NICARÁGUA E EL SALVADOR: NA MIRA DO IMPERIALISMO
Como resultado da agudização das lutas populares que viveram os povos centro-americanos durante várias décadas – já a partir dos anos 20 do século passado – e também com a influência política da vitória e consolidação da Revolução Cubana e o apoio político e material da então União Soviética e do ex campo socialista, foi possível a organização de um poderoso movimento popular e de classes na América Central. Nesse contexto foram criadas as condições para a construção de organizações político-militares como a FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional) em Nicarágua, a FMLN (Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional ) em El Salvador e a URNG (Unidade Revolucioária Nacional Guatemalteca) em Guatemala.
Por um século, os Estados Unidos considerou esta região como o seu pátio traseiro e manteve nesta área um férreo controle político, utilizando as oligarquias exportadoras de frutas, açúcar, algodão e café. Por meio de processos de ditaduras locais e/ou com intervenções militares diretas, garantiu o controle político dos movimentos sociais que se rebelavam no século passado. Ditaduras e grandes massacres foram as formas mais usadas para este controle.
Nicarágua
Nos anos 1970 já não foi possível este controle, pelas questões conjunturais já citadas, além do estalido social em Nicarágua, em 1979, que derrotou a ditadura dos Somoza. A vitoriosa Revolução Popular Sandinista permitiu quebrar a correlação de forças em favor das lutas populares, sociais e de classe, pela soberania nacional e autodeterminação dos povos de toda região.
As tendências internas da FSLN , praticamente todas marxistas, tiveram que desde os primeiros momentos se sujeitarem a um grande acordo com a social-democracia europeia – liderada por Willy Brandt e depois Olof Palme -, garantindo a realização de um calendário eleitoral permanente e a garantia da legalidade de todos os partidos políticos. Mesmo assim, a jovem revolução teve de suportar durante mais de 10 anos uma contrarrevolução sanguinária financiada por Estados Unidos desde suas bases militares em Honduras, que se prestavam a todo o controle da região. Ainda teve a FSLN que garantir fatias de poder, ministérios, etc., a uma parte da Igreja que, através dos grupos da Teologia de Libertação, participou do processo para derrubar Anastasio Somoza e também para os setores sociais-democráticos liderados por Sergio Ramírez Mercado e mesmo a família Chamorro.
FLSNAo cerco externo do Imperialismo e sua contrarrevolução, se somaria imediatamente o setor interno e a Igreja conservadora dirigida por Obando Y Bravo, que liderava um cerco interno aos processos de avanços sociais e políticos da revolução nicaraguense.
Como tarefas imediatas da nascente revolução estavam a alfabetização geral e uma Reforma Agrária radical. A Defesa e a construção da infraestrutura foi completamente garantida pela União Soviética e os demais países do então campo socialista e de Cuba. Seguiu-se uma década de grandes avanços econômicos e sociais na Nicarágua.
As eleições realizadas em fevereiro de 1990 para presidente foram o marco divisor de duas épocas. Daniel Ortega era o presidente que aparecia incontestavelmente como o vencedor destas eleições, mas foi derrotado por Violeta Chamorro durante o período que praticamente decretou o fim da transição socialista na União Soviética e países do Leste Europeu.
Durante 16 anos a direita governou a Nicarágua com a FSLN na oposição. Nestes anos foram praticamente destruídas as conquistas da jovem revolução sandinista e principalmente a produção emergente com as empresas da Área de Propriedade do Povo.
Somente em 2007 volta ao governo da Nicarágua Daniel Ortega e uma FSLN já bastante enfraquecida pela perda de quadros para a direita, por abandono e inclusive por uma atitude a princípio de questionamentos a esquerda a partir do MRS (Movimento de Restauração Sandinista). Este movimento oscilou politicamente à esquerda e à direita.
Para vencer as eleições, Daniel Ortega e a FSLN novamente tiveram que fazer alianças, mesmo com setores empresariais e a cúpula da Igreja católica Nicaraguense, e isso ocasionou muitos questionamentos entre seus quadros. Daniel Ortega e a FSLN enfrentavam uma conjuntura que nada se parece com a situação revolucionária que vivia a América Central na década de 80 – que contava com o apoio político, militar e econômico dos países de transição socialista com a URSS à cabeça e com Cuba. Ortega e a Frente tiveram que primeiramente se distanciar profundamente da ingerência dos Estados Unidos e se aproximar da ALBA, se alinhando a Cuba e ao nascente Movimento Bolivariano encabeçado por Hugo Chávez.
