Enfrentar “dois patos com uma cajadada só”: A crise das frações da direita radical e a saída proletária-popular
Após cinco meses desde sua posse, o Governo Bolsonaro enfrenta uma séria crise política. As contradições, que tem por raiz fundamental o aprofundamento da crise estrutural do capital, foram todas agravadas pelo movimento golpista que se instaurou no poder de Estado em 2016. Os efeitos mais nefastos da crise se agravam diante da efetivação da plataforma elaborada pelas oligarquias orgânicas do imperialismo e da burguesia monopolista interna mais integrada aos interesses do capital financeiro internacional. Uma programática de cunho antiproletário, antipopular, antinacional, antidemocrático, reacionário e obscurantista.
A ultradireita que se encastelou no executivo federal com o advento do governo Bolsonaro é portadora de um projeto sistematicamente fascistizante. Eduardo Bolsonaro (o Zero1, do clã) é o representante na América Latina do “Movimento”: rede de partidos e figuras políticas de extrema direita idealizado e coordenado por Steve Bannon, o estrategista da vitória eleitoral de Trump nos EUA. Trata-se de uma política de total servilismo aos EUA e à “internacional fascista” de Bannon. No caso de um fascismo de país dependente como o Brasil, em que o imperialismo é a fração dominante no bloco de poder, tal projeto caracteriza-se por um entreguismo sem limites. Busca, também, assegurar as condições repressivas para impor uma centralização acelerada de capital e descarregar os custos da crise econômica nas costas das classes oprimidas.
Na política externa, o governo de continuidade golpista se envolve na aventura de agressão externa estadunidense contra a Venezuela; e prometeu entregar Bases Militares para os EUA na Amazônia. Há resistências internas, mas o governo já entregou a Base de Alcântara, em acordo que a torna praticamente uma propriedade estadunidense, pois abre mão de qualquer controle que garanta a soberania e os interesses nacionais. Bolsonaro se declara competente para decidir sobre o início de uma guerra de agressão à Venezuela sem deliberação do Congresso Nacional. As seitas ideológicas que dominam o atual governo se jogam numa “cruzada” diplomática “messiânica” e delirante, identificada com um mítico “Ocidente” supostamente ameaçado. Os “templários” anacrônicos que dirigem a política externa agridem aliados e parceiros internacionais do país – Brics, Mercosul, países árabes, “não-alinhados” – praticando uma submissão canina, automaticamente alinhada aos EUA, desrespeitando a autodeterminação dos povos, abandonando as melhores tradições do Itamarati.
O atual governo radicaliza as políticas de privatização da totalidade do patrimônio público nacional: riquezas naturais, todas as empresas estatais e mistas (quase uma centena, inclusive a estratégica Petrobrás, a Eletrobrás e todos os Bancos públicos). Neste projeto de “privatização de tudo que for possível”, já se efetivaram: a escandalosa entrega da Embraer aos ianques (agora “Boeing do Brasil”), toda uma série de acordos e leilões do Pré-sal e operações de esquartejamento da Petrobras. Enquanto isto, nos EUA, Guedes promete entregar o Banco do Brasil ao Bank of America. A política economia pró-imperialista de Guedes é 100% servil ao imperialismo, aos interesses predatórios do capital financeiro. Este servilismo leva à destruição das cadeias produtivas do país e à uma inédita regressão no sentido da “reprimarização” da economia brasileira, novamente reduzida a gravitar em torno da exportação de produtos minerais e agropecuários.
O discurso de que com as “reformas” pró-capital financeiro “o Brasil vai decolar” é não apenas reacionário, mas falso. O capital estrangeiro que está vindo para o Brasil é voltado para a acumulação por espoliação e só irá intensificar a regressão primário-exportadora do Brasil. Um país capitalista dependente que, no entanto, é até agora a estrutura produtiva mais diversificada da América Latina.
