo ataca o governo petista, eleito contra o fascismo bolsonarista, por meio de pressões exógenas e endógenas. Primeiro, realiza um cerco econômico por fora, utilizando os centros de decisão do capital financeiro imperialista para especular com a economia brasileira e interditar os caminhos para uma integração econômica mais efetiva no continente latino-americano e no projeto contra-hegemônico representado pelos BRICS+. Simultaneamente, o imperialismo e o “mundo ocidental” exercem pressões diplomáticas para afastar o Brasil de aliados naturais do continente e parceiros estratégicos como a China. O PT, que encabeça um governo de coalizão com frágil unidade ideológica e programática, nutrindo alianças com sujeitos políticos desleais enquanto é sufocado por um congresso hegemonizado pelo conservadorismo tradicional e pela direita fascista, frequentemente opta pela linha de menor resistência: a conciliação. O cerco do capital financeiro internacional foi intensificado enquanto o governo assume posições de “neutralidade” e “moderação” na arena internacional, calando-se enquanto nossos aliados prioritários são trucidados e isolados, numa tola tentativa de apaziguar as investidas do imperialismo em Gaza, na Síria, na Ucrânia, na Venezuela e em Cuba.

No plano político interno, o Congresso e os aparelhos autocráticos da burguesia nativa armam um complô contra o governo a céu aberto. A tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 e o sombrio plano articulado por Bolsonaro e a cúpula das Forças Armadas expuseram apenas as precipitações de algumas frações da burguesia fascista no Brasil. Ele não fracassou graças à intervenção de “generais legalistas”, mas pela impaciência e inabilidade dos chefes do fascismo nacional em unificar as classes dominantes e conseguir o aval dos EUA para desferir um golpe de morte contra o PT e a frágil democracia da Nova República. No afã de salvar a própria pele no curto prazo, o séquito bolsonarista e seus próceres queimaram etapas e não contaram com a anuência de frações importantes das classes dominantes hegemonizadas pelo imperialismo no Brasil. Tais frações nunca divergiram sobre a necessidade de romper com a democracia burguesa através de investidas golpistas, apenas quanto ao momento mais oportuno para tal.

Agora, as diferentes frações das classes dominantes estão sendo gradualmente arregimentadas para uma frente única que tem por objetivo prioritário a derrocada do governo eleito em 2022. A frente única do imperialismo tem um programa que quer tudo: desindustrializar completamente o país; liquidar barreiras alfandegárias; privatizar tudo o que resta da malha estatal produtiva da infraestrutura de serviços essenciais, suplementares e de suporte às cadeias de valorização do capital; aniquilar os direitos sociais árdua e historicamente conquistados; sujeitar as instituições nacionais aos centros de comando do capital financeiro internacional; rapinar o fundo público com liberdade absoluta para dividir o espólio do erário entre suas distintas facções; promover uma diplomacia subalterna e com alinhamento automático às pretensões geopolíticas dos EUA.

Enquanto o cerco se impõe externamente e o complô se monta no cenário interno, o governo propõe conciliações – movimento debilitante, mas por vezes necessário em lutas com correlações de forças desvantajosas. Entretanto, em seus movimentos conciliatórios, o governo é seguidamente traído e forçado a abandonar as iniciativas democráticas que têm seu teor completamente deformado para servir ao capital financeiro, como visto nos desfechos da recente reforma tributária. As conciliações, em que cada lado cede um pouco, convertem-se em capitulações completas às imposições do capital financeiro. O arcabouço fiscal de Haddad, discretamente melhor do que o infame “Teto de Gastos” de Temer; as mudanças na contrarreforma do Ensino Médio que se limitaram a apenas empalidecer os contornos vivamente privatistas de seu projeto educacional; a derrubada dos vetos presidenciais na lei que institui o Marco Temporal; a retirada dos privilégios de grandes empresas de 17 setores econômicos, postergada para 2028 após ampla chantagem do Congresso Nacional; o Imposto sobre Grandes Fortunas e outros tributos sobre herança, rejeitados pela Câmara dos Deputados; a isenção do IR para rendas de até R$ 5 mil e a ampliação do imposto para rendas acima de R$ 50 mil, que só deve começar em 2026 se o Congresso não derrotar a iniciativa ou mesmo deformá-la, enquanto a desidratação do crescimento real do salário mínimo e a cruel obstaculização de idosos em situação de pobreza e pessoas com deficiência no acesso ao BPC já estão funcionando a todo vapor, com o governo assumindo 100% do ônus político dessas medidas antipopulares, ainda que tenha sido o Congresso o seu ágil e seletivo legitimador.

Todas essas medidas conservadoras ou desfechos distorcidos de propostas originalmente democráticas refletem, por um lado, os limites próprios do governo encabeçado pelo PT, por outro, a correlação de forças desfavorável aos objetivos imediatos e mesmo de autodefesa das classes trabalhadoras no Brasil.

Como partido de ideologia burguesa, o PT tem uma propensão inata às soluções conservadoras, especialmente após o transformismo, a cooptação de muitos dos seus quadros forjados na luta contra a ditadura e a depuração “direitizante” depois de mais de quatro décadas de existência. Mas mesmo dentro do seu estreito horizonte ideológico de tímido reformismo, o que vem ocorrendo nesses dois anos de governo são seguidas rendições ao programa do imperialismo que arriscam emoldurar a reedição de mais uma trágica derrota histórica das classes trabalhadoras brasileiras. Quando as medidas mais avançadas do governo são derrotadas ou mutiladas pelo Congresso, ele se escora na situação de minoria parlamentar para justificar os limites, mas não procura apoio na massa do povo, e até mesmo castra a atividade sindical que lhe poderia dar algum ímpeto, age com desdém e derrotismo diante de iniciativas positivas vindas de aliados, como a campanha contra a escala 6×1.

O agravante neste quadro é o papel desagregador que as concessões e capitulações exercem sobre a base de apoio do governo. Trata-se de uma crescente sensação de estelionato eleitoral de importantes setores que apoiaram e trabalharam pela eleição de Lula em 2022 – como as categorias da educação federal, por exemplo –, com potencial de desorganizar elos vitais entre o governo e sua base de massa. As derrotas não seriam tão desagregadoras se o próprio governo não tivesse uma atitude deseducativa e até apologética diante delas, pois quando não usa a correlação de forças hostil como uma espécie de “muleta”, que justifica suas próprias opções equivocadas, invoca o espectro do fascismo de forma retórica e maniqueísta. Não é difícil perceber um encadeamento de erros e políticas equivocadas semelhante ao que contribuiu para a queda de Dilma em 2016. Mas a situação agora é muito pior, considerando que em dez anos a máquina de manipulação operada pelo fascismo internacional cresceu e se sofisticou através das redes sociais a um grau nunca visto. O judiciário e o STF são componentes do regime autocrático burguês no Brasil e seu compromisso é com a ordem capitalista e os padrões de acumulação vigente. Sua atuação de confronto com o aparato de manipulação bolsonarista foi contingente à correlação de forças na luta interna entre frações burguesas. Mesmo se fosse possível contar com o STF, o estatuto da máquina de manipulação do fascismo se aperfeiçoou de forma que meras ordens judiciais para o fechamento de perfis e exclusão de postagens não serão páreos para a avalanche de mentiras que verterá para os celulares de cada brasileiro na ocasião de um ataque coordenado e antecipado por Washington.

O cenário de aprofundamento da crise estrutural do capital e as flutuações cíclicas das crises capitalistas tornam perigosíssimos os efeitos desagregadores das bases sociais que elegeram o governo e derrotaram eleitoralmente o fascismo em 2022. Os movimentos de acumulação do capital indicam que vamos mergulhar noutra fase depressiva do ciclo econômico com um pico recessivo em 2025. E pior: a crise vem num momento substancialmente diferente daquele dos anos 1920, quando além da existência da URSS para dirigir o movimento comunista internacional, as classes trabalhadoras se encontravam em um estado de organização e consciência muito superior ao atual.

Podemos com segurança afirmar que o fascismo, a fração mais reacionária e terrorista do capital financeiro, continua sendo o inimigo principal em todos os embates que as classes trabalhadoras e mesmo a pequena burguesia terão de travar no próximo período. Diante de nossos olhos, as classes dominantes, associadas e dependentes do imperialismo estadunidense, acertam os ponteiros e celebram acordos de unidade para praticar um golpe contra o atual governo e impor o programa máximo do capital financeiro para o Brasil. As pretensões golpistas estão sendo visivelmente organizadas por fora e por dentro do governo, com a participação da direita tradicional, o dito “centrão”.

Para enfrentar corretamente o inimigo fascista, precisamos nos livrar de certas ilusões muito persistentes apesar das vultuosas evidências que indicam o contrário. Alguns desses enganos, lamentavelmente, encontram guarida no próprio governo e no PT. O primeiro deles verifica-se no discurso de “resultados” repetido incansavelmente pelo governo e parte da coligação aliada. Toda a propaganda governamental e partidária repete os números de crescimento acima do esperado, inflação controlada e redução do desemprego. Naturalmente, é preciso apoiar-se nos próprios êxitos, mas é algo completamente diferente traçar uma tática política partindo do pressuposto de que uma economia “saudável” é um imunizante automático às ameaças golpistas e às investidas imperialistas e fascistas do capital financeiro. Uma situação econômica abalada pode fragilizar as defesas de qualquer governo, mas o problema é predominantemente político, de relações de poder entre as classes e seus instrumentos organizativos. Outro erro perigoso é considerar que a direita fascista se contentará em disputar as eleições de 2026 e não se lançará noutro arroubo golpista depois do malfadado plano golpista de 2022-2023. A ingenuidade de acreditar que o fascismo se limita às alas bolsonaristas da direita e que o grosso da direita tradicional respeitará a legalidade democrática pode custar caro. Da mesma maneira, é temerário superestimar a disciplina militar do alto comando das Forças Armadas. O governo crê que a maioria dos generais é conservadora e de direita, mas não é golpista e prefere deixar as punições aos militares fascistas e golpistas ao fastidioso rito dos tribunais. Concorrem para essa atitude dois fatores: primeiro, os limites políticos e ideológicos próprios do PT, depois, o sonho pusilânime de que não “provocar” a direita fascista é suficiente para mantê-la dócil e deferente às instituições da democracia burguesa.

Em um cenário ideal, Lula deveria ter esboçado uma reação mais severa com o plano para assassinar a ele, seu vice, ministros da Suprema Corte e sabe-se lá quais outros na linha sucessória da presidência da República. Era hora de pronunciar-se de maneira contundente e convocar o povo contra o chocante esquema ditatorial preparado por Bolsonaro e seus generais fascistas, exigir investigação completa e profunda, punição severa, exemplar e inapelável de todos os envolvidos. Mas o governo fez e segue fazendo o contrário: evade do tema, tenta parecer virtuoso e não vingativo, criando a ilusão de que as instituições do judiciário bastam para condenar os golpistas.

Aí reside outra ilusão da qual precisamos nos emancipar: não há qualquer indício que sugira uma reviravolta a esquerda ou a posições anti-imperialistas por parte de Lula e seu governo. Por essa razão, é imperioso que a esquerda independente não poupe esforços para construir e disputar movimentos que reivindiquem a prisão dos golpistas. É tarefa prioritária decapitar e deixar acéfalo, pelo menos temporariamente, o movimento fascista no Brasil. Trata-se de uma necessidade política para nós e para nossos compatriotas latino-americanos impedir que prosperem as pretensões golpistas e fascistas no Brasil.

Para tal, a tática política da frente única operária de Lenin, de unidade na ação contra os inimigos do proletariado e de construção nas bases, retorna à sua validade ontológica, isto é, com a força e o sentido essencial da elaboração original do dirigente soviético em seu momento histórico, mantendo-se mais que atual para enfrentarmos a luta de classes. É preciso que os comunistas, revolucionários, patriotas, democratas e social-democratas de todos os matizes procurem construir uma unidade prática no combate ao fascismo a despeito de suas diferenças estratégicas. Assim poderemos atuar de forma realista e eficaz nas lutas imediatas das classes trabalhadoras, sem perder de vista o objetivo estratégico da revolução.

Nós, comunistas do Polo Comunista Luiz Carlos Prestes, observamos três táticas distintas no enfrentamento ao fascismo: a primeira, já mencionada, de propensões apassivadoras, que se ilude com a suficiência do crescimento econômico como prevenção à sanha golpista e de confiança exagerada nas instituições burguesas para autodefesa da democracia. No outro extremo, as posições sectárias que centram os ataques ao PT, iludem-se com a ideia de que podem crescer desgastando e se apresentando como “a alternativa” ao governo petista para enfrentar o fascismo. Essa tática atribui um peso exagerado a demarcações puramente formais e processuais. Por último, a tática da frente única, é também a única tática consequente. Ela consiste em participar e compor todas as lutas das classes trabalhadoras, disputando sempre a sua direção, mas sem se abster da unidade prática mesmo diante de eventuais interdições oportunistas, conciliatórias ou antidemocráticas de sua direção, sempre buscando elevar o nível de consciência da base, criticando as posições conservadoras e atrasadas do governo e do PT ao mesmo tempo que destaca o fascismo como inimigo primordial a ser combatido no momento.

Direção Nacional do PCLCP,

Brasil, fevereiro de 2025.

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