EL FEMINICIDIO NO SE TOMA CUARENTENA // O FEMINICÍDIO NÃO ENTRA EM QUARENTENA

EL FEMINICIDIO NO SE TOMA CUARENTENA // O FEMINICÍDIO NÃO ENTRA EM QUARENTENA

Por Cecília Brancher*

A pandemia de coronavírus requer medidas drásticas de isolamento social. Ainda que o confinamento não seja a realidade de muitos trabalhadores e trabalhadoras, seja pelo relaxamento da quarentena ou pela insuficiência de políticas de prevenção da doença e auxílios para trabalhadores informais por parte do poder público, cerca de metade da população brasileira está passando a maior parte do tempo em casa. Ao mesmo tempo, dados alarmantes demonstram o que, infelizmente, não era difícil de imaginar: um aumento significativo das denúncias de violência doméstica e feminicídio não só no Brasil, mas em diversos países. 

Em São Paulo, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), os atendimentos a mulheres vítimas de violência doméstica aumentaram 44,9% durante a quarentena, e os casos de feminicídio passaram de 13 para 19, em comparação ao mesmo período do ano passado. O número de feminicídios no Mato Grosso aumentou 400%, no Rio Grande do Norte 300% e 100% no Acre.

Na Argentina, que segue com uma política rígida de isolamento social preventivo e obrigatório, as denúncias de violência contra a mulher por telefone aumentaram em 39% desde meados de março, com o início da quarentena, de acordo com o Ministério das Mulheres, Gênero e Diversidade, criado pelo presidente eleito em dezembro de 2019, Alberto Fernández. No país, 21 mulheres foram vítimas de feminicídio nos 20 primeiros dias de quarentena, registrando um aumento de aproximadamente 30% na média registrada anteriormente. No site oficial do governo argentino, está disponível uma lista de situações de exceção ao isolamento e permissão para circulação durante a quarentena obrigatória. Entre os casos listados, há um mês estão contempladas as situações em que mulheres vítimas de violência doméstica e pessoas LGBT, sozinhas ou com filhos(as), saem de seus domicílios para realizar denúncias ou requerer auxílio, assistência e proteção em razão de violência.

No Chile, onde são realizadas quarentenas seletivas por regiões de maior risco de contágio e não um isolamento social generalizado, foi registrado um aumento de 70% das denúncias telefônicas de violência contra a mulher, segundo o Ministério da Mulher e Igualdade de Gênero. Sendo que, em locais como o bairro de Providencia, em Santiago, as denúncias aumentaram 500% durante a quarentena seletiva. 

Por sua vez, o México já registrou mais de 163 feminicídios desde o início da quarentena, entre os dias 16 de março a 14 de abril, representando um aumento de cerca de 57 vítimas em comparação a esse mesmo período no ano anterior. Também as denúncias telefônicas aumentaram 80% e os pedidos de refúgio para mulheres vítimas de violência, 12,7%. 

O isolamento social é uma das medidas mais eficazes para conter o contágio em massa do coronavírus. Segundo diretrizes da OMS, a quarentena só deve ser afrouxada pelos governos dos países quando a transmissão da doença estiver sob controle. Mas, o que fazer quando a casa é um dos lugares mais perigosos para uma mulher? Como fazer frente ao aumento de denúncias de violência contra a mulher e casos de feminicídio, intensificados pelo confinamento? 

A violência doméstica e o feminicídio não foram trazidos pelo coronavírus, e muito menos são freados por ele. Segundo a socióloga marxista Heleieth Saffioti (2004), o patriarcado é um sistema de dominação-exploração específico das relações de gênero, datado de aproximadamente seis mil anos, no qual as relações são hierarquizadas entre seres socialmente desiguais. Entretanto, a emergência do capitalismo promoveu um processo de simbiose/fusão tão profundo entre os três sistemas de dominação-exploração (patriarcado, racismo e capitalismo), que transformou-os em um único sistema, inseparável na realidade concreta (SAFFIOTI, 1987). Ou seja, o nó patriarcado-racismo-capitalismo. 

Ao tratar de violência doméstica, não podemos deixar de comentar, ainda que superficialmente, sobre o processo de divisão sexual do trabalho. O trabalho é uma categoria fundamental para o materialismo histórico, sendo a atividade pela qual e através da qual o ser social se constitui e complexifica, afastando-se das barreiras da natureza. Com o advento da propriedade privada, a divisão social do trabalho destina majoritariamente os homens ao trabalho produtivo, e as mulheres ao trabalho reprodutivo, separando e hierarquizando o trabalho dos homens e das mulheres. Em A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Engels afirma que “o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher, na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino”. Hoje, a mulher trabalhadora assalariada ou informal, chega a acumular entre duas e três jornadas de trabalho: trabalha fora, em casa – o que muitas vezes inclui o cuidado integral dos filhos – e por vezes em casa de terceiros, como seus familiares idosos, por exemplo.