Quanto ao próprio investimento estrangeiro direto (IED) das transnacionais, o que se vê no Brasil é a mesma desindustrialização que a política similar de Macri provocou na Argentina. Só nos últimos meses já fecharam as portas as seguintes fábricas de transnacionais com capital fixo instalado no Brasil: Ford, (fábrica de automóveis e fábrica de caminhões), Mercedes, Pirelli, Mabel (Pepsico) e várias outras. Sem mencionar várias plantas de monopólios de capital predominantemente brasileiro.
No momento em que nos aproximamos de uma nova recidiva de crise cíclica no interior da prolongada crise estrutural do capital; as expectativas de crescimento imediato da economia brasileira se esfumam, com previsões de um “PIBinho” com crescimento zero. A recessão técnica já é uma realidade. As condições de vida da grande maioria do povo pioraram muito nos últimos quatro anos: a fome e a miséria, antes declinantes, voltam a crescer; o desemprego oficial soma 12,7% no primeiro trimestre, 14 milhões, cifra que sobe a 30 milhões com subocupados. Foi eliminado o critério, antes vigente, que reajustava o salário mínimo acima da inflação, baseado no PIB e produtividade – para iniciar um novo ciclo de arrocho com aumento zero, com consequências nefastas para todos os trabalhadores, já que as várias faixas de remuneração sofrem influência do piso legal.
O ataque aos direitos e ao sistema de instituições de interesse social já vinha avançando com a EC 95 que congela o teto dos gastos públicos por 20 anos e com a contrarreforma trabalhista do Governo Temer. Agora o governo Bolsonaro pretende radicalizar ainda mais estes retrocessos até chegar ao extremo da “completa informalidade”. O Ministro da Saúde Mandetta anuncia o projeto cobrar atendimentos no SUS, rumo à sua privatização plena; o que liquida o direito universal à saúde pública e gratuita (garantido na CF1988). O objetivo mais imediato e importante desta política, que consome os esforços do superministério de Guedes, é aprovar a privatização e efetiva destruição da Previdência social (e da aposentadoria) pública, com a sua entrega à exploração do capital bancário, através do “sistema de capitalização”.
O governo promove um desmanche dos serviços públicos: já reduziu 1/3 do funcionalismo federal e congelou concursos para cargos públicos; agravando a baixa qualidade dos serviços essenciais. Cortou 25% das verbas destinadas ao IBGE e busca destruir os centros de pesquisa em ciências sociais nas universidades públicas, inviabilizando o levantamento de dados e a produção científica e crítica, indispensáveis para o conhecimento da realidade brasileira. Não esperou sequer a aprovação de projetos obscurantistas, como o “escola sem partido”, para deflagrar uma caça às bruxas macarthista nas instituições de ensino. O Ministro da Educação Weintraub – após citar três instituições que seriam punidas por “balbúrdia” (por realizar atos políticos) – anunciou em 30/04 um corte de 30% a 54% das verbas das Universidades e Institutos Federias. Em seguida, Bolsonaro baixou o Decreto nº 9.794 14/5/2019, que destrói a autonomia das Universidades Federais (garantida na CF88), e permite ao Executivo indicar do Reitor aos chefes de Departamento, eliminando eleições democráticas e consultas internas.
O chamado “pacote anticrime” do Ministro Moro legaliza a “licença para matar” para policiais; mas em nada melhora as condições de salário e trabalho destes. Assim, a proclamada “priorização da Segurança Pública” só fez aumentar as mortes por assassinato. Aumenta a promiscuidade com os bandos criminosos milicianos inclusive no interior das instituições públicas; enquanto o Governador do Rio participa pessoalmente da fuzilaria sobre favelas cariocas em um helicóptero oficial. O governo estimula os latifundiários a comprarem armas para atacar os Sem-Terra nas propriedades litigiosas, bem como, facilita a manutenção legal de arsenais bélicos por parte de falanges privadas.
