Organizar os estudantes contra o fascismo!
Tese de conjuntura da JCA para o congresso estudantil da geografia USP
[JCA SP]
O Brasil não é e nunca foi um país realmente democrático. A burguesia residente do país é herdeira dos mercadores de escravos e dos donos de terra racistas, conservadores e reacionários. Intermediárias nos mecanismos de transferência das nossas riquezas para a metrópole, nossas elites se especializaram em vender o Brasil nascente, e só aceitaram o fim da escravidão e transição para o capitalismo por imposição estrangeira. Nossa burguesia não é vende pátria, associada ao imperialismo e dependente deste apenas por falta de estudo ou desejo, ela é assim porque necessitou da força e violência do imperialismo britânico e estadunidense na direção deste processo. Sem ele, não teria força para barrar os elementos democráticos da revolução burguesa. Ou seja, nossa burguesia só se tornou burguesia porque o imperialismo necessitava e dirigiu de fora do país com uma intensa repressão uma modificação nas relações de produção brasileiras.
Este parágrafo inicial não é mero capricho ou pedantismo acadêmico, para entender a conjuntura atual, erros e possibilidades em governos do PT, e o real risco da vitória do fascismo é preciso ter muita clareza de quem é a burguesia brasileira, seus interesses potenciais e limitações. Temos no Brasil uma burguesia fraca, frágil e de insuficiente força política própria. Por isso, sempre que falarmos de luta de classes no Brasil, é preciso olhar para nossa classe trabalhadora e a nossa burguesia, mas sem deixar de olhar quais são os movimentos e interesses do imperialismo.
Um país onde a revolução burguesa ocorre de fora pra dentro como o nosso, e com uma burguesia tão frágil quanto a nossa, jamais poderia possuir conteúdo democrático em seu regime. Desde a industrialização nacional do Estado novo, passando por uma inflexão a partir de 1954, e com a consolidação da ditadura civil militar brasileira de 1964, completou-se a revolução burguesa no Brasil, mas dissociada da parte da democracia burguesa, instituindo apenas um regime burguês. Consolidou-se neste processo então, como núcleo mais importante da transição burguesa no Brasil as próprias forças de repressão.
Covarde e ciente de sua própria incapacidade de dirigir politicamente uma transição tão importante, a burguesia brasileira abriu mão da direção do processo e entrou-o ao exército – sob comando direto de Washington. Enquanto o povo clamava por reforma agrária, direitos sociais, reforma urbana, direitos trabalhistas, reforma universitária e tantas outras lutas mais amplas, a burguesia se apoiou num complexo policial e militar extremamente violento e repressor.
Este exército, que possui tradição e experiências de continuidade desde o império, passou a dirigir politicamente o país, e tornou-se o verdadeiro partido político do imperialismo estadunidense em território brasileiro. Com o fim da ditadura, o exército seguiu no poder. Segue dono de si com pouquíssimos instrumentos de controle pela sociedade civil, e através do artigo 142 atua como poder moderador.
Como faziam as milícias e polícias no escravismo colonial, hoje o exército age com táticas de repressão exemplar: toda e qualquer mobilização popular, sobretudo do povo negro nas periferias, é reprimida com um alto nível de violência física e psicológica, para coagir qualquer tentativa de revolta e organização. As diversas chacinas da polícia militar no país até hoje têm essa função: assustar e desorganizar o povo. Mesmo reivindicações imediatas e descoladas de projetos políticos mais amplos são reprimidos exemplarmente para impor o terror e a apatia política.
Intimamente ligados aos setores mais reacionários, mais terroristas e mais chauvinistas do capital financeiro, estão permanentemente pressionando diferentes governos e setores da sociedade em favor do imperialismo e da ditadura terrorista do capital monopolista. Ideologicamente, os militares possuem um núcleo duro fascista, bolsonarista e muito próximo do “pensamento” de Olavo de Carvalho, que conviveu muito tempo com os generais.
