ELEIÇÕES 2020| 1º turno: ‘derrota’ de Bolsonaro, sem grande vitória da esquerda
*Análise de Michele de Mello
Analisando previamente os números do primeiro turno das eleições municipais deste 15 de novembro podemos tirar algumas conclusões, nem todas tão otimistas como gostaríamos.
Se bem é certo que candidaturas de esquerda no segundo o turno em capitais importantes do país, como São Paulo, Belém, Recife e Porto Alegre, levantam os ânimos, assim como o aumento da presença de candidatas/os trans, negras/os, indígenas e do campo popular nas 100 maiores cidades do país apontam para uma possibilidade de reposicionamento do discurso progressista dentro da política nacional, ainda são sinais muito tímidos para o inimigo que temos pela frente.
A figura de Jair Bolsonaro sai desmoralizada desse processo, com a derrota de quase todos os candidatos que o presidente apoiou abertamente. Entre os 13 candidatos à prefeitura, nove não se elegeram.
No entanto, é cedo para dizer que existe um derretimento de Bolsonaro ou do bolsonarismo. Ao contrário, partidos mais próximos à base do governo foram os únicos que conseguiram quase que triplicar sua participação em prefeituras e câmaras de vereadores. Republicanos, PSL, PSC, Patriotas e PRTB juntos conseguiram dobrar sua votação, passando de 6,5 milhões de votos em 2016 para 12,9 milhões neste ano.
Partidos nanicos, que de maneira individual, como o caso do PSL, ex-partido de Bolsonaro, conseguiram dar um salto de 472% no seu eleitorado, saindo de 487 mil votos em 2016 para 2,7 milhões em 2020. Situação similar aconteceu com Patriotas, que teve um incremento de 616% na sua votação, saindo de pouco mais de 286 mil votos para mais de 2 milhões nestas eleições.
Há que agregar que nas últimas eleições municipais, o bolsonarismo ainda era apenas um gérmen, portanto as estatísticas mostram o que empiricamente já podíamos perceber: o aumento da fascistização no Brasil.
Os dados mostram algo que já havíamos alertado antes do processo eleitoral: o bolsonarismo se consolidou como alternativa política para um setor importante da população. Como o presidente está há mais de seis meses sem partido, o descrédito do seu governo, fruto dos escândalos de corrupção, da ineficiência na administração pública, dos crimes ambientais e do completo desastre que está levando o Brasil à maior crise dos últimos tempos, não poderia ver-se refletido em um legenda eleitoral. Portanto, somente os candidatos que tiveram um apoio nominal e direto foram “castigados” pelo eleitorado. Já aqueles que continuam defendendo a mesma política econômica e os valores conservadores do atual governo, mas que, no entanto, não ‘saíram na foto’ com Bolsonaro, conseguiram aumentar e consolidar sua presença na esfera política nacional.
No nosso país, as eleições municipais, em geral, servem de termômetro para analisar o Poder Executivo, seja ele nacional ou estadual. Medir que tanto as forças opositoras conseguem difundir seu discurso e quanto as forças governistas têm logrado conquistar o eleitorado.
No entanto, a abstenção crescente nos últimos processos eleitorais mostra como o atual sistema político está desgastado entre o povo brasileiro. Neste 15 de novembro, 23,14% dos eleitores não foram votar, um recorde para os últimos 20 anos. Em algumas capitais o índice foi ainda maior, chegando a quase 30% do padrão eleitoral, apesar de o voto ser obrigatório.
A atual situação de crise generalizada torna o cenário muito imprevisível para os próximos dois anos.
Por outro lado, pelo tamanho do nosso país, e a própria dinâmica de trabalho territorial que exigem as eleições municipais, esses processos também costumam ser caracterizados pela facilidade de compra de voto pelos setores de direita.
A reforma eleitoral, aprovada ainda durante o governo ilegítimo de Michel Temer, permite a compra do serviço de panfletagens e ‘bandeiraços’, o que dá ainda mais mecanismos para a cooptação econômica dos trabalhadores e trabalhadoras.
Por outro lado, o descontrole da pandemia impede os grandes comícios, atividades de rua e aglomerações, exigindo ainda mais criatividade, desprendimento e gastos para aqueles e aquelas que disputaram esse processo eleitoral pelo campo popular.
Partidos tradicionais, como o Democratas, saíram fortalecidos, em parte, pela força que o anti-petismo ainda possui no interior do país. Por outra, pela sua estrutura política tecnocrata, especializada em disputar os processos eleitorais burgueses.
De alguma forma o DEM tenta desbancar o PSDB como partido tradicional da direita que se auto intitula de “centro-direita”. Entre os partidos da direita foi o melhor sucedido, com 71% de prefeituras a mais que em 2016, saindo de 268 para 459. Os tucanos, que tiveram seus principais expoentes queimados por escândalos de corrupção e pelos maus resultados nas últimas eleições presidenciais, tentam recriar sua imagem principalmente em São Paulo, seu maior colégio eleitoral, com a figura de João Dória e Bruno Covas.