Esta lista está longe de se esgotar o elenco de medidas antipopulares que, na prática, já convive com a imposição de um aprofundamento das restrições às liberdades democráticas, presentes na “transição” conservadora pós refluxo do regime ditatorial militar.
A realização desse programa pró-imperialista extremado não é possível sem mudanças substanciais no regime político. Aí como veremos, há diferenças de grau entre o projeto de “restrição da democracia política” de Bolsonaro e o projeto da direita tradicional.
O Regime de Exceção, instaurado desde 2016, escancara plenamente sua programática sob o comando fascistizante do governo Bolsonaro: liquidar a soberania brasileira, entregar o patrimônio nacional, destruir direitos populares e suprimir o regime democrático. Para realizar suas políticas nefastas o “bolsonarismo” busca esmagar o movimento proletário-popular e democrático, suas instituições e partidos. Sua tática está centrada no confronto permanente e em tornar cada vez mais aguda a polarização política; com o objetivo de: realizar aspectos parciais do seu projeto e manter coesas suas bases de extrema-direita, para mobilização fanático/terrorista com vistas a pavimentar as condições da instauração de um novo regime ditatorial.
No entanto, a ofensiva fascistizante possui pontos fracos, podendo ser derrotada em combates parciais e barrada em médio prazo. Ela já se depara com aguerrida oposição: impulsionada pelo movimento popular e democrático e facilitada pelas fissuras no topo, postas pelas contradições entre várias frações no interior das próprias classes dominantes (com suas expressões políticas).
Neste mês de maio se abriu um ciclo de mobilizações populares, que se objetivou nas jornadas em defesa da Educação e da Universidade pública e democrática (15M e 30M). O embate mais decisivo será a greve geral em defesa da previdência pública e da aposentadoria, convocada para o dia 14/06. Abre-se um momento conjuntural novo: o governo Bolsonaro e o movimento golpista mergulham numa grave crise e a luta política no país atinge uma nova envergadura com a retomada da mobilização popular massiva nas ruas. Essa disputa, porém, não se dá mais nos marcos da “democracia restrita” vivida a partir da Constituinte de 1988; e sim, no interior do mais repressivo “regime híbrido de exceção” que se instaurou após o golpe de 2016.
As forças sociais e políticas em confronto histórico são expressão de diferentes classes sociais, frações de classe e camadas sociais; com interesses e projetos distintos e, no que é fundamental, antagônicos e excludentes. O conflito instaurado pela crise atual produziu três grandes projetos que disputam os rumos do Brasil.
Na conjuntura atual se configuram, esquematicamente, três grandes campos políticos: 1) as forças políticas que se organizam no Governo Bolsonaro e formam o campo da extrema-direita fascistizante; 2) a direita tradicional, com um espectro político bastante heterogêneo, que envolve as cúpulas dos partidos de direita históricos (Psdb, MDB, Dem, etc), hoje majoritária no Congresso Nacional; 3) as forças proletário-populares, democráticas e progressistas.
Resultados Possíveis da Crise em Curso e a Saída que Interessa ao Campo Popular.
Podemos esboçar basicamente quatro cenários possíveis, com algumas variantes, de evolução e desfecho da crise atualmente em curso; sendo que apenas uma (a última) atende ao que é necessário e interessante para o campo proletário-popular:
1) Bolsonaro responde com uma ofensiva de endurecimento político pesado, objetivando sua vocação fascista e acelerando o ritmo para a transição a um novo regime político. Neste caso, seria desatada a repressão, imediata e selvagem, contra todos e tudo o que se opõe ao seu programa político-social até chegar em pouco tempo ao autogolpe (fujimorização), com intenso apoio do imperialismo estadunidense.