Foram estes generais que, junto a representantes e articuladores civis do imperialismo, dirigiram 2013 e organizaram o golpe de 2016. Ao contrário dos grupos petistas e setores do PSOL e PCdoB, não acreditamos que as jornadas de Junho de 2013 foram obra direta e controlada do imperialismo para desestabilizar Dilma. Mas temos certeza que os golpistas tinham projeto de desestabilização do regime brasileiro e desejavam pôr fim aos governos do PT. Neste sentido, a falta de capacidade de direção por parte da esquerda, e o baixíssimo nível de consciência e experiência política dos manifestantes de 2013 tornaram as manifestações caminho útil ao fascismo, que ganhou força de massas desde então.
O impeachment da presidenta Dilma em 2016, popularmente conhecido como golpe de 2016, não foi um golpe que encerrou em si mesmo. Foi sim um golpe contra o que havia de democrático no regime político e contra o projeto democrático popular que os governos do PT fragilmente vinham aplicando. Mas 2016 e o governo Temer marcaram o retorno dos militares ao poder, uma nova inflexão na repressão aos movimentos sociais, a JCA teve camaradas violentados pela Força Nacional e exército em Brasília nas manifestações de 2016 e 2017; o MST foi duramente repelido e lideranças assassinadas, o MTST teve manifestações e ações mais criminalizadas do que nunca, o regime resultante de 2016 promoveu a prisão de lideranças políticas como Lula, Preta Ferreira e tantos outros, e abriu caminho para eleição de Bolsonaro. É preciso afirmar com todas as letras: 2016 foi retomada do núcleo fascista ao poder político formal do Estado, e desde então construiu as condições para garantir a eleição de Bolsonaro sem opositores de igual calibre, aprofundou os elementos antidemocráticos do Estado brasileiro, infiltrou ainda mais o exército brasileiro, a CIA e a Mossad no aparelho estatal e desmontou a proteção social, as empresas públicas ou nacionais, e os órgão ambientais.
Os fascistas não fazem isso apenas por serem maus e desonestos, fazem isso buscando conter a redução da sua margem de lucro através da espoliação: ao invés de investir em infraestrutura e em expandir a fronteira tecnológica, eles investem bilhões para roubar riquezas nacionais e naturais dos países dependentes, que são fontes de lucro fácil com um investimento mínimo. As novas fronteiras de desenvolvimento não se expandem territorialmente mais, desbravando “novos” territórios, mas transformando em mercadoria o que conseguimos preservar e proteger com muita luta. Assim eles queimam a Amazônia e o Cerrado; ameaçam o Aquífero Guarani e roubam o pré-sal. Assim eles financiam o assassinato de lideranças indígenas, ribeirinhas e quilombolas; atacam para sucatear o ICMBio, Ibama, CONDEPHAAT e demais entidades de preservação da natureza. Nas cidades, trabalham para privatizar serviços básicos e expulsar os despossuídos, pobres urbanos, desempregados e autônomos de suas casas para especular com o preço da terra.
Muitos de nós, geógrafos, trabalharemos nesses lugares e vamos nos deparar com o nível de violência a que esses trabalhadores estão submetidos. Veremos de perto, como geógrafos, as tentativas de extinção do Ibama e ICMBio, os arrochos salariais, insegurança e perseguição jurídica que culminaram na justa greve do setor ambiental neste ano. Vamos nos deparar com as contradições da questão fundiária nas cidades, da violência policial e dos massacres em favelas. Podemos e devemos nos aproximar desses setores, com mesas de debate, oficinas, atividades coletivas, etc. Nossa geografia não pode se limitar a descrever os problemas nacionais e a pobreza, a fazer grandes inventários das nossas limitações. Nós devemos buscar cada vez mais nos vincular a esses setores sindicais e populares.
Este projeto de espoliação das nossas riquezas e desmonte do nosso Estado (ou, do ponto de vista das burguesias, modernização) segue sendo o único plano do imperialismo para o Brasil. A eleição de Lula é apenas uma pedra no sapato. Se puderem continuar o projeto por dentro do governo, o farão. Mas o compromisso histórico do PT com algumas recuadas pautas sociais é um entrave. O exército e o Estado estadunidense sabe que mesmo o governo petista mais reacionário e entreguista não estará a altura das necessidades mesquinhas do capital em crise. Para implementar de fato este projeto, é necessário continuar o fechamento de regime. É necessário sabotar o governo Lula – se necessário derrubá-lo – e garantir que nas próximas eleições os militares voltem ao governo.
