Como anda o ensino escolar básico no Paraná em tempos de pandemia?
No dia 31/03, o Conselho Estadual de Educação, após duas semanas do decreto do Governador Ratinho Júnior que colocou em recesso alunos, professores e agentes educacionais – até o dia 03 de abril – observando que a situação da pandemia não iria se normalizar, estabeleceu o Ensino à Distância no Paraná. Vale dizer que o Conselho indicou que as escolas, por meio de seus Conselhos Escolares, teriam autonomia para, a partir do diálogo com todos os segmentos que compõem a realidade escolar, definirem se iriam fazer adesão ao ensino à Distância ou se optariam pelo cancelamento do calendário (que posteriormente, a partir de parceria entre escola e a mantenedora, seria refeito).
Porém, em detrimento do CEE, no dia 02/04, Renato Feder (um empresário que hoje ocupa o posto de Secretário de Educação do Paraná) fez uma live pela manhã impondo o Ensino à Distância (fala oficializada posteriormente, no mesmo dia, por meio de uma minuta) a partir do dia 06/04. Segundo o empresário, serão organizadas todos os aparatos para que as aulas sejam viabilizadas por meio de um aplicativo de celular sem consumo de dados, 3 canais de TV aberta com cobertura estadual e o Google Classroom – diga-se de passagem, viabilizados com dinheiro público, destinados massivamente para o setor privado. A expectativa, a nosso ver inalcançável, é de atingir 90% dos estudantes. Além disso, já a partir do dia 03, a SEED/PR abriu um link para inscrição dos professores que queiram fazer parte do corpo de professores que gravarão as aulas – serão somente 100 professores, que receberão 70 reais por aula. Os demais professores se tornarão tutores, “tiradores de dúvidas” dos alunos, por meio de chats.
Nosso repúdio à Secretaria de Educação do Paraná (SEED) se dá ao “tratorar” as decisões do Conselho Estadual de Educação, ao sequer comunicar aos educadores as possibilidades de escolha entre Ead e suspensão de calendário. A nós, isso se mostra como uma imposição. Além disso, as críticas também se dão pela fragilidade da educação Ead no Brasil, pois esta modalidade de ensino não garante a globalidade da prática necessária para a efetivação do processo de ensino/aprendizagem. Ora, no máximo, será possível fazer com que os alunos decorem algum conteúdo. Mas aprender de fato, tornando o conteúdo em prática social, será impossível – em especial os que cursam atualmente o ensino fundamental II. Muitos conteúdos, senão todos, os conteúdos só passam a fazer sentido a partir de práticas, de jogos, da exploração do espaço extraclasse.
Temos mais críticas. Para os estudantes de escola pública, o acesso à tecnologia se dá de forma bastante precária, dada sua condição financeira e social. Ressaltamos alguns aspectos: esse ensino não alcançará os excluídos digitais, considerando que computadores, TVs e celulares, além da própria internet não são uma realidade para a maioria dos nossos alunos; não é 100% do território nacional que as redes de internet se dão com qualidade!
O aspecto cognitivo deve ser considerado: EaD não deve ser uma modalidade de ensino a alunos do ensino fundamental II, com maturidade ainda não formada para estudarem “por conta”; alunos que apresentam laudos de dificuldades de aprendizagem, ou de sala de recursos, terão somente mais uma dificuldade colocada para sua aprendizagem; por fim, não teremos a garantia de um familiar adulto qualificado para o ensino ao lado do aluno. Afinal, nada substitui professores e professoras, indivíduos preparados – por que passaram por cursos de graduação e alguns até por mestrado e doutorado – para a efetivação do processo de ensino aprendizagem.
Aliás, nos preocupa de sobremaneira o que pode ocorrer com professores e agentes educacionais. É amplamente conhecido que, desde 2016, a partir do Governo Temer e posteriormente Bolsonaro, que a lógica de política de gestão é diminuição e “enxugamento” da máquina estatal. Isso se traduz em menos servidores públicos para atender a população (via de regra, a mais carente e excluída). Especificamente para a educação, a tecnologia pode substituir, em percentual altíssimo, a mão de obra real. Assim, se esvazia a função social da educação, passando ela a ser concebida não como uma forma de preparar os indivíduos a agirem na realidade mas, como é efetivamente na atualidade, como mera reprodução e memorização de conteúdo. Para essa reprodução, não é necessário a contratação – de preferência por via de Concurso Público e integrando o profissional à planos de carreira e estabilidade – de diversos professores. Não é necessário sequer a contratação de professores, mas pessoas com “notório saber”, como apregoa a lei que modificou o Ensino Médio em 2017. Um tutor pode atender 80 pessoas à distância, de modo rápido. Precisaria esse tutor, mero reprodutor de conteúdos, de hora atividades? Menos professores.
E aí o efeito é em cascata. Ensino virtual não precisa de diretores. Ensino à distância não necessita de pedagogos – ou, no máximo, de poucos pedagogos. Ead não demanda a contratação de agentes, pois não existe mais a necessidade de merenda, de limpeza de espaço físico. Não são mais necessários secretários, uma vez que um aplicativo resolve toda a relação burocrática entre aluno e escolas (de preferência, na cabeça do atual governador e secretário/ empresário da educação, essa escola gerida por Organização Sociais). Ou seja: Ead não precisa de Educação! Ead não precisa de ensino. É uma falácia, que, a um só tempo, acaba com a função social da educação e acaba com inúmeros empregos, ou, o que dá na mesma, significa jogar milhões de brasileiros na informalidade, no bico, na precarização. Isso em uma realidade que já possui 12 milhões de desempregados, cerca de 30 milhões de informais, e mais quase 6 milhões de desalentados – com perspectivas de crescimento por conta da Covid-19.
Precisamos observar também a discussão de fundo mercadológico que a EaD impõe. A modalidade EaD para educação pública há muito tempo tem chamado atenção dos empresários do ensino e dos governantes que tem como projeto a diminuição do estado. Ora, para grandes empresas educacionais, a educação pública é um filão enorme! Para ela, podem-se fazer vendas milionárias de pacotes de aulas, apostilas aligeiradas, formações (absolutamente duvidosas) de professores. Todos materiais que, no máximo, garantirão uma formação rebaixada, tanto de professores (no caso da formação continuada) como, mais grave, de alunos (indivíduos em formação para a vida).
Nós, que sempre defendemos a educação pública, gratuita, de qualidade e para todos, afirmamos que o Estado precisa garantir acesso à educação socialmente referenciada, de qualidade, presencial! Este não é o momento para se pensar em Educação à distância. Precisamos, isto sim, nos concentrar em conter o avanço da pandemia para que a normalidade volte o mais rápido possível. Somente após isso, teremos condições de pensar e dialogar sobre a retomada. Posteriormente dialogaremos sobre carga horária, período de reposição ou se usaremos dois anos para terminar um ano letivo – sem qualquer prejuízo à estudantes, com a suspensão também de vestibulares e mecanismo externos de avaliação em larga escala. Agora é momento de suspensão de calendário, de cuidar de nossas famílias e das famílias de alunos e alunas.
- Texto de autoria de: Claudio Dias e Maria Andreia Dias