DERROTAR O GOLPE E SEU PROGRAMA DE REGRESSÃO SOCIAL

DERROTAR O GOLPE E SEU PROGRAMA DE REGRESSÃO SOCIAL

A eleição municipal de 2 de outubro colocou diante dos olhos de todo mundo a profundidade do golpe que está se estabelecendo em nosso país. Com exceção de algumas raras cidades, onde o campo popular disputa o segundo turno, a direita tradicional, dos partidos golpistas, venceu as eleições. Exemplo de exceção à esquerda é a presença de Marcelo Freixo, do PSOL, na disputa de segundo turno na cidade do Rio de Janeiro. Comprovação da força da direita golpista foi a vitória em primeiro turno do candidato do PSDB em São Paulo, a maior cidade do país, e uma das maiores do mundo.

Não por coincidência, tão logo passou o primeiro turno das eleições e o governo golpista de Michel Temer impôs um ritmo ainda mais acelerado no processo de votações das políticas de regressão das garantias sociais, dos direitos do trabalho e do patrimônio público. O afastamento da Petrobrás da exploração do pré sal como condição para sua entrega aos monopólios do imperialismo, a votação do PLP 257 (PLS 54 no senado) de rolagem da bola de neve da dívida dos estados, a aprovação da PEC 241 na Câmara Federal, a troca de chefes e diretores em instituições de controle, etc, mostram que o golpe não quer correr nenhum risco.

O Golpismo tem Raízes Profundas

Nunca, nos últimos trinta anos, os direitos da classe trabalhadora e do povo oprimido estiveram sob ameaça e ataque tão severo no Brasil. Está em curso uma ofensiva continental da direita radical, irradiada a partir do bloco internacional hegemonizado pelo imperialismo estadunidense e integrado pelas classes dominantes dos países capitalistas dependentes da América Latina e Caribe (principalmente os monopólios mais associados ao capital financeiro internacional). O principal projeto geopolítico continental do imperialismo estadunidense é a formação da ALCA, que se estenderia da Patagônia ao Alasca: uma verdadeira anexação econômica dos países do continente pelos EUA. Causou tremendo impacto entre os falcões do Pentágono o arquivamento da ALCA na Cúpula das Américas de Mar Del Plata (novembro 2005). Desde então o bloco imperialista monopolista organiza uma poderosa conspiração neoconservadora, visando: impor uma regressão social e política generalizada, em escala continental; e a retomada plena do controle do “território econômico” por parte do imperialismo hegemônico estadunidense. O Golpe militar em Honduras de 2009, que derruba Manuel Zelaya – um governo de reformismo débil, mas alinhado com governos populares – inaugura uma nova escalada golpista, impulsionada pelo imperialismo para derrubar governos mais ou menos progressistas (ou, simplesmente “desobedientes” e “indesejáveis”) no Continente. Segue-se em 2012 o golpe “parlamentar-midiático-juristocrático”, mediante um absurdo processo de impeachment, contra o presidente do Paraguai, Fernando Lugo.

O movimento golpista da direita radical é um fenômeno internacional e atinge os “elos débeis” do campo político que, nas últimas décadas, viabilizou certa independência latino-americana diante do imperialismo: explora os limites de governos que não avançaram para desmontar as estruturas de domínio do bloco imperialista-monopolista, conciliaram com o grande capital e ficaram fragilizados na sua base de apoio popular. O movimento golpista no Brasil (há muito organizado e ativo) alcançou importantes vitórias nos últimos anos: conquistou o predomínio em importantes órgãos do Estado (judiciário, ministério público, polícia federal); aglutinou oligarquias políticas de direita em torno de um programa reacionário e pró-imperialista extremista; mobilizou uma significativa base de massa, principalmente entre os setores mais abastados das camadas médias urbanas. Após a eleição de 2014, diante da ofensiva conservadora, o governo federal petista optou pelo recuo e não pela resistência: aplicou o “ajuste fiscal” que é parte importante do programa da oposição de direita representativa do capital financeiro mais internacionalizado; e não tomou nenhuma iniciativa enérgica para mobilizar o povo, sequer em defesa do mandato (ou só o fez de modo tímido e tardio). A crise política foi provocada pela ofensiva da direita radical, e não pela ascensão do movimento popular; que vem travando lutas, mas se apresenta ainda dividido, pouco organizado e sem uma direção política reconhecida.