Dentro de um regime minimamente democrático, não existe espaço suficiente para a burguesia impor seu programa com certeza de que não haverá luta popular contrária: a destruição da Amazônia e do Cerrado, a privatização de todo o transporte, da Petrobrás, de toda a educação, etc. Para eles, mesmo o tímido aumento das greves desse ano, relatado pelo Dieese, já é algo inaceitável. Eles rechaçam os pouquíssimos elementos democráticos que existem no Brasil hoje: o SUS, a Universidade Pública, o serviço social e a proteção do meio ambiente e das comunidades tradicionais. Esses grupos ganham cada vez mais espaço na política brasileira, em parte por erros do campo popular, mas também porque o fascismo é a única alternativa que tem o imperialismo para hoje.
Nomes como mamãe falei, Nikolas Ferreira, Kim Kataguiri, Delegados e coaches apareceram para constranger as universidades públicas e movimentos sociais, e convencer grandes parcelas do povo de que havia no Brasil uma “ameaça comunista”, que corrompia nossos costumes e afundava o país em corrupção. Surgiram para incentivar a violência exemplar e defender os interesses dos grandes monopólios, latifúndios e do imperialismo.
Esse é o fundamento da questão. A disputa que o fascismo faz no país não é só programática ou eleitoral, mas ideológica, econômica e social. Com essas figuras, o fascismo constrói aos poucos um movimento de massas organizado, nas ruas, associações, igrejas e até sindicatos.
O governo Lula 3 deve ser visto neste contexto. Em 2022, a eleição de Lula foi uma vitória importante para o movimento popular, porque tirou das mãos do fascismo o aparelho do Estado, que caminhava para um fechamento do regime. Com todos os problemas do PT, Lula era o único nome no país capaz de organizar massas em torno de si e derrotar Bolsonaro.
Lula não comandará grandes lutas populares e lutará pela soberania do país. O PT não tem projeto estratégico para o país, e cumpre hoje apenas uma tímida política de gestão de crise do capitalismo. Fruto da sua equivocada tática de frente ampla para a conformação do governo, em muitos setores, como na educação, ele age com os setores mais conservadores, como os grupos Estácio e Kroton-Anhanguera. No entanto, a queda e derrota do governo petista hoje representará uma vitória do fascismo – Não existem em absoluto condições para a necessária superação à esquerda do governo e do PT. Faltam aos comunistas quadros capazes de organizar massas e fazer avaliações corretas da conjuntura. Faltam aos socialistas penetração no tecido social do nosso país. Faltam aos sindicalistas revolucionários capacidade de dirigir o proletariado brasileiro na luta contra o capital. Vivemos ainda o velho mundo, e não vemos o nascer do sol do novo mundo. No entanto, é necessário que toda nossa atuação caminhe para este horizonte.
Defendemos o governo à medida em que ele nos dá melhores condições para lutar. O PT é incapaz de levar a cabo a luta ideológica e de massas (ele depende da figura de Lula para isso, e cada vez mais os espaços que dirige se tornam dependentes dessa figura para mobilização), mas ainda hoje é um ponto de apoio para ampliar a luta popular e sindical, e impor derrotas ao fascismo. A nós, cabe fazer a luta em toda sua esfera. Ampliar a penetração da esquerda aonde o PT não chega mais, fazer a luta ideológica, dar soluções práticas (não só fraseologia!) aos problemas do povo, como geógrafos, estudantes, trabalhadores, militantes.
Criticamos o governo à medida em que ele atravanca a luta popular. Reivindicamos, por exemplo, a luta dos trabalhadores do ensino superior federal, para atropelar os sindicatos governistas do Proifes na greve deste ano! Reivindicamos a greve de trabalhadores do IBAMA… Onde houverem trabalhadores organizados por melhores condições de vida e trabalho também estaremos!
Para superar de fato Lula e o PT não basta simplesmente falarmos em socialismo, ou culparmos Lula por não ser um revolucionário. O esquerdismo, doença infantil do comunismo, ladra muito mais do que pode fazer. Faz exigências que servem apenas para animar a própria militância, mas sem nenhuma força social para de fato exigir. O capital sabe que cão que ladra não morde. Bandeiras cada vez mais radicais frente a uma regressão da conjuntura demonstram mais o desespero e descolamento do esquerdismo das lutas da classe trabalhadora do que sua força socialista.
