O retorno de Lula: o que pode estar por trás?
Por: Henrique Martins e Mateus Spezia
Quanto algum evento de certo modo inesperado ocorre é natural que fiquemos perdidos por algum momento e sejamos tomados por um otimismo que anuvia nossa capacidade de enxergar o que está de facto ocorrendo ou por um pessimismo generalizado que nos paralisa. Nesta semana o Brasil foi lembrado que o ex-presidente Lula ainda está vivo, apesar do sumiço desde que saiu de sua injusta prisão há mais de um ano. A recuperação, por ora, dos direitos políticos de Lula é uma importante reparação ao Estado de direito desde que Curitiba e TRF4 moveram a sua farsa condenatória visando claramente barrá-lo do pleito de 2018.
Entretanto, o que chama atenção é que temos uma virada significativa na conjuntura aparentemente em favor do povo, mas sem qualquer ascenso do movimento de massas que poderia ter lhe ensejado. Devemos acreditar que o mesmo Supremo Tribunal Federal, que chancelou todos os atentados jurídicos que o Brasil presenciou nos últimos anos, espontaneamente resolveu desfazê-los? Está o lawfare sendo desfeito pelo próprio judiciário? No mesmo movimento, vemos destacadas lideranças do fisiologismo parlamentar como Artur Lira e Rodrigo Maia, e representantes do mercado financeiro como Miriam Leitão elevando estimados protestos de respeito e reconhecimento ao presidente Lula. Será que estão animados com o retorno de Lula ao pleito, pois isso fortalece nossa democracia?
Uma hipótese mais realista seria partir da leitura que esses grupos, doravante referidos como direita tradicional por simplicidade, veem que Bolsonaro já não está sendo plenamente funcional ao seu programa econômico e precisam construir sua alternativa. Junto a isso, não podemos ignorar a mudança governamental no eixo do imperialismo, com a saída de Trump que deixa Bolsonaro em certa medida órfão de apoio e balizamento internacional. Apesar disso, Bolsonaro carrega ainda o carimbo do mesmo modus operandi e visão de mundo trumpista, o que parece estar saindo de moda dentre as elites.
Desde o grande fracasso de Aécio em 2014, a direita tradicional tem penado e por enquanto sem sucesso, para emplacar outro nome. Todas as tentativas até agora patinam nas pesquisas. Lula, por outro lado, goza com o mercado de toda a confiança de quem governou o país por oito anos e nunca interferiu em seus negócios, tendo feito uma bela gestão ortodoxa na nossa macroeconomia e garantido lucros recordes aos bancos, bem como a acelerada reprimarização de nossa economia em favor dos latifúndios.
Lula possui evidentemente o revés para a direita tradicional de não ser um dos seus, inteiramente a seu serviço, pois em que pese os serviços prestados ao mercado financeiro, também possui ligação e algum compromisso com uma base popular significativa. Entretanto, é um candidato que está pendurado, com seus direitos políticos em permanente perigo, sendo passível de ser operado pelos donos do poder, para eventualmente cumprir uma agenda a seu serviço.
A fim de alguma forma tentar entender o que está ocorrendo de e quais as forças que movem os acontecimentos, levantamos algumas hipóteses:
- O ministro Fachin agiu ungido de ilibado espírito republicano ao desfazer flagrantes arbitrariedades cometidas contra o presidente Lula que se tornaram totalmente evidentes com a revelações trazidas à tona com a Vaza Jato e a operação Spoofing, que nem o mais ardoroso lavajatista, se munido de alguma racionalidade tem como negar. Ou o ministro Fachin agiu afobadamente para tentar livrar o juiz Moro, pois lembremos que Lula não foi inocentado das acusações, apenas o processo dele sofreu um rebobinamento, sendo mudado de vara. Vale ressaltar que o imbróglio no STF ainda não terminou e se esse for o caso ainda podemos ter um capítulo 2.0 do caso do Lula na Lava Jato.