A FSLN e Daniel Ortega não vacilaram nunca na política anti-imperialista, apoiando todas as manifestações deste grupo de países que construíram uma grande trincheira de resistência às políticas de Estados Unidos para a América Latina. Esta independência permitiu construir uma situação material e econômica de grandes intercâmbios com Venezuela na área dos combustíveis e alimentos, principalmente a carne. Isso permitiu a Nicarágua alavancar a sua economia e passar a ter um enorme crescimento de seu PIB, aumentado em grandes percentuais nestes mais de 10 anos.
Esta independência também permitiu a Nicarágua buscar novos parceiros, principalmente a China e a Rússia, e o projeto de construção do novo Canal Interoceânico com a China foi por certo a gota d’água que faltava para que os Estados Unidos planejasse e mesmo tentasse um golpe para afastar Daniel Ortega e destruir este projeto autônomo.
Comemoração Revolução, 2017Já há 3 anos EEUU articulava diversos setores de Nicarágua (usando principalmente ONGs ditas ecológicas contra a construção do Canal), articulava grupos empresariais oferecendo mercado para seus produtos, manejava interna e externamente um habilidoso discurso que atraiu os esquerdistas europeus. Quando o Governo comete o grave erro da Reforma da Previdência, abre-se o espaço de descontentamento, somado ao oportunismo das forças imperialistas para desestabilizar Ortega. Mesmo que em alguns dias o Governo tenha retirado a proposta do aumento da idade para o benefício, o dito movimento já estava deflagrado com toda a oposição à Daniel Ortega e à FSLN.
Apesar de todos os erros que possivelmente a FSLN e o presidente Ortega tenham cometido, nada justifica apoiarmos um dito movimento sem programa político e que levou às ruas os interesses mais contraditórios como os dos empresários do COSEP (Consejo Superior de la Empresa Privada en Nicaragua), das ONGS politizadas pela direita, da Igreja contrarrevolucionária e até mesmo de estudantes e intelectuais respeitados, porém desavisados. Estes últimos não perceberam a gravidade de estarem sendo usados em uma nova tentativa de golpe planejada pelo Imperialismo, onde centenas de “jovens” nada mais eram que delinquentes de quadrilhas e facções do narcotráfico de diferentes países da América Central e mesmo dos Estados Unidos, assassinos confessos que praticaram toda a sorte de crimes na Nicarágua em três meses. Felizmente, foram nestes últimos dias derrotados e por certo mais um golpe do Imperialismo falhou até o momento.
El Salvador
Em 1980 se forma a FMLN (Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional), a partir de várias organizações político-militares que já atuavam na luta armada, principalmente nos anos 70. Entre essas organizações estavam os PCs (Partido Comunista Salvadorenho), FPL (Frente Popular de Libertação), ERP (Exército Revolucionário do Povo), RN (Resistência Nacional) e PRTC (Partido Revolucionário dos Trabalhadores Centro Americanos).
A FMLN, durante toda a década de 1980, conduziu um processo para a tomada do poder em El Salvador, liderada por Schafik Handal, Caetano Carpio, Salvador Sánchez Cerén e vários lideres comunistas importantes para a luta revolucionária latino-americana. Naquela década, desalojou o Exército Salvadorenho e ocupou espaços territoriais, cidades importantes, praticamente encurralando as tropas governamentais para as três maiores cidades de El Salvador.
O Exercito Salvadorenho, completamente financiado pelos Estados Unidos, tentava inutilmente frear o avanço político e militar da FMLN. Aplicava planos de contrainsurgência violentos e sanguinários, baseados na repressão mais brutal aos movimentos sindicais e sociais que nosso continente tinha visto até então.
A FMLN, oriunda de organizações marxistas-leninistas, contou com o apoio político de Cuba e da União Soviética, da China, do Vietnam e de outros países de experiência socialista, além de uma variada solidariedade mundial de movimentos sociais e de trabalhadores, mesmo europeus e americanos.
No final do ano 1989, lançou uma ofensiva final para a tomada da capital San Salvador e de outras importantes capitais departamentais, sendo que San Salvador foi ocupada parcialmente por vários dias. Porém, se avizinhava uma conjuntura internacional desfavorável, fruto do colapso político do campo socialista, que não permitia todo o apoio internacional necessário para a tomada definitiva do poder em El Salvador.
As grandes derrotas políticas do colapso nas construções socialistas, a derrota eleitoral da FSLN em Nicarágua e o isolamento político e econômico de Cuba foram fatores determinantes para a FMLN estabelecer os acordos de paz internacionalmente reconhecidos em El Salvador. Neste processo de negociação sob orientação da ONU, importantes vantagens políticas foram alcançadas, como o tratado para garantir a reincorporação econômica e social dos ex-combatentes, a extinção do Exército Nacional e a criação de uma nova Polícia Nacional, inclusive com membros vindos das unidades guerrilheiras. Também a legalização das emissoras de rádio da própria FMLN , como a rádio Maya Visão, Venceremos e Farabundo Martí.