Apesar de serem adversários para 2022, PSDB e o núcleo duro bolsonarista não pensarão duas vezes para pactuar um acordo eleitoral, ao ver uma possibilidade real de vitória de Guilherme Boulos para a prefeitura da maior cidade do país.
Por isso, a vitória do DEM e do centrão nessas eleições municipais, no final, são uma vitória estratégica para Bolsonaro. Talvez lhe levem a fazer mais concessões para esses partidos políticos, mas não necessariamente representam uma derrota, pelo contrário. O fascismo é fruto da própria classe dominante e eleitoralmente sempre se apoiou nos maiores partidos da burguesia.
Apesar de que devemos celebrar a presença do PSOL e PT no segundo turno em 17 cidades, com candidaturas que representam a diversidade do nosso povo, o resultado do primeiro turno é de 55% das prefeituras comandadas por um perfil de homem branco, casado, de 49 anos. Novamente, mais do mesmo.
As brechas do que representou a ruptura de 2013, com as manifestações multitudinárias que deram caldo político para a reacomodação das classes dominantes no Congresso, na mídia, no judiciário, no setor extrativista e agroexportador, e a consequente ruptura democrática com o golpe parlamentar de 2015, começam a se fechar. A polarização do país se aprofunda, na medida em que se intensifica a luta de classes, aumenta a politização e se definem as preferências pelo discurso de direita, extrema-direita ou de esquerda.
O aumento da presença do PT nas médias e grandes cidades, apesar da perda de 31% das suas prefeituras, pode ser um reflexo da figura de Lula presente agora também nos maiores centros urbanos, depois da campanha internacional Lula Livre e sua recente liberdade.
A maior presença de candidaturas indígenas, de negros/as, de pessoas trans, assim como o surgimento de algumas candidaturas coletivas revela como o envolvimento dos movimentos sociais nos processo eleitorais são fundamentais para colocar na pauta do dia a diversidade do nosso povo, de suas demandas e necessidades.
O ano de 2020 também registrou um recorde de candidaturas do MST, o maior movimento da América Latina. Mais de 500 postulações.
As vitórias celebradas em distintas regiões brasileiras no primeiro turno, e as expectativas para o segundo turno em importantes capitais, mostram como, apesar de que a esquerda estancou em votos, a disputa ideológica é necessária e pode ser vitoriosa.
O momento exige decisão, muito trabalho político, dedicação e ânimo, porque é importante lutar, mas também devemos lutar com alegria, oferecendo a possibilidade de um horizonte mais justo e igualitário para o nosso povo.
Esse cenário com 5,8 milhões de infectados e 166 mil falecidos pela covid-19; 13,8 milhões de desempregados; com uma inflação que levou ao aumento descontrolado da cesta básica alimentar; uma desindustrialização que já gera escassez de produtos; esvazia de significado político o ato do voto, através da completa precarização das condições de vida do povo brasileiro.
Ainda que tenhamos totalmente claros os limites da democracia burguesa, como comunistas, sempre vamos defender a participação popular em todos os processos decisivos como uma das formas de acumular forças para gerar uma transformação profunda nas estruturas sociais, políticas e econômicas vigentes. O debate eleitoral é permeado pelo debate político. Cabe à esquerda dar o tom, colocando como prioridade, nos discursos e propostas, as demandas da classe trabalhadora, dos camponeses e da juventude.
Bolsonaro e o bolsonarismo que se vendem como “anti-sistema”, na verdade, apoiam-se em práticas tão sujas e antigas, como as da direita ‘tradicional’.
Somado às técnicas já conhecidas, utilizam a tecnologia como aliada para enganar o povo. Desde as eleições de 2018, já é público como a família Bolsonaro e seus seguidores usam robôs (os chamados bots) para gerar uma rede de notícias falsas contra adversários políticos.
Somente na última semana das eleições, Manuela D’Ávila (PCdoB), candidata à prefeitura de Porto Alegre, conquistou na Justiça o direito de suspender 529 mil notícias falsas sobre sua vida política, o que representaria uma fake news disparada por minuto, durante um ano.
O bolsonarismo utiliza a mentira para se esconder detrás de um discurso fascista, vazio de propostas e completamente entreguista aos interesses da face mais senil, retrógrada e agressiva do imperialismo.
Assim como avança na formação de um aparato repressivo através de milícias e grupos armados de extrema direita. Esta foi uma das campanhas mais violentas da nossa história. Segundo levantamento da coordenação do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes, a campanha deste ano tem um político assassinado a cada três dias.
A tarefa da esquerda é seguir trabalhando pela unidade do campo progressista. De imediato, unificar-se na defesa das candidaturas populares que chegaram ao segundo turno. É necessário ganhar espaço para também fortalecer a luta contra a escalada fascistizante.
Vitórias em capitais importantes, aliadas ao trabalho de parlamentares e governos estaduais de esquerda certamente irão contribuir para denunciar e até impedir abusos do atual governo.
No entanto, é a unidade que as distintas organizações poderão cultivar a partir desse processo eleitoral, sua capacidade de leitura da realidade do país e a efetividade de um programa político que possa ser oferecido como uma alternativa viável à barbárie, que será decisivo para marcar uma vitória real.