- O que tivemos foi um grande balão de ensaio, isto é, uma ação coordenada entre entre a perna da juristocracia e a alta cúpula dos militares, a fim de reabilitar momentaneamente a figura de Lula. Aqui vale ressaltar que apesar da aparente desordem do governo atual, ele é recheado de militares que detém o real centro de poder e o modus operandi dessa gente consiste no massivo emprego de técnicas de guerras híbridas e operações psicológicas. Essa última tem como um de seus intuitos confundir o adversário e deixar ele sem plena consciência situacional. Esse balão de ensaio poderia ter vários objetivos que são por óbvio bastante difíceis de se conhecer, mas podemos tentar levantar alguns: Dar “uma prensa” no Bolsonaro, pois como já comentamos ele também é uma peça que pode ser descartado nesse jogo de xadrez, a fim de ele agir com maior eficácia colocando uma sombra que faça pressão sobre ele. Poderia também estar inflando o balão do Lula para todo campo progressista orbitar em torno dele para quando chegar perto da eleição dar uma rasteira novamente com uma nova condenação, pois nos parâmetros do lawfare tudo é possível, deixando assim o campos progressista totalmente desorientado, ou mesmo refém de sua candidatura.
- Outra hipótese seria o Lula ter conseguido operar por dentro do sistema para ser reabilitado, ou seja, ter feito um grande acordo para ter seus direitos políticos reabilitados, visto que não houve alteração significativa na correlação de forças na sociedade. Se essa hipótese é verdadeira resta saber qual foram as cartas que Lula teria usado para conseguir um deal favorável após tanto tempo sendo achincalhado. Também resta a saber, se essa hipótese for verdadeira, se esse deal é para o Lula ser mais uma vez o conciliador-mór administrando à terra arrasada e dando algumas migalhas para a população, mas tocando a política econômica e entreguista que favorece o imperialismo. Ou se ele conseguiu botar o pessoal nas cordas para forçar um acordo favorável colocando de fato as forças progressistas novamente em condições de ditar o rumo do país.
Independentemente da hipótese que mais condiz com a realidade (pode ser uma ou uma mistura delas) é importante salientar que por mais preparado que nosso inimigo possa ser, ninguém tem sob seu controle o total desdobramento dos fatos, e as reações podem não sair conforme o esperado. Então cada novo campo de jogo que se abre devemos estar preparado para jogar e é inegável que Lula é o maior líder de massa que o Brasil teve nos últimos 30 anos e sua força jamais deve ser subestimada e ele tem importante papel a cumprir na derrota do Bolsonaro. Mas não basta só derrubar a figura de Bolsonaro. Com ele, devemos derrubar também as forças que o sustentam e isso só será possível se vier das ruas com as massas mobilizadas, pois se isso vir só dos tribunais e das urnas é de se suspeitar que algo de errado não está certo.
Além disso, é importante conter o entusiasmo, abandonando a ideia comumente propagada de que já seria fato consumado uma vitória de Lula contra Bolsonaro nas eventuais eleições de 2022. Isso é o que aponta uma pesquisa (Atlas Político), mas várias outras apontam o contrário (Real Time, XP, Exame), nos deixando por ora com um cenário bastante inconclusivo. Mesmo não havendo evidência estatística disso (nem para o contrário disso), também não se deve descartar a hipótese de que o retorno de Lula ao pleito ser algo benéfico a Bolsonaro, cuja base de eleitores em grande parte é movida pelo anti-petismo. Não havendo petismo forte, menor a coesão desse campo em torno de Bolsonaro, nessa hipótese. Ademais, ressaltamos aqui nosso profundo ceticismo com o chamado “Efeito Lula”. Usado em referência à “virada civilizatória” que Bolsonaro teve nos dias seguintes ao retorno de Lula, parece já ter se esvaído, na medida que Bolsonaro já voltou a atacar o lockdown bem como sugerir a facilidade de implementação de uma ditadura no país.
De toda forma, é imperioso lembrar que a despeito de estimativas e previsões para 2022 que podem ser importantes no planejamento do campo popular, existem tarefas imediatas que não podem ser proteladas. A situação econômica e sanitária do Brasil está cada vez mais crítica e não pode esperar 2022 para ter uma solução.