Mas nem tudo são Derrotas

Mas, apesar desse avanço da direita em termos mundiais, na América do Sul, e inclusive no Brasil, o que implica o proporcional recuo das forças populares e democráticas, nem tudo são derrotas. É necessário registrar a luta bravia da revolução bolivariana na Venezuela, os avanços anti-imperialistas no Equador (o que incluiu até mesmo uma auditoria com a anulação de 70% da dívida daquele país) e a criação do “Estado plurinacional” na Bolívia. Além disso, exaltar o heroísmo exemplar da revolução cubana, a rigor a prova material de que não é necessário a nenhum povo do mundo se deixar subordinar ao imperialismo.

Na América Central tem se tornado referência pela força da organização popular o processo de orientação socialista em El Salvador, dirigido pela Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional(FMLN), e a retomada do poder político do Estado pela Frente Sandinista de Libertação Nacional, na Nicarágua.

A extrema direita mostrou a sua força mais uma vez no referendum popular na Colômbia onde, por estreita margem, a maioria da população rejeitou o processo de paz discutido entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), em virtude de uma campanha suja feita pela indústria da guerra, fusão de interesses escusos entre as oligarquias atrasadas dirigidas pelos ex presidente Álvaro Uribe e o imperialismo estadunidense. Mesmo assim, o enraizamento social das forças populares colombianas mantém a situação de diálogo com vistas ao processo de paz com justiça social, consignas que desde aqui seguimos apoiando.

Até mesmo no Brasil, onde temos passado por seguidas derrotas no Congresso Nacional, e também nas urnas de 2 de outubro, é possível afirmar que nem tudo está perdido. As forças populares, apesar de momentaneamente confusas e desarticuladas, seguem lutando contra o golpe e suas políticas de regressão social. O jogo ainda está sendo jogado no Brasil, e a cada semana é mais forte o grito de insatisfação popular, e a cada semana outras táticas de lutas são inauguradas.

O Golpismo quer se Legitimar

A classe trabalhadora e o povo pobre, por seu lado, mesmo em ritmo ainda insuficiente, está começando a perceber que os seus direitos estão em jogo. Os golpistas sabem que é inevitável que o povo se levante contra esse conjunto de ataques aos direitos, garantias e ao patrimônio público, e segue agindo no sentido de inibir ou retardar o crescimento da insatisfação. Seguem criando notícias espetaculosas, mantendo no imaginário popular que o problema são os “gastos irresponsáveis” e a corrupção dos governos do PT, criando um hiato de paralisia e confusão social e ganhando tempo para consolidar a política reacionária do programa golpista. Escolheram Eduardo Cunha como “boi de piranha” das forças golpistas, para tentar dar uma aura de imparcialidade e de isenção ao linchamento político das forças populares e de algumas de suas lideranças (registre-se que certos dirigentes dos governos encabeçados pelo PT facilitaram esse trabalho), mas é preciso ser obtuso ideologicamente para não perceber a parcialidade e a seletividade da ação de setores da Polícia Federal, no Ministério Público Federal e do Poder Judiciário. Estes setores não estão preocupados que parte da população perceba seu engajamento militante em favor da aristocracia tradicional, desde que os meios de comunicação de massa consigam continuar anestesiando a maioria do povo com seu sensacionalismo covarde e criminoso, permitindo ao governo golpista e ao imperialismo e seus diversos monopólios a execução da política de terra arrasada dos direitos e garantias previstos na Constituição de 1988.

