Reflexões sobre o Fascismo: o fenômeno fascista em tempos de bolsonarismo
Por: Willian Abreu
Esse é um daqueles debates em que geram queimaduras por todos os lados, no desenvolvimento de uma conceituação que encontra diversos intérpretes e carrega um conteúdo polêmico a ser estudado. Por esse motivo é necessário que seja observado de forma cuidadosa e em sua amplitude, buscando compreender todos os elementos para que possa contribuir na defesa de uma narrativa que nos forneça o entendimento mais acertado da realidade em que nos inserimos. Só assim podemos diagnosticar um conteúdo como fascista ou não.
A conceituação do fascismo aparece em primeiro momento, de uma compreensão com grande forma qualitativa através do italiano Antonio Gramsci. Nos seus estudos sobre o fenômeno fascista na Itália, ele vai afirmar:
O fascismo é o nome da profunda decomposição da sociedade
italiana, que não podia deixar de se fazer acompanhar pela profunda
decomposição do Estado. Só se pode explicá-lo hoje se recordarmos o baixo nível
de civilização a que a nação italiana chegou nestes sessenta anos de
administração unitária.
(GRAMSCI, 2004, p. 57).
É preciso recorrer ao contexto da época para ter uma apreciação mais didática das coisas. No momento em que Gramsci escreve isso, o clamor fascista já tinha conquistado as massas como consequência de um discurso extremamente moralista da história e de uma profunda negação dos antigos partidos burgueses. Desse modo o fascismo “atrai, no interesse dos setores mais reacionários da burguesia, as massas decepcionadas que abandonam os antigos partidos burgueses”¹. Mas a crise que assolava a nação italiana no pós-primeira guerra mundial não teve sua solução no fascismo. No fim das contas, a resposta fascista à crise na Itália tinha outro caráter: impedir que o contexto histórico fizesse sucumbir o capital. Em outras palavras, a manifestação fascista aparece como um braço-aliado da burguesia para impedir a ascensão da classe trabalhadora. É uma espécie de correção da crise por meio da contenção dentro da ordem e fora da ordem. Esse é um dos elementos que corroboram o fascismo – a conservação da dominação burguesa sobre as condições mais variadas na modificação do Estado na democracia capitalista – sobre o domínio de um poder autocrático. Entretanto é preciso afirma que
O caráter fascista das ações
e processos políticos não se funda somente
na contradição
entre o uso institucionalizado da violência para negar os direitos e garantias
sociais estabelecidos e as imposições “universais” da ordem legal; mas na
existência de uma ordem constitucional que é menos que simbólica ou ritual,
pois só tem validade para a autodefesa, o fortalecimento e a predominância dos
“mais iguais” (ou os privilegiados).
(FLORESTAN, 1981, p. 22)
É nesse sentido que o fascismo se apresenta de forma ampla, se mostrando aqui como uma reação não apenas contra a ordem, mas também contra qualquer manifestação mais ou menos radicalizada dentro da ordem. Mantendo-se sobre o manto da democracia burguesa, um Estado privilegiado para a burguesia e um sistema autocrático para o povo. É por isso que ao observarmos o fascismo, é necessário afirmar que na vida nada é estático, a realidade objetiva nunca será a mesma em diferentes contextos históricos. Portanto, os conteúdos políticos de uma representação ideológica podem ser inclusive distintos entre si, quando colocados em condições materiais atípicas e subordinados a novos elementos orgânicos. Desse modo, o fenômeno fascista pode prosperar sobre as perspectivas de uma democracia burguesa – em um cenário em que se acirra cada vez mais o confronto de classes. Isso é essencial, pois o fascismo não pode e nem deve ser reduzido ao seu caráter repressor; mas ao contrário, esse deve ser apenas um dos aportes que aparecem mais ou menos expostos num conglomerado amplo do capitalismo. Essa característica é apresentada por Florestan como um “totalitarismo de classes”², que ele define enquanto
[…] sociedades
estratificadas nas quais a cultura especial da classe
dominante (ou setores de classe dominante) opera e é imposta como se fosse a
cultura universal de toda a sociedade (ou a “civilização”). (…) Quando os
membros da classe baixa “saem de seu mundo” e desempenham papéis que se
vinculam às esferas econômica, social e política da sociedade global, eles compartilham,
de uma forma ou de outra, traços ou complexos institucionais da “civilização”
(ou, em outras palavras, da cultura oficial e dominante).
