ÔNIBUS PRÓPRIOS PARA TRABALHOS DE CAMPO: mais autonomia para nós e menos poder de decisão da burguesia sobre os nossos cursos

ÔNIBUS PRÓPRIOS PARA TRABALHOS DE CAMPO: mais autonomia para nós e menos poder de decisão da burguesia sobre os nossos cursos

“a geografia também se faz com os pés”.

Esta frase do alemão-brasileiro Heidemann é tradicionalmente celebrada pelos estudantes em encontros, pelos professores em aulas e por muitos dos nossos colegas geógrafos. Mas celebrá-la é diferente de levar a sério. E nós, geógrafos e geógrafas em formação precisamos levar a sério o que ela quer dizer.

Não há possibilidade de estudar-se a fundo um território sem conhecê-lo, porque, entre outros motivos, estudar a realidade a partir de livros e fotos é necessariamente estudá-la através das lentes escolhidas por alguém. Toda coleta de dados, toda análise feita, toda imagem ou mapa construído carregam o trabalho humano, e portanto, escolhas políticas por trás. O geógrafo Kauê Lopes dos Santos, em seu livro Africano – uma introdução ao continente, reflete que a maior parte dos geógrafos que estudam África nunca pisaram no continente, e por isso, acabam produzindo uma geografia colonizada e colonizadora – a maior parte das obras e dados coletados sobre a África que chegam ao Brasil são europeias e estadunidenses. Portanto, para produzir uma geografia africana e anticolonial é necessário colocar os pés no território.

O mesmo é verdade para América do Sul e Brasil. Como é possível a universidade produzir geógrafos vinculados às necessidades do povo brasileiro, e engajados na transformação do nosso país, se não conhecermos nossos problemas e características? Como apaixonar o estudante pela ciência geográfica se conhecermos apenas os livros? Talvez esse seja um dos motivos para nossa ciência estar se tornando cada vez mais sociológica, e cada vez menos espacial. Será que é por isso que não temos força para exigir mais empregos em vagas técnicas para geógrafos? Será por isso que estamos sendo substituídos por arquitetos, topógrafos, engenheiros e tantas outras profissões que colocam a mão na massa?

Os mesmos empresários e burocratas que atacam os trabalhos de campo são aqueles que querem mudar as Diretrizes Curriculares Nacionais e forçar a criação de cursos tecnólogos de geografia em todo o Brasil (quem faz a mediação dessa reforma com a AGB é ninguém menos que Elizabeth Guedes, representante do grupo Kroton e irmã do Paulo Guedes!). Como se assim fossem formar geógrafos “inovadores”, mais capazes de “agir na sociedade”. Na prática, querem afastar a geografia do pé no chão, querem sequestrar a formação profissional e técnica dos geógrafos e geógrafas para os bancos e para a agroindústria. Para formar um geógrafo ligado ao povo brasileiro, vale muito mais um trabalho de campo garantido do que dez, cem desses tecnólogos em geografia!

A Juventude Comunista Avançando honra e reivindica o legado de Luiz Carlos Prestes, liderança da maior revolta da história do nosso país, e único movimento invicto contra o Estado brasileiro. Prestes, quando liderou a Coluna, ainda não era comunista. Foi só colocando os pés no chão e marchando por todo Brasil que conheceu de verdade as mazelas brasileiras, e então entendeu que reformas burguesas não seriam suficientes. Era necessária uma revolução socialista. Só conhecendo de fato nosso país e continente que poderemos achar as saídas necessárias para o Brasil.

É por isso que os trabalhos de campo são parte fundamental e indissociável da formação de geógrafos, tanto para quadros técnicos quanto teóricos, para professores e para pesquisadores. É por isso que uma faculdade de geografia precisa ter seus campos garantidos, e sempre que possível, ampliados. Ou vamos continuar estudando o Brasil através de livros e filmes estrangeiros?