Aliás, o que está em cheque é mesmo o desmonte do tímido esboço de estado de bem estar social que a Constituinte de 1987-88 chegou a insinuar. Se aqueles princípios já vinham sendo atacados desde 1990 (Fernando Collor), passando pelos reinados de FHC (1995-2002) e mesmo sofrendo reveses nos governos encabeçados pelo PT (2003-maio de 2016), agora a ordem imperialista e pró-imperialista é mais expressa: subordinar aos objetivos diretos e imediatos do capital monopolista todos os espaços de exploração de riquezas naturais, extinguir todas as garantias sociais reivindicadas num estado de bem estar social, aniquilar ao máximo possível os direitos trabalhistas. Para os parâmetros brasileiros, voltar cem anos na história, para o padrão de exploração e espoliação só existentes na República Velha (1889-1930). E não se trata de qualquer exagero, pois a destruição da Constituição de 1988 e dos direitos básicos constantes na CLT devolve, na prática, a classe trabalhadora e a maioria do povo à realidade jurídica que existia no período pré Vargas. Do ponto de vista social, isso será agravado pelo fato de que, na época, uma população muito menos numerosa se espalhava no campo; e agora, somando 200 milhões, se concentra nas cidades.

O Golpe é Contra os Trabalhadores

Não se trata de imaginar que estamos sendo maniqueístas, ou que consideramos a questão somente do ponto de vista moral. Embora o governo e todos os estamentos golpistas, bem como seus aliados declarados – seja no Congresso, nas instituições ou na sociedade – não mereçam, nem de longe, a qualificação de homens probos, se tratarmos o assunto apenas do ponto de vista moral, jamais entenderemos as razões mais profundas que movem o golpe e seus defensores. Precisamos entender a crise econômica da sociedade capitalista nestes tempos de imperialismo em fase avançada, com o agravante da inexistência de um bloco opositor que faça um contraponto organizativo na classe trabalhadora e que possa representar, neste momento, qualquer ameaça material às forças imperialistas. O fim da URSS e do socialismo no Leste europeu representou também uma ausência de freios à exploração capitalista, permitindo o “livre” desenvolvimento da regressão de direitos em todo o mundo. A queda tendencial da taxa de lucros (pelo aumento da composição orgânica do capital), a maior competição entre empresas do mesmo ramo, a equiparação do padrão tecnológico ou o alto custo para realizar essa equiparação, é enfrentada pelo grande capital com mais valia absoluta, ou seja, com a intensificação da exploração sobre a classe trabalhadora.

Em outras palavras: se a competição entre as empresas é cada vez maior, se o padrão tecnológico se equipara ou então se torna inalcançável em muitos países, se a classe trabalhadora está, em todo o mundo, desorganizada e sem um forte instrumento de amparo, o capitalismo em crise vai buscar saídas empurrando para trás a linha dos direitos trabalhistas e das garantias sociais. Diminuir os direitos do trabalho significa fazer o trabalhador produzir mais, intensificando o ritmo, mas também ampliando a jornada, cortando (pelo menos parcialmente) o direito de férias, licenças, etc, aumentando o tempo de trabalho para se aposentar. Diminuir as garantias sociais significa reduzir a carga de impostos sobre a produção e sobre os lucros, o que já tem sido feito largamente através de isenções cada vez mais acintosas em favor do grande capital, isenções feitas por todos os governos desde a promulgação da última constituição. É também para aliviar a contrapartida dos patrões ao financiamento da previdência que os sucessivos governos têm reduzido os direitos previdenciários, aumentando o tempo de serviço, reduzindo o poder aquisitivo dos aposentados, empurrando para os planos privados a parcela da população que possa pagar um extra para fugir da miserabilidade na velhice. Aqui, o capitalismo ganha nos dois lados: diminui o compromisso com o financiamento da previdência, por um lado, e recolhe um extra da quarta parte da população que ainda pode pagar mais, por outro.