(Idem, p. 19)
Quer dizer, a concepção de um fascismo universal vai ser calcada nas aspirações mais basilares da superestrutura política e social em que emerge até mesmo no lumpesinato³. E da mesma forma que não se limita o conteúdo fascista ao autoritarismo, não podemos afunilar aqui também o fenômeno apenas enquanto forma ideológica, pois as chances de nos prendermos em um dogmatismo é bastante elevada, desconsiderando uma observação totalitária da sociedade. É preciso que levemos como reflexão dialética às aplicações mais gerais impregnadas no conteúdo fascista. Isso significa levar em consideração necessariamente o contexto político e socioeconômico em que se insere (como localização geográfica, condição histórica, disposições materiais e objetivas da política local e etc.). Todos os processos anteriores se analisados cuidadosamente, irão nos fornecer aportes com maior qualidade para compreender como, quando e porque podemos afirmar que determinado movimento possui elementos fascistas. Isso significa deixar em evidência um leque com múltiplos agentes políticos e sociais que interferem direta ou indiretamente na constituição daquilo que se entende por “totalitarismo de classes”.
“Portanto, um totalitarismo
de classe produz seu próprio tipo de fascismo, que é difuso (e não
sistemático), que é fluido (e não concentrado), em suma, um fascismo que tem
seu nexo especificamente político dentro do Estado e do governo, mas que
impregna socialmente todas as estruturas de poder no seio da sociedade”.
(Idem, p. 22)
Diante dessas circunstâncias, é possível perceber que o fascismo não precisa necessariamente carregar as semelhanças estéticas de um modelo localizado no outro canto geográfico, quando produzimos uma análise orgânica do sistema embrionário capitalista. Em outros termos, não é prudente fixar a noção do fascismo unicamente em um polo ou em figuras caricatas que elevaram esse conceito. Não podemos ficar esperando que ressurjam todos os arquétipos ideológicos, ponto-a-ponto da atmosfera fascista Italiana para que julguemos o conteúdo como um sistema orgânico do fascismo. Por outro lado, as demandas da realidade nacional não devem ser ocultadas frente aos anseios mais gerais da sociedade. Por conseguinte, a localização dos instrumentos processuais da fascistização se esclarece no decorrer das necessidades particulares de cada nação, nos apresentando as estratégias mais gerais localizadas no desenvolvimento do conteúdo orgânico do fascismo.
É perceptível e palpável a evidenciação na diferença entre os sistemas de capitalismo central e de capitalismo dependente. É prudente também perceber que a figuração fascista tome características particulares nesse cenário. Isso porque carregam composições estruturais historicamente antípodas, influindo diretamente na prosperidade ou não da sociedade – significando no maior ou menor grau desenvolvimento dessas relações. Essa diferenciação fica bastante exposta com o advento do imperialismo no século XX, quando os bancos passaram a ter funções primordiais e o capitalismo central passou a deslocar o grosso das suas indústrias para os sistemas de dependência, uma herança das suas antigas colônias. O Brasil, assim como os demais países coloniais, cumpriu e cumpre com um papel importante para a ascensão do capitalismo enquanto dominação hegemônica do capital internacional. Tal condição é reflexo histórico na caracterização da acumulação primitiva de capital localizada, sobretudo nos países de dependência. A importância do setor agrário, em uma economia baseada principalmente em exportação de commodities não é por acaso, é uma herança da colonização no continente latino-americano. Como bem observou Florestan, mesmo no período colonial já eram colocados à disposição os “móveis capitalistas do comportamento econômico”⁴. Em todos os momentos o sistema político e econômico brasileiro se viu imerso sobre os interesses de outrem e dessa forma, nossa burguesia nasce filiada aos mandos e desmandos do capital internacional – aos interesses do imperialismo. A totalidade do estrato socioeconômico do Brasil é cerceado diante dessas estruturas, como também afirma Florestan:
Primeiro, no condicionamento
e reforço externos
das estruturas econômicas arcaicas, necessárias à preservação
do esquema da exportação- -importação,
baseado na produção de matérias-primas e de bens primários.
