Dois documentários sobre a era do trabalho precário no Brasil
por: Lícia Brancher
Através dos filmes, diferentes personagens e histórias nos são apresentadas: um documentário é também um convite a se aproximar de uma realidade. Mergulhar numa coleção audiovisual é uma rica oportunidade de ampliar o olhar para a diversidade humana, sociocultural, política, de um infinito universo de pessoas e contextos.
“Trabalho Precário, Produção de Luxo” é um curta-metragem cearense de 2015, dirigido por Idalina Vinuto. O filme é um dos 1300 títulos disponíveis no portal CurtaDoc, acervo online e gratuito de documentários brasileiros e latino-americanos. O curta nos coloca dentro da oficina de costura de Francisca, uma facção, que funciona na sala de sua pequena casa. Facções são unidades de confecção e costura que fazem serviço terceirizado para lojas e indústrias. Francisca trabalha como faccionista. É neste local, com pouco espaço e atrolhado de recortes em tecido e malha, carretéis de linha, caixas de roupas e máquinas, que trabalham Francisca, seu marido e uma jovem aprendiz, costurando as roupas que chegam cortadas das fábricas, em peças, e depois de prontas são entregues, para serem vendidas nas lojas. Francisca trabalha muito e ganha pouco. Levanta cedo e senta em frente à máquina, até umas 8, 9 da noite e, dependendo da urgência, vira a madrugada. Não faz descanso aos domingos,
“(…) eu e meu esposo a gente não tem muito o que fazer, a gente não vai a uma praia, a gente fica muito em casa, aí a gente vai pra máquina trabalhar”.
Francisca gosta de costurar, ainda que tenha compreensão da exploração no trabalho. Tem empresa que paga 2,50 por peça, que vai chegar nas lojas a um valor muito mais elevado.
“O nosso trabalho às vezes não é nem reconhecido (…). Faccionista deveria trabalhar com carteira assinada, porque se chegar a adoecer não tem dinheiro nem pra comprar um remédio. A gente não tem garantia nenhuma.”
Ao fundo, enquanto Francisca conta seu dia a dia, o ruído incessante das máquinas de costura pontua o ritmo da conversa.
Outro recente audiovisual brasileiro, o longa “Estou me guardando para quando o carnaval chegar”, trata também deste tema do trabalho precarizado no setor do vestuário. Premiado no É Tudo Verdade, prestigiado festival brasileiro de documentários, foi exibido na mostra Panorama do Festival de Berlim de 2019. No filme, o diretor Marcelo Gomes revisita a cidade de Toritama, no agreste pernambucano, que conheceu ainda menino quando acompanhava o pai, funcionário do governo que fazia inspeção fiscal na região.
“Era um mundo rural, de feiras livres, plantadores de milho e feijão, e criadores de bodes. Quase nenhum barulho de carro e poucas pessoas na rua. Esse é o agreste, que eu guardo na minha memória de infância“.
É o próprio Marcelo quem faz a narração do documentário e traz suas reflexões sobre o barulho das máquinas, os movimentos repetitivos, a jornada de trabalho, as memórias de infância, o tempo – além de dar voz a esses trabalhadores e trabalhadoras. Toritama, município de 45 mil habitantes, produz 15% do jeans nacional, mais de 60 milhões de peças por ano. Essa produção se dá basicamente através de subcontratação, terceirização e informalidade, nas casas transformadas em facções, em jornadas de trabalho que ultrapassam 12 horas por dia, de segunda a sábado. Uma vez por ano, no Carnaval, as máquinas silenciam, as casas e facções fecham, e Toritama vira uma cidade fantasma. “Estou me guardando para quando o carnaval chegar” está disponível na Netflix.
Dois documentários, um curta e um longa-metragem, que descortinam, pela voz de suas personagens, a dura realidade dos trabalhadores e trabalhadoras no Brasil. Pontos de vista que permitem uma reflexão crítica sobre a nossa sociedade e o nosso país.
Assista ao curta “Trabalho Precário, Produção de Luxo”
Que interessante saber desses documentários. Valeu Lícia, pela dica. Vida longa para A Coluna.
Obrigada pelo retorno, Dino! Espero que aprecie as sugestões. Abraços!
Vou assistir “trabalho precário produção de luxo”. Fiquei curiosa. O do Marcelo Gomes eu já tinha visto, por indicação tua. Vida longa a coluna. Adorei❤️