O Golpismo é Insaciável

Para o imperialismo, neste contexto, tudo que brilha é ouro. Vale para o petróleo e para todos os minérios, vale para as águas, vale para os campos de pastagens e para as florestas, que depois de consumidas se tornam também pastagens. Além disso, vale para os próprios serviços públicos. O imperialismo já não quer só o nosso trabalho e as nossas riquezas naturais; quer também ser o gestor (patrão) dos recursos que o poder público ainda destina para saúde, educação, assistência social. Até a assistência técnica e, pasmemos, o próprio poder de fiscalização da atividade econômica viraram campos para a exploração capitalista. A tão propalada eficiência da iniciativa privada é uma falácia se levarmos em consideração a quantidade e a qualidade dos serviços prestados à população. Nestes casos, quando há eficiência é no sentido de drenar para contas privadas os recursos que eram públicos.

Só existe uma forma minimamente coerente para o enfrentamento da situação a que o capitalismo está jogando a humanidade: organizar a resistência de forma global, o que pressupõe ter um projeto alternativo de poder e de organização da sociedade. Trata-se de reorganizar a luta popular para as necessidades dos tempos atuais.

A Aparência do Golpe Pode não Coincidir com sua Essência

Temos visto crescer a desorganização justamente conforme vai aumentando a necessidade de maior organização, o que expressa que persiste uma gigantesca incapacidade de avaliação sobre a gravidade do quadro atual. Há menos de um ano, muitas forças de esquerda e mesmo intelectuais marxistas respeitáveis ainda afirmavam peremptoriamente que não haveria golpe, que Dilma Rousseff não seria afastada do cargo. Afirmava-se isso com base no fato de que os governos do PT eram parceiros do grande capital, inclusive dos banqueiros, afirmação que, evidentemente, tinha lastro na realidade. Mas não se avaliou o quanto a política de relação comercial horizontal no bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS) afetava os interesses do imperialismo dos Estados Unidos aqui no Sul do mundo. Em outras palavras, o Brasil, de maior gleba do quintal norte-americano, tornava-se parceiro privilegiado dos inimigos econômicos e militares do imperialismo estadunidense. Para completar o “desaforo”, o Brasil, sob os governos do PT, se arrogou a comprar aviões de combate da Suécia e submarino da França. Os governos do PT mantiveram em baixa intensidade o combate ao “inimigo interno”, e até tentaram “empoderar” quilombolas, mulheres, índios, criar cotas nas universidades, dar médicos (cubanos, para suma blasfêmia) aos pobres das periferias. Se a política de priorização de relações econômicas com os adversários dos Estados Unidos em detrimento dos interesses do próprio “grande irmão” do norte se tornou uma ofensa ao imperialismo, ela ofendeu também a casta aristocrática e mesmo parte da classe média brasileira, historicamente opulenta e esbanjadora, com pose de senhor de escravo em relação à maioria do povo. E isso já seria motivo suficiente para um golpe. Se a forma pela qual realizaram a primeira parte do golpe foi pelo impeachment de Dilma Rousseff, mesmo sem crime de responsabilidade, não tenhamos dúvidas que produziriam os mesmos efeitos por outros meios se os outros meios fossem necessários. Faltou esta análise para muitas das organizações de esquerda e talvez para a maioria dos intelectuais marxistas.

Agora o golpe já tomou pé da situação, e trata-se, para eles, apenas de aprofundar o domínio nas instituições públicas para efetivar a política reacionária que interessa ao capitalismo monopolista deste tempo histórico. Eles estão e vão continuar realizando estes ataques à classe trabalhadora e ao povo pobre, e vão se preparar em todos os campos para tentar segurar o descontentamento popular, que por certo virá. O golpe é golpe por que foi feito de forma ilegal, casuística, seletiva, mas principalmente porque pretende mudar o regime político e social vigente no Brasil. Para os que acham que não foi golpe porque não teve tanques nas ruas, não percam por esperar: os fuzis e os tanques poderão aparecer quando o povo sair da confusão e da paralisia atual. Se não os tanques, que não se tenha nenhuma dúvida, e que se tome todos os cuidados necessários, pois a violência de classe tem se assanhado e já começou a mostrar de forma muito expressiva sua mais odiosa face, o fascismo.