Segundo, ‘no malogro do “modelo” de desenvolvimento
absorvido pela burguesia emergente das nações européias hegemônicas.
Na realidade, a revolução burguesa não foi acelerada,
mesmo nos países mais avançados da América Latina,
através de um impulso econômico deliberado procedente da Europa.
Tanto para o “moderno” como para o “antigo” colonialismo
(em termos dos dois padrões de dominação
imperialista),
a integração nacional das economias dependentes sempre foi negligenciada.
(FLORESTAN, 1975, p. 17)
A limitação por parte da nossa burguesia de dar cabo às revoluções mais primárias dentro da ordem apresenta uma intensa dependência pelos setores externos, como também de certa aprovação pelas políticas internas. O desenvolvimento desigual entre os países do centro e da periferia vão dar espaço para o surgimento de burguesias distintas. Assim a burguesia brasileira acaba cumprindo com o papel de uma burguesia nativa, de tal modo que se desvincula das próprias necessidades nacionais. Se dermos um salto para o golpe civil-militar de 1964, conseguimos ter com clareza a dinâmica dessa relação dependente e subordinada ao capital internacional. Mesmo com a melhor das intenções por parte da burguesia brasileira, as cordas do golpe contra o ‘Jango’ só foram dedilhadas através das notas estadunidenses, pela urgência de colocar em ordem o seu “quintal dos fundos”. Mas essa influência não é uma singularidade apenas em tempos extremados. Como observado anteriormente, até mesmo dentro dos parâmetros normativos de democracia burguesa, as forças econômicas, sociais e políticas sofrem com a subordinação do capital externo. Neste sentido, os setores do monopólio capitalista, bancários e do latifúndio trabalham em conjunto com as forças imperialistas no Brasil.
Não é possível, portanto, falar aqui do fenômeno fascista na América Latina e, sobretudo no Brasil, sem levar em consideração os elementos apresentados. Todos aqueles que pretenderem analisar o fascismo no Brasil sem colocar em discussão os elementos mais gerais das estruturas de dependência, estará fadado a cometer apenas um recorte vulgar e dogmático das condições europeias, o que levará ao entendimento equivocado das coisas. Assim – com todos os esclarecimentos do que entendemos aqui por fascismo – passamos a debater com mais detalhes as condições atuais da política brasileira, o fenômeno bolsonarista e como o fascismo pode se expressar nessas circunstâncias.
Desde as eleições presidenciais de 2018, o grande debate que pautou o pleito eleitoral se deu pela escolha entre a “civilidade” e o “fascismo”. Naquele momento as aparências fascistizantes se calcavam na fragilidade argumentativa do Bolsonaro, principalmente pelo conteúdo de seus discursos extremados. Não para menos, a narrativa do seu Jair sempre foi um desastre de qualquer perspectiva racional. Entretanto, é bom mencionar que pela atmosfera em que se fundava o debate, muitos elementos acabaram sendo generalizados e alguns setores da esquerda (em especial os reformistas) acabaram vulgarizando o que se entende por fascista. Evidentemente que o mau uso do termo acaba tendo como resultado o descrédito pelo fenômeno em si, mas isso não exclui a realidade dos fatos. É certo dizer que a figura bolsonarista representava e representa o reaparecimento dos elementos do fascismo. Porém, o Bolsonaro não carrega os trejeitos tradicionais de um fascista e tampouco os instrumentos do fascismo terminam nele, quando se fala aqui em bolsonarismo, tratamos de falar do governo bolsonarista como um todo. Não dá pra negar que a forma como qual seu governo está sendo moldado possa estar desligado da composição geral das instâncias ministeriais e governamentais.