Bolsonaro e seu clã desejam construir a ditadura por meio de um fortalecimento do poder executivo pessoal do Presidente. A exemplo do “autogolpe” de 1992 do ditador peruano Fujimori: o Congresso e o Judiciário (e não só o STF) poderiam ser fechados por algum tempo, e depois, quando reabertos ganhariam um estatuto mais fraco e subordinando ao Executivo. O alto comando das Forças Armadas também busca mudar o regime no sentido ditatorial, com uma radical restrição das liberdades democráticas. No entanto, os generais não aceitam no momento a versão de ditadura do executivo com poderes concentrados pelo Presidente. Defendem algo como uma atualização do regime de 1964, com a generalização e intensificação da tutela militar sobre o conjunto das instituições da república, inclusive a Presidência da República. Provavelmente, haveria maior preocupação com a manutenção de um “regime constitucional de fachada”: uma busca de manter ao menos a aparência de procedimentos legais.
2) O governo Bolsonaro recua, tenta baixar a temperatura política através de concessões, conforma-se com uma contrarreforma da previdência mais branda, opta por um programa de privatizações e desnacionalizações menos extremado e absoluto, redimensiona tornando mais amenos o corte de verbas, o ataque a autonomia da Universidade, o desmonte do SUS e serviço público.
Destas duas opções, Bolsonaro prefere claramente a primeira: seu projeto original, sistematicamente perseguido. No entanto, sem força imediata para tanto, em busca desesperada de folego para sobreviver, poderia tentar ganhar tempo com a segunda. No caso de Bolsonaro não sofrer uma derrota profunda, a segunda opção não passaria de uma trégua.
Seria um grave erro subestimar a força atual da extrema direita: domina o poder executivo, é integrada pelo comando da Forças Armadas (que historicamente desempenhou funções de “partido armado do grande capital”), tem o apoio de importantes setores do Judiciário (nucleados pela “Operação Lava Jato”, mas com presença difusas e na cúpula). O mais importante, porém, é ter claro que a extrema-direita fascistizante cresceu com forte apoio das forças dominantes do imperialismo estadunidense, assim como da burguesia monopolista interna mais integrada ao imperialismo e com associação mais profunda com seus centros financeiros, empresas transnacionais, negócios e interesses. O bolsonarismo persegue sistematicamente uma mudança de regime político, eliminando tudo o que resta de democrático da CF de 1988, visando instaurar um regime policial ditatorial. É óbvio que toda ditadura moderna busca se legitimar, mantendo uma fachada de procedimentos legais e alguns elementos formalmente democráticos esvaziados de conteúdo. Bolsonaro disse ao que veio! Ainda que, por vezes, dissimule em parte o seu discurso, reservando alguns aspectos mais indefensáveis de sua pregação antidemocrática ditatorial para seu séquito de fanáticos
3) A direita tradicional fecha um acordo com Mourão, ou em torno de uma instituição controlada pelo campo golpista (como por exemplo, um parlamentarismo ou “semiparlamentarismo” com Maia); como alternativa substitutiva para poder executar o mesmo programa ultra-reacionário: submisso ao imperialismo estadunidense, entreguista, antipopular, privatizante, de desmanche do serviço público, antidemocrático, repressivo. No cenário atual, os setores mais tradicionais das elites orgânicas da grande burguesia brasileira só teriam possibilidade de sucesso aliando-se com os generais para pressionar Bolsonaro no sentido de uma renúncia negociada, ou o derrubar por impeachment. Na programática econômica seria uma espécie de “bolsonarismo sem Bolsonaro”. A direita-tradicional começaria tentando implementar a programática contrarreformista e pró-imperialista um pouco mais amena, como no segundo cenário acima descrito. No aspecto político, seriam preservadas as atuais atribuições das instituições parlamentares, o STF e outros espaços que viabilizam a articulação dos interesses das várias frações da burguesia, suas reinvindicações regionais, etc. É justamente para continuar a “reforma reacionária” da CF de 1988 sem inviabilizar a reeleição de políticos vinculados à direita-tradicional que estas contrarreformas seriam um pouco “amenizadas”; num ambiente de desmonte de direitos e num grau de restrição das liberdades democráticas menos extremado do que o do bolsonarismo.