Como Combater o Golpismo e sua Agenda

A reorganização das forças populares só pode ter êxito com base na análise objetiva da realidade existente. Do contrário, vamos seguir cometendo erros primários. A reorganização precisa levar em conta que entramos num período de estreitamento das liberdades políticas, e que isso é o contrário do que vivemos nas últimas quatro décadas, especialmente a partir de 1978. Daquela época até recentemente, vivemos um período de alargamento das liberdades civis. Agora vamos experimentar o seu oposto, o que para a imensa maioria de nós é absolutamente novo. Da mesma forma, e também por razões desta natureza, as palavras de ordem do período de abertura não têm o menor significado no período de fechamento.

“Diretas Já!” foi o grito que acalentou milhões de esperanças no começo da década de 1980. Naqueles anos, a ditatura estava desgastada e as forças populares em franco crescimento. Nossos líderes haviam voltado do exílio, revigorados pelas novas gerações de lutadores e lutadoras, e novos líderes apareciam todos os dias na luta popular, e adquiriam mais força e mais poder de convocação a cada nova jornada de lutas. Convenhamos que o quadro de hoje é diverso: os principais líderes de então já morreram (Luiz Carlos Prestes, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Darci Ribeiro…), e os líderes que surgiram naquela época estão muito desgastados. O próprio Lula, que, dentre os diversos líderes originados das lutas do final da década de 1970, é o que ainda tem mais apelo popular, está desgastado na base da sociedade, também porque perdeu o apoio de importantes setores da esquerda, justamente pela política de conciliação de classes que instituiu aos governos que dirigiu e ao seu próprio partido. É parte do plano do golpe, já sabíamos lá no começo do ano, e, a partir de março não deveríamos ter nenhuma dúvida, é tornar Lula inelegível para 2018, e são grandes as chances de que seja preso em breve. Digamos que estão analisando milimetricamente a forma de provocar mais este desgaste ao chamado “lulo-petismo” sem correr o risco de provocar reações indesejáveis para o golpe na base da sociedade.

A eleição de 2 de outubro, mesmo que para as instâncias municipais, foi a prova material do erro que consiste chamar eleições agora. Nada indica que em uma eleição geral não teríamos resultados parecidos, ou ainda piores. O fato é que a direita reacionária está com a hegemonia política na sociedade brasileira, e não reconhecer isso é seguir no erro de avaliação que só pode levar a outros erros táticos. Por outro lado, precisamos fraternalmente ver onde erramos, e trabalhar para se errar menos no futuro. Mas é fundamental que todos percebamos que a retomada da hegemonia pela direita reacionária acontece também porque ela tem em suas mãos todos os instrumentos de dominação, e que estes instrumentos de dominação não foram sequer questionados institucionalmente quando aqueles que se apresentavam como sendo do campo popular estiveram em condições de fazê-lo.

Não Existem Atalhos

O conjunto das forças populares precisa perceber que existe uma tarefa incontornável, uma tarefa que não vai ser superada por nenhuma palavra de ordem criada ao sabor das vontades, mesmo que de grandes grupos políticos. Sem reorganização das forças populares desde as bases todas as palavras de ordem cairão no vazio. E esta reorganização precisa ser feita com afinco, com rigor, com radicalidade consequente, mas também com a paciência que seja necessária. Não existe atalho que possa contornar esta necessidade, e nem se pode definir um período de tempo, pois também isso depende do ritmo dos acontecimentos sociais que vão provocando a reflexão na maioria da classe trabalhadora, que hoje está confusa e anestesiada.

As tentativas de organização da resistência aos ataques promovidos pelo governo Temer e pelos governos estaduais e municipais à classe trabalhadora mostra a profundidade do abismo organizativo da classe trabalhadora brasileira hoje. Não tem como não ver que parte das organizações da classe trabalhadora (talvez mais da metade delas, incluindo várias centrais sindicais) tem trabalhado para blindar o governo Temer, na medida em que, nos espaços de organização da classe, agem para gerar confusão, criar duplicidade de datas para as mobilizações, ao tempo que sequer tentam convencer suas bases a participar das lutas.