Um dos elementos mais presentes no fenômeno do bolsonarismo é, com toda certeza, o obscurantismo. A negação da ciência como um instrumento de desinformação sempre esteve presente na construção do governo bolsonarista. Desde a tentativa de sufocar as universidades públicas, com projetos em favorecimento do capital monopolista, como o Future-se5, até a então pandemia do covid-19, carrega um caráter até mesmo eugenista quando relacionado ao número de mortes pelo coronavírus, em detrimento das constantes declarações e ações contra as recomendações da OMS. Essa dinâmica obscurantista não é nova, como aponta Lukács (1957), quando trata de debater o irracionalismo como uma das ferramentas do próprio fascismo e que este fenômeno “precisa de uma atmosfera espiritual na qual, no plano teórico, toda sensibilidade pela ciência e pelo controle científico dos fatos e das leis que o regem sejam aniquilados”6. Na categoria ideológica, o bolsonarismo carrega semelhanças ao fascismo histórico, mesmo que o seu líder não tenha consciência ou se identifique como tal. Essa questão resulta na atuação consciente por parte dos seus ministros, conduzindo o fascismo como fenômeno orgânico do governo. Seja na área da educação, da saúde ou, até mesmo, na área da família.
Na reunião ministerial divulgada pelo STF recentemente, que ocorreu no dia 22 de abril deste ano (2020), foram expostos o que para muitos não era novidade, mas que para outros, como nós, significa uma chance de explorar ainda mais o conteúdo fascista no governo bolsonarista. Esse evento não apresenta grandes revelações, é verdade, mas trazem concepções pré-concebidas de forma mais aberta. Por exemplo, nessa reunião fica evidente a total subserviência ao capital financeiro por parte do governo, com um discurso extremamente entreguista do atual ministro da economia, Paulo Guedes, querendo destruir camadas baixas de empreendedores e também desmoralizar e retirar direitos dos servidores públicos, além de propor a privatização de áreas estratégicas do país, como o Banco do Brasil. Nenhuma dessas características podem, de forma isolada, ser consideradas fascistas. Entretanto, se analisarmos com mais detalhes o que outros dois ministros dizem, fica mais palpável. Nessa mesma reunião, a ministra Damares diz:
“Nós temos (sic) com um
milhão e quinhentos mil ciganos,
e eu falava de um milhão e trezentos mil,
e são um milhão e quinhentos mil ciganos.
Os nossos seringueiros são em números maiores
do que a gente imagina no Brasil.
Então, tudo que nós fomos construir,
nós vamos ter que ver, ministro,
a questão dos valores também.
(…)Os nossos quilombos estão crescendo,
e os meninos estão nascendo nos quilombos
e seus valores estão lá.
Então, tudo vai ter que ver a questão dos valores”7.
Em seguida, o ministro Weintraub completa:
“Odeio o termo
“povos indígenas”.
Odeio esse termo. Odeio. “Povos ciganos”.
Só tem um povo nesse país. Quem quer, quer.
Quem não quer, saí de ré. É povo brasileiro,
só tem um povo. Pode ser preto,
pode ser branco, poder ser japonês,
pode ser descendente de índio,
mas tem que ser brasileiro, po.
Acabar com esse negócio de povos e privilégios.
Só pode ter um povo“8.
Nesse momento escancaram-se as operações ideológicas do fenômeno fascista, a assimilação de um povo por outro, é uma característica comum na prática fascista. Ambos os discursos carregam um objetivo perigoso: destruir as culturas que diferem da hegemonia católico-cristã. Quando se insinua o fim dos “privilégios” dos povos supracitados, anuncia-se na verdade, o fim da pluralidade cultural e o início do cerceamento das expressões não-hegemônicas das formas linguísticas e culturais de um povo. No mesmo caminho, como observa Lukács (1956), havia na Alemanha nazista a mesma intenção de assimilação, o qual é parte constitutiva do arquétipo da superestrutura fascista. “O próprio Hitler mencionou abertamente essa diferença do fascismo hitleriano e do velho nacionalismo. Ele polemiza sobre seus objetivos de assimilação, de germanização dos povos de língua estrangeira”9. Mesmo no seio do nazi-fascismo, entendia-se que existe diferença entre o nacionalismo tradicional, e o nacionalismo extremado. A composição bolsonaristica se encontra na