4) O campo proletário-popular e progressista se fortalece na resistência às políticas do Bolsonarismo e constrói as condições para passar da resistência à ofensiva. A situação atualmente posta é a resistência; mas, a construção de uma saída democrática da crise deve estar sempre pressuposta na política dos revolucionários. O movimento proletário-popular, através da mobilização contra as políticas da direita radical, vai constituindo uma situação no país que torna impossível a aplicação do programa e dos desígnios reacionários do campo direitista. Acuando o bloco reacionário, o campo popular vai progressivamente acumulando força suficiente para construir uma saída popular para a crise. Saída que, a partir da conjuntura atual, significaria estabelecer a solução democrática que foi interditada no ano passado: anulação das eleições de 2018, convocação de novas eleições realmente livres e soberanas, libertação de Lula e garantia de seu direito a participar do processo eleitoral. Esta saída passa pelo claro compromisso das forças do campo popular de refundar a República e instaurar uma nova ordem democrática no país, através de uma Assembleia Nacional Constituinte soberana; com a qual, na nova correlação de forças geradas neste processo, o campo unitário proletário-popular e progressista abra espaço para uma democracia participativa, com o povo como protagonista da transformação social.
Este quarto cenário – a solução democrática da crise – supera a condição de possibilidade (objetiva, racional e necessária) ainda remota e passa a ser vislumbrada como possibilidade concreta. É claro que ela implica em percorrer um árduo caminho. É necessário ter audácia e paciência, capacidade de construir unidade e acumular força organizada; sem nunca cair numa armadilha que desarme o campo proletário-popular e progressista em uma situação que começa a virar a nosso favor.
EM HIPÓTESE ALGUMA SE DEVE ACEITAR AS SAÍDAS CONSERVADORAS. Para a esquerda, aceitar qualquer uma das três saídas reacionárias seria um suicídio político: seria abdicar da luta hegemônica e se conformar à situação caudatária. Devemos trabalhar para que as forças populares possam se aproveitar dos conflitos das classes dominantes, manter sua independência e construir o seu próprio caminho. A resistência contra as medidas antipopulares do governo deve ligar-se desde já à construção da saída democrática e popular para a crise. A esquerda precisa de uma perspectiva estratégica para constituir o seu protagonismo, construir uma frente política de unidade proletária, popular e democrática dos setores dispostos a lutar por um novo regime efetivamente democrático e um programa de profunda transformações para o país: um programa radicalmente democrático anti-imperialista, antimonopolista, antilatifundiário. Esta não pode deixar de ser a perspectiva estratégica.
O quarto cenário é algo a ser construído por um movimento identificado com um projeto proletário-popular. É claro que, em razão da sua natureza intrinsecamente democrática, a configuração deste projeto passa por colocar as necessidades vitais da maioria do povo no centro da luta política. É um projeto que se reapresenta no interior do processo em que as massas populares recuperem autoconfiança e energia após as derrotas recentes Esse processo responde à própria dureza da realidade sócio-histórica material; com ampliação do desemprego, da miséria, da violência e da destruição dos serviços públicos e instituições de serviços sociais.
Não cabe aqui entrar em detalhes sobre a situação atual da esquerda no Brasil, mas apenas apontar horizontes que consideramos mais acertados do ponto de vista das batalhas que estão próximas.
Esta é uma crise no interior do movimento golpista que ascendeu ao poder em 2016. Há um duplo confronto dentro do campo da direita radical. Há conflitos entre a direita tradicional (PSDB, MDB, DEM, etc.)e os fascistas que compõem o governo; e há choques no interior dessa extrema direita fascista entre os que apoiam a exacerbação do “poder do chefe” de Bolsonaro e o núcleo que se objetiva como projeto de extensão e generalização da tutela militar sobre as instituições articulado em torno de Mourão. Isto desorganiza as classes dominantes e abre fissuras por onde o movimento popular, que retoma sua capacidade de ocupar massivamente as ruas do país, pode desagregar bloqueios e recuperar força para resistir, se reorganizar e avançar.