Nos anos 1990, a FMLN legalizada começa sistematicamente a ganhar importantes espaços políticos em todas as eleições, desde vereadores, prefeitos, deputados. Em 2006, conquista a Presidência da República com o lançamento de Mauricio Funes, um radialista amigo e aliado da FMLN, depois de ter perdido duas eleições com candidatos próprios, inclusive com Schafik Handal.
A FMLN já era então o maior partido político de El Salvador, porém nunca teve a maioria dos deputados no Parlamento. Já neste mandato começaram importantes transformações democráticas em El Salvador como na área de educação, saúde, saneamento, transportes e a solução de importantes demandas dos movimentos sociais.
O alinhamento do Governo salvadorenho e da FMLN com Cuba, Nicarágua e com a ALBA garante um enorme passo para a construção das condições de infraestrutura econômica, baseadas principalmente no apoio da Alba com os combustíveis e, a partir disso, em ações ligadas ao processo de melhoramento e modernização de sua agricultura.
Em 2014, a FMLN elegeu o dirigente histórico Salvador Sánchez Cerén à Presidência do país. Nesse mandato houve uma aproximação com a China e a Rússia como parceiros estratégicos para as relações comerciais e econômicas em geral. Em El Salvador se aplicou muitas das políticas sociais usadas nos governos petistas no Brasil.
A FMLN luta bravamente contra o processo da instalação da mineração em El Salvador, assim como contra a privatização da água, por ser um país vulnerável ecologicamente. E isso fez com que os Estados Unidos punissem sempre o país com leis para fazê-lo voltar atrás, usando regras imigratórias que impedissem os salvadorenhos que vivem nos Estados Unidos mandarem inclusive dinheiro para seus familiares, sendo que esse montante é uma grande fonte de divisas para pequenos países. A pressão dos Estados Unidos contra o governo de El Salvador é cada vez maior, motivada pelos laços de cooperação externos independentes que seu governo realiza.
No plano político interno já existiram nos anos anteriores rupturas internas na FMLN à direita e à esquerda. O ex-dirigente do ERP Joaquín Villalobos até tentou construir um partido de tendência social-democrata, mas hoje não tem quase atividade política. À esquerda, Dagoberto Gutierrez formou um partido chamado Tendência Revolucionária, que perdeu força há anos. Atualmente eles apóiam uma nova organização que está em processo de legalização chamada Novas Ideas.
Nas eleições anteriores para Prefeito de San Salvador, a FMLN elegeu Nayebe Bukele, vindo da nova geração de efemelenistas do pós-guerra. Bukele divergia muito das conduções do Governo com a Direção da FMLN e neste processo foi expulso.
Nas últimas eleições para Prefeito de San Salvador e para deputados, a FMLN foi derrotada quando Bukele e esta organização Novas Ideas pediram voto nulo. A FMLN diminuiu o número de deputados e ficou minoritária no Parlamento e sem alianças para a manutenção da maioria de apoio ao Presidente.
As eleições para Presidente ocorrerão em fevereiro do próximo ano. Concorrem por FMLN Hugo Martínez e Carine Sozan e pela direita tradicional concorre uma forte candidatura das velhas escolas de Arena, PDC (Partido Democrata-Cristão) e PCN (Partido de Conciliação Nacional). O que há de novo é Bukele pelo partido GANA (Grande Aliança pela Unidade Nacional), partido fisiológico centrista que sempre busca alianças com distintos governos.
A incidência do golpismo em El Salvador é sentida na tentativa de golpear a FMLN e usar a maioria do Parlamento para fazer reformas anti-populares como liberar a mineração e a privatização da água, entre outras. Por certo, nesta situação eleitoral de divisão, haverá a necessidade de um segundo turno, mesmo que o processo e as regras eleitorais para isso acontecer sejam diferentes do Brasil.
Os possíveis erros de condução política tanto da FSLN na Nicarágua e da FMLN em El Salvador não as desqualificam como organizações de esquerda e revolucionárias, até mesmo porque não vivemos na situação revolucionária da América Central em que essas organizações foram criadas.
Sem deixar de lado as necessárias críticas, é fundamental diferenciar os projetos que estão em disputa em ambos países e denunciar as tentativas golpistas que seguem o roteiro de desestabilização orquestrada pelos interesses imperialistas.
DN Polo Comunista Luiz Carlos Prestes
13.08.2018