A esperança maior neste momento está nas novas gerações, que, lutando pelo direito à educação, têm ocupado escolas, institutos de educação tecnológica e universidades, ampliando a pauta para o enfrentamento do conjunto de ataques que o governo Temer está impondo. Já são mais de mil instituições de ensino ocupadas por estes dias, e, se o ritmo não refluir, este novo levante estudantil se tornará muito em breve o motor e a alma do movimento popular contra o golpe e seu programa de regressão. O movimento sindical precisa apoiar, inclusive dando estrutura e estabilidade material, este movimento de ocupação das escolas pelos estudantes e pela comunidade escolar, pois este é o campo com maior potencial de rebeldia para enfrentar e impor derrotas ao golpe, e é também destas lutas que sairá a nova geração de líderes populares para as lutas das décadas que virão.

Unidade na esquerda

A correta defesa da mais ampla unidade de todas as organizações da classe trabalhadora não pode paralisar a luta. Nem paralisia nem dispersão. Esta unidade só pode ter fecundidade se for uma unidade ativa, mobilizadora, e de combate inequívoco e aberto contra todas as políticas regressivas dos governos atuais e contra o próprio governo. Central sindical que discorda da palavra de ordem pelo “Fora Temer” não está de fato interessada em organizar a luta consequente contra as políticas regressivas do governo Temer. Não é uma questão semântica e nem de diplomacia. É uma questão de posição. Só os coniventes com o golpe podem se propor a ter uma relação de diálogo com um governo que não tem nada de legítimo e nada de aceitável para a classe trabalhadora em termos de projeto político.

É necessário, e urgente, que o campo que luta contra o golpe há mais de um ano construa espaço próprio de aglutinação política, produza proposta política de resistência aos ataques, e chame o conjunto da classe para participar da reorganização. As próprias estruturais sindicais e populares em geral serão outras depois do golpe de Estado no qual o Brasil está sendo mergulhado. O objetivo deste governo e do regime golpista que o sucederá é destruir também as organizações populares, incluindo as organizações sindicais que sejam de fato de luta. Não lutar é morrer por si só. Ter ilusão com certos “aliados” é cair em armadilhas sucessivas, o que aprofundará ainda mais a confusão e a dispersão até mesmo das forças combativas. Para falar em bom português: A CUT e a CTB precisam deixar de ter ilusão com a Força Sindical e outros setores do peleguismo tradicional, pois eles estão usando o poder que tem em setores importantes da classe trabalhadora para anular qualquer posição de combate ao governo Temer e ao golpe. Se tem gente honesta dentro destas centrais, e acreditamos que tenha, é preciso que criemos o espaço fraternal para que venham para a luta, e participem da reorganização ao lado do seu povo, e abandonem para sempre os inimigos da classe trabalhadora.

Reorganizar as Forças Populares e Construir a GREVE GERAL

É incontornável a tarefa de reorganizar as forças populares, e isso requer trabalho de base, reflexão política, retorno aos clássicos do pensamento social revolucionário, rigor e disciplina militante, radicalidade consequente e a paciência necessária. Nenhuma vitória será alcançada sem estas condições, nem mesmo o impedimento da aprovação de alguma das diversas iniciativas draconianas do governo Temer. Se não alcançarmos êxito no combate a qualquer das medidas de regressão social, o que levaria alguém a imaginar que podemos vencer alguma eleição, ou pelo menos ter o resultado (precário) que tivemos em 2014? Uma eleição agora daria legitimidade a um Congresso ainda mais reacionário, e legitimaria um governo central defensor do programa e do regime golpista.