É preciso, portanto, muita firmeza e luta contra a vacilação para que a esquerda construa uma agenda capaz de resistir com eficácia para saltar à ofensiva. É absolutamente imprescindível que nosso campo NÃO SE ILUDA COM A PALAVRA DE ORDEM “FORA BOLSONARO”. Colocada dessa forma simplista ela é extemporânea e, pior, pode se tornar algo que facilite a manipulação e cooptação do movimento popular e o conduza a uma adesão acrítica e bovina ao projeto imperialista, em versões que se apresentem mais palatáveis e pretensamente “civilizadas”: como a substituição de Bolsonaro por seu vice, o general Mourão, ou um parlamentarismo (informal ou formal), ou outra saída qualquer inventada e controlada pela direita tradicional.
Para evitar estas saídas conservadoras é fundamental que o movimento busque criar as condições para ir além da resistência, construído alternativas positivas e politizadoras.
Nós consideramos que essa luta precisa incorporar a elaboração de um Programa de Resistência que se oponha frontal e vigorosamente ao conjunto das políticas do movimento golpista, tanto do bolsonarismo quanto e da direita tradicional. Estas reivindicações de resistência, pelo seu próprio caráter, se articulam internamente com a luta pela conquista de uma ampla democratização da sociedade que garanta o protagonismo proletário e popular, bem como, viabilize a efetivação de um programa mais avançado, efetivamente anti-imperialista, antimonopolista, antilatifundiário. Este Programa de Resistência, ao nosso ver, deve se articular a partir de lutas que podem ser apresentadas em quatro eixos principais:
1) Direitos populares e trabalhistas. Defesa de todas as conquistas econômicas e sociais da classe trabalhadora e do povo, bem como o patrimônio e os serviços públicos que provém condições dignas de vida a população: SUS, Previdência, educação pública, assistência social, habitação (não só o que há de avançado no MCMV, mas também as conquistas das comunidades pobres, quilombolas, MTST). Enfrentar a implantação da contrarreforma trabalhista e lutar por um novo Código Nacional de Trabalho. Contra o arrocho salarial, por medidas contra o desemprego, por melhores condições de vida para os trabalhadores e as maiorias.
2) Liberdades democráticas. Defesa dos direitos e liberdades civis e democráticas, que incorporem as reivindicações que se avolumam na medida que a repressão e o fascismo institucionalizado avançaram e a pauta que resulta das lutas históricas de combate às políticas de extermínio do povo negro e índio, à estrutura violenta e assassina de uma sociedade patriarcal, machista e LGBTfóbica. Punição para os mandantes do assassinato de Marielle. Anulação das eleições manipuladas de 2018 e revogação dos instrumentos ilegítimos – o punitivismo autocrático e manipulador do Judiciário e da Lava-Jato, as perseguições políticas, as milícias da internet – que permitiram a interdição de uma saída democrática capaz de derrotar o movimento golpista em 2018. Convocação de novas eleições diretas, com Lula-livre e com direito de participar das eleições.
3) Questão Nacional. Reversão total das privatizações do patrimônio público, da entrega das empresas e recursos naturais brasileiros ao capital financeiro internacional. Luta pela soberania nacional e uma política econômica que recupere a malha industrial brasileira e reverta a desnacionalização e reprimarização em curso. Lutar pela auditoria da dívida pública para preparar sua moratória. Resistência contra as forças imperialistas de opressão e exploração.
4) Paz Continental. Defesa intransigente de uma política de paz, convivência pacífica e respeito à autodeterminação dos povos. Contra o planejado ataque militar estadunidense à Venezuela e a tentativa bolsonarista de envolver as Forças Armadas brasileiras nesta aventura criminosa, que certamente causaria tragédia para as massas do continente.
Brasil, 31 de maio de 2019.