Ao exercer sua função patriarcal, o homem é autorizado pela sociedade a fazer uso da violência contra a mulher para garantir a obediência – aqui também se incluem crianças e adolescentes. E esse uso da violência no exercício da dominação-exploração tem limites socialmente aceitos que contribuem para garantir a sua perpetuação (SAFFIOTI, 2001). Portanto, se o patriarcado constitui e é parte do sistema de dominação-exploração, a violência doméstica, assim como a violência de classe, entre exploradores e explorados, e o racismo, é estrutural. Logo, a violência doméstica não é assunto que deve ser tratado pela sociedade como uma questão individualizada, um problema “de casal” que deve ser resolvido exclusivamente entre essas duas pessoas. 

O isolamento social necessário para a contenção da pandemia de coronavírus hoje, infelizmente, tem como resultado o espantoso aumento da violência doméstica. A mulher passa a estar confinada em casa com seu agressor ou agressor em potencial, em meio ao desenrolar de uma grave crise que afeta diretamente os trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo e piora consideravelmente as suas condições de sobrevivência. 

Mas, o que deve ser feito agora? Primeiramente, não podemos nutrir ilusões quanto ao fim da violência doméstica dentro do capitalismo. Já vimos que o sistema de dominação-exploração capitalismo-racismo-patriarcado constitui-se em um nó muito bem amarrado. A luta feminista não deve ser unicamente em prol da qualificação da mão-de-obra feminina e da garantia de mais oportunidades de trabalho para as mulheres, como advoga o feminismo liberal-burguês. A luta pela real emancipação das mulheres deve estar aliada à luta geral da classe trabalhadora e do povo oprimido pela superação da ordem capitalista e tomada do poder pelo proletariado. 

Em segundo lugar, devemos reconhecer que o Brasil conta com uma estrutura consideravelmente insuficiente para oferecer à mulher vítima de violência doméstica, a estrutura necessária para sua segurança. Por exemplo, existem hoje no Brasil apenas 153 casas-abrigo, casas com endereço sigiloso para onde as mulheres (muitas vezes, com seus filhos) são encaminhadas em casos de risco de vida, e onde permanecem isoladas e incomunicáveis, enquanto recebem atendimento médico, psicológico e jurídico [11]. Entretanto, ainda que insuficientes, medidas de ordem imediata e urgente devem ser tomadas ou intensificadas pelo poder público, na tentativa de frear as ocorrências de violência doméstica durante a pandemia, entre elas: o fortalecimento dos canais de denúncia e sua ampla divulgação; a instrução para que farmácias, bancos e supermercados ativem protocolos de denúncia e segurança quando as mulheres proferem uma palavra-chave (a palavra-chave no Chile é Mascarilla 19 [12]; Argentina e Espanha também fazem uso dessa estratégia); a criação de canais para denúncia silenciosa por meio de aplicativos; prorrogação automática e deferimento das medidas protetivas solicitadas; realização de amplas campanhas informativas, entre outras. 

De maneira criminosa, Bolsonaro usa das estatísticas que demonstram o aumento da violência contra a mulher, como pretexto para não haver isolamento em massa durante a pandemia [13] – naturaliza a violência doméstica para defender sua política genocida. Bolsonaro e sua cúpula militar fascista seguem aprofundando sua política de miséria e morte, em favor do lucro e em detrimento da vida. Em tempos incertos de pandemia e confinamento, que não se iludam os fascistas: não perderemos a esperança e a garra para lutar pelo fim da exploração das mulheres e de toda a classe trabalhadora.

Pela vida das mulheres e pelo direito à vida da classe trabalhadora,

FORA BOLSONARO!

Mestranda em História na Universidade de São Paulo e militante do Polo Comunista Luiz Carlos Prestes

REFERÊNCIAS

SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. 151 p. 

SAFFIOTI, Heleieth I. B. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987. 120 p

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, 1884.

SAFFIOTI, Heleieth I. B. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Cad. Pagu,  Campinas, n. 16, p. 115-136, 2001.

[11] Fonte: Justificando, disponível em: <https://bityli.com/r7PR4>. 

[12] Fonte: BioBio Chile, disponível em: <https://bityli.com/ikraZ>. E no Brasil, campanha do Projeto Mulheres para que mulheres peçam “delineador líquido” por mensagem e informem seu endereço para o “frete” (para que a polícia seja acionada), ver mais em: <https://www.instagram.com/p/B_Gjz6JAOPV/>.

[13] Fonte: Uol notícias, disponível em: <https://bityli.com/OUzf8>.

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