E precisa ficar claro que não se trata de se conformar com o governo Temer. Pelo contrário, combater o governo Temer é “estado de necessidade” e “legítima defesa” para a classe trabalhadora e para a imensa maioria do povo, incluindo os pequenos agricultores e a pequena burguesia. Temer é governo dos monopólios, do capital financeirizado e da política de recolonização do Brasil. O fato é que precisamos nos organizar para poder voltar a vencer, primeiro no campo popular, para voltar a ter êxito na resistência eficaz, ampla e geral aos ataques. Depois disso, voltaremos a ter mais força do que atualmente nos processos eleitorais, pois neste campo o nosso inimigo é ainda mais forte do que nos outros.

É necessário e urgente que as forças populares que lutaram contra o golpe desde 2015 se articulem, entre si inicialmente. A Intersindical – Central da Classe Trabalhadora, da qual participamos, tem defendido, desde o primeiro semestre deste ano, a realização de um Encontro Nacional da Classe Trabalhadora, com o objetivo de debater a conjuntura atual, definir táticas para o enfrentamento ao governo Temer, ao golpe e ao seu programa de regressão social. Seguiremos nesta defesa, de forma fraterna e modesta, mas vigorosa. É inadmissível terminar o ano de 2016, acumulando derrotas que já poderíamos ter previsto no mês de maio, sem a iniciativa autônoma do campo anti-golpista de organização de um calendário de lutas que tenha o objetivo determinado de construir uma greve geral “Por Nenhum Direito a Menos”, pelo Fora Temer e para derrotar o golpe.

Organizar um Bloco

Esta luta imediata, contra os ataques aos direitos e ao patrimônio público, contra o governo golpista e contra o golpe, precisa estar dentro do processo de construção de um bloco de forças populares anti-imperialista, anti-monopolista e anti-latifundiário, que se prepare na concepção, em um programa mínimo comum e na experiência de luta cotidiana, para enfrentar o bloco de poder dominante. Enfrentar em todos os níveis, desde a luta direta do movimento popular de massas, até a luta política pela tomada do poder, e isso inclui disputar eleições, quando houverem. Mas também desde já é fundamental que nem as lideranças e nem as bases desse bloco de poder popular tenham ilusões com as institucionalidades do Estado atual. Vencer eleição é diferente de tomar o poder, embora uma coisa possa complementar a outra. Complementar é diferente de ser o motivo principal da luta e um fim em si mesmo.

Não é possível enfrentar com êxito o capitalismo em sua fase imperialista a não ser pela apresentação de uma proposta global de organização da sociedade. Se é fato que, neste momento, a palavra de ordem pelo socialismo não é a que mobiliza as massas populares, é essencial que todos os lutadores e todas as lutadoras tenham clareza de que não é possível dominar o capitalismo em seus próprios domínios. Em outras palavras, não é possível humanizar um sistema social de produção e distribuição que não está baseado no cumprimento das necessidades humanas para o conjunto da sociedade e sim na produção de lucros para os que dominam os meios de produção ou controlam o sistema de créditos (o que é igual a dominar os meios de produção). Por outro lado, não é possível enfrentar um sistema cada vez mais centralizado em nível mundial nos dispersando em iniciativas cada vez mais locais e autonomistas. O capitalismo não morrerá por si, a não ser que isso implique o fim da própria humanidade, por guerras e/ou por destruição das condições ambientais de sobrevivência humana. É preciso que o ser humano, com sua capacidade e inteligência, construa as condições para derrotar o capitalismo, e isso significa derrotar a classe dominante no capitalismo, com todos os aparatos institucionais que defendem o sistema. É preciso organizações de luta adequadas a cada situação e a cada tempo histórico, mas a forma de organização social a substituir o capitalismo, ou será o socialismo, ou será a barbárie. Na barbárie, o capitalismo em fase imperialista está nos enterrando. É preciso que façamos a luta imediata, todos os dias, defendendo todos os direitos, todas as formas humanitárias de relações e de vida, mas tenhamos em mente a necessidade de fortalecimento das organizações de luta pelo socialismo.

POLO COMUNISTA LUIZ CARLOS PRESTES

DIREÇÃO NACIONAL

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