A PÓLVORA NO PAIOL

Abaixo o racismo e o capitalismo! Avançar pelo socialismo!

São as grandes maiorias sociais e a massa dos povos do mundo que fazem as revoluções. Cada povo, em cada parte do mundo e em momento de sua história, descobre ou descobrirá o seu caminho para a libertação.

A história de nosso país, nossa formação social, é marcada pela escravidão indígena e negra. A formação das próprias camadas e depois classes sociais se dá na dominação dos povos e na desumanização de populações inteiras. A história da classe trabalhadora brasileira parte disso: do domínio do fazendeiro branco europeu sobre uma enormidade de etnias, povos, tradições e culturas, que até hoje são legadas à marginalidade na composição de nossa identidade. 

Ainda nos anos 1970, o Movimento Negro Unificado e dezenas de intelectuais do movimento afirmavam que uma Segunda Abolição era necessária. Quarenta e cinco anos depois, neste novembro negro, a pauta segue na ordem do dia para todo o conjunto do nosso povo, não apenas para a maioria negra do país.

O racismo no Brasil afeta todo o conjunto da população, organiza sua consciência e é uma ferramenta fundamental para a manutenção da autocracia burguesa. Para as classes dominantes, é fundamental dividir as classes trabalhadoras, roubá-las de suas identidades e história, mantê-las sob fogo constante das polícias, afastadas de qualquer poder e capacidade decisiva de organização. É importante que haja, na perspectiva dos que agenciam e compram a força de trabalho, estoques infindáveis de vidas a serem rifadas, trabalhadores a serem marginalizados e postos em uma eterna reserva de almas para baixar os salários e a dignidade de todos. 

Como diria Florestan Fernandes, “[A situação do negro] liga entre si a luta de classes e a luta de raças – uma não esgota a outra e, tampouco, uma não se esgota na outra. Ao classificar-se socialmente, o negro adquire uma situação de classe proletária. No entanto, continua a ser negro e a sofrer discriminações e violências. (…) Hoje a situação histórica é distinta, e nos impele a pensar sobre o assunto sem as viseiras do socialismo reformista e da assistência social humanitária. 

De um lado, é imperativo que a classe defina a sua órbita, tendo em vista a composição multirracial das populações em que são recrutados os trabalhadores. Todos os trabalhadores possuem as mesmas exigências diante do capital. Todavia, há um acréscimo: existem trabalhadores que possuem exigências diferenciais, e é imperativo que contem com espaço dentro das reivindicações de classe e das lutas de classe. Indo além, em uma sociedade multirracial, na qual a morfologia da sociedade de classes ainda não fundiu todas as diferenças existentes entre os trabalhadores, a raça também é um fator revolucionário específico. Por isso, existem duas polaridades, que não se contrapõem mas se interpenetram como elementos explosivos – a classe e a raça.

Se a classe tem de ser forçosamente o componente hegemônico, nem por isso a raça atua como um dinamismo secundário.” (O significado do protesto negro – Editora Cortez, 1989, p. 61-63)

A luta racial no Brasil cumpre, portanto, um caráter duplamente revolucionário: a luta operária deve englobar a luta pela igualdade e justiça racial. Como diria Marx, o trabalho branco jamais poderá ser verdadeiramente livre enquanto o trabalho negro for marcado pelo ferro! (O Capital, Livro I). Por outro lado, a luta negra pode e deve elevar a luta operária à condição de luta universal contra a desigualdade, a opressão e a injustiça. 

No Brasil, país que viveu a transformação capitalista de forma autocrática, a condição da pessoa negra é a régua de todas as liberdades democráticas que não possuímos, a prova concreta que não vivemos um regime democrático, mas sim uma ditadura das elites contra e sobre o conjunto do povo. A invasão das vilas, favelas e comunidades; a vingança e o “justiçamento” das forças policiais contra populações inteiras das periferias; o sequestro de comunidades pela força do crime; a violência contínua contra a cultura, as religiões de origem africana… Enquanto todas as expressões materiais e imateriais da liberdade não forem a regra, temos certeza de que muitas tarefas democráticas ainda não foram levadas a cabo no Brasil. 

Apenas compreendendo toda a multiplicidade de problemas culturais, sociais e econômicos concretamente postos para o conjunto do povo é que a luta socialista e a luta operária podem construir um arco de alianças verdadeiramente revolucionário e capaz de erguer um novo poder, expropriando o imperialismo, a burguesia e o latifúndio, abrindo caminho para o socialismo. Apenas lutando pela constituição de um novo bloco de forças que consiga tomar o poder e se impor contra as bases do capitalismo no país podemos levar a cabo uma luta consequente contra a desigualdade racial e a dominação racial. Nas palavras de Florestan, a condição da pessoa negra no Brasil pode ser um elemento explosivo e radical na derrubada do poder burguês – ao passo que foi integrada à sociedade e excluída da cidadania, a pessoa negra pode ser a pólvora no paiol da enormidade de contradições e desigualdades onde nosso povo se encontra!

Não há saída sob o capitalismo, sob a dependência! Para dar cabo a transformações duradouras, garantir a vida, a paz e a dignidade para o povo negro, precisamos reconstruir um poder verdadeiramente revolucionário. Apenas na tomada do poder rumo ao socialismo, atacando as bases da desigualdade econômica e da dependência nacional, é que podemos construir um futuro de igualdade e de verdadeira celebração da diversidade nacional.

Abaixo o genocídio e a violência policial! Pelo fim da Polícia Militar! Vida digna já!

Em defesa das manifestações culturais, das religiões, da música e das comunidades negras!

Em defesa da vida, da história e da cultura negra, avançar pelo socialismo!