Já houve na USP campos para fora do Brasil. As universidades federais já tiveram como hábito financiar campos e viagens acadêmicas para toda América Latina. Para isso, é necessário alto investimento na nossa formação – investimento que dá resultados e retorno para o nosso país. No entanto, desde o crescimento e fortalecimento das políticas de retiradas dos investimentos em saúde e educação em benefício do maior financiamento da repressão policial e financiamento dos bancos (muitas vezes chamada erroneamente de cortes de gastos, ou liberalismo) nossos campos têm sido cortados e a universidade precarizada.

Mais do que cortar os campos. As universidades Brasil afora optaram por extinguir a profissão de motoristas concursados, venderam os ônibus públicos e passaram a terceirizar o serviço. Contratam ônibus velhos e inseguros (quantas vezes quebraram nossos ônibus em campos! Quantas vezes fomos colocados em risco para enriquecer poucas empresas de ônibus!), e motoristas com condições de trabalho piores e remuneração inferior.

Supostamente isso barateia nossos trabalhos de campo. Esse é o discurso oficial. Assim paga-se apenas aqueles campos que faremos, ou seja, não paga manutenção nem salário em períodos ociosos. O que não contam para nós é que isso também significa que só faremos campos previstos e planejados com um ano de antecedência. E previamente aprovados por quem disponibiliza o dinheiro. Mais do que isso. Abre margem contínua e permanente para a censura dos campos. Só são aprovados campos compreendidos como essenciais e financeiramente adequados.

Os campos se tornam mais escassos, e as distâncias reduzidas. Se antes fazíamos geografia com nossos pés, ficamos tão perto da faculdade, e precisamos implorar tanto por verbas, que passamos a fazer geografia de joelhos. Via de regra são aprovados campos de disciplinas obrigatórias e poucas optativas. Para fora do Estado? Talvez; Internacionais? Jamais; Ônibus para encontros de estudantes, ou para congressos estudantis? Nem pensar.

Depender de empresas terceirizadas e verbas liberadas a conta gotas, semestre a semestre, e às vezes, trimestre a trimestre, retira a autonomia do nosso departamento de decidir que campos são importantes e quais contribuem mais com a nossa formação enquanto geógrafos. Quem passa a decidir isso são burocratas da reitoria, normalmente associados a grupos reacionários e uma visão empresarial da educação.

Verba apenas para o essencial. E sabemos que geografia, história, artes e companhia não são vistas como essenciais ao capital – vide o novo ensino médio. A política da burguesia para nossa universidade despeja rios de dinheiros para cursos e pesquisas que se tornem tecnologia e lucro para as empresas privadas, mas asfixia nossos currículos e seleciona que campos podemos fazer.

Nós não podemos aceitar isso! Precisamos conquistar novos ônibus, novos motoristas e completa autonomia para decisão e escolha dos nossos campos, congressos e encontros! Por isso o CEGE – gestão Canto Geral vem promovendo trabalhos de campo autônomos, e estará na plenária departamental hoje pautando a compra de novos ônibus.

Na verdade, já fazemos isso faz tempo! A gestão vem participando de encontros e articulações com os centros acadêmicos de biologia, todos os cursos do IGc e todos aqueles e aquelas afetados pela austeridade política que a reitoria vem aplicando frente às demandas financeiras por trabalhos de campo. A plenária de hoje, e a eleição do atual diretor da FFLCH, é fruto de muita luta e pela histórica pauta que esta gestão e algumas das anteriores vem construindo. A luta vem de longe, e tem novas chances de vitórias!

Vamos para cima, defender a autonomia do nosso curso, e menos poder para a burguesia dentro da nossa universidade. É preciso ônibus e motoristas próprios da FFLCH e novas parcerias com os demais cursos que promovem trabalhos de campo!

Viva a luta dos estudantes e da Gestão Canto Geral. Todos atentos à plenária departamental de hoje.

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