Se os setores consequentes fizerem isso seguirão a reboque do PT, mas perderão qualquer capacidade de inserção na nossa classe. Precisamos usar da pouca democracia que temos para ampliar nossa organização e retomar a capacidade do povo de se organizar e lutar pelo que é seu! A superação de Lula e do PT só será possível com a derrota momentânea do fascismo. Se na sombra do fascismo os governos petistas capitular ou forem derrotados, todos seremos!
O fascismo é o grande inimigo do povo no Brasil hoje. É ele que organiza os ataques aos trabalhadores de todos os setores, sejam eles do meio ambiente, professores do ensino básico e universitários, estudantes ou moradores da periferia; e é só com sua derrota que podemos avançar na direção de uma democracia de verdade, que abra espaço para o socialismo!
Resoluções
- A tarefa prioritária da nossa geração é a luta contra o fascismo. O fascismo não é um fenômeno histórico limitado à Itália ou Alemanha, mas sim a política econômica e a ideologia que visam estabelecer uma ditadura terrorista e aberta do capital financeiro no país, para explorar e destruir nossas riquezas e aniquilar os movimentos populares. Essa é uma necessidade da manutenção dos superlucros aos monopólios e imperialismo, aprofundando a dependência do nosso país e a subjugação do nosso povo.
- O fascismo está organizado internacionalmente, muito capilarizado nos diferentes setores da sociedade brasileira e tem como núcleo duro as Forças Armadas do Brasil, herdeiras diretas do golpe de 1964, de forma que é real o risco do fechamento do regime e do estabelecimento de uma ditadura policial aberta. As políticas de memória, verdade, justiça e reparação são fundamentais para punir os militares, torturadores e golpistas, extirpar a tutela militar e o artigo 142 da Constituição. Só podemos exigir justiça aos afetados e famílias punindo os responsáveis e desenvolvendo uma política de memória e reparação substantiva!
- O Brasil nunca foi verdadeiramente democrático. Nossa democracia se desenvolveu excluindo o povo das lutas nacionais. As polícias historicamente cumpriram a função de reprimir qualquer semente de luta popular com extrema violência, como “punições exemplares” aos rebeldes, promovendo chacinas e outras formas de violência contra o povo negro nas periferias.
- A atual crise ambiental, que vemos queimar nosso país, é resultado da crise estrutural do capital. Incapaz de recuperar suas taxas de lucro, a burguesia imperialista pilha riquezas naturais dos países dependentes, matando comunidades tradicionais, ribeirinhas e atacando sindicatos e organizações populares. Como geógrafos, podemos (e devemos) nos somar nessas lutas, em especial dialogando com sindicatos do meio ambiente que nos dizem respeito: o IBAMA, ICMBio, etc.
- O genocídio palestino é o mais vil massacre que os povos do mundo sofrem hoje. Toda forma de resistência palestina contra o Estado terrorista e colonial de Israel é legítima. A destruição e erradicação do sionismo é fundamental para a paz entre os povos no Oriente Médio. Do Brasil, exigimos o rompimento das relações com Israel para isolar o sionismo mundialmente: a luta da Palestina é a luta de todos os povos oprimidos do mundo!
- Não nutrimos ilusões com as instituições do Estado burguês e não supomos que ele seja capaz de combater o fascismo. Sabemos que este só pode ser derrotado com a luta do povo organizado. Mesmo assim, é fundamental que todos os golpistas, seus financiadores, elaboradores do 8 de janeiro, civis e militares, sejam punidos. Sem anistia!.
- O governo Lula está na mira dos grupos fascistas e imperialistas, dentro e fora do governo, que buscam atacá-lo, desmoralizá-lo e, no limite, derrubá-lo. Não podemos confundir os erros estratégicos do PT e suas ilusões em “controlar” a burguesia nacional com o programa golpista do imperialismo para o Brasil.
- Defendemos o governo Lula à medida em que ele nos serve de apoio para desorganizar grupos fascistas, isolando sua política, criando fraturas dentro dele, etc. Não temos compromisso nenhum com as limitações deste governo, nem com sua associação a grandes monopólios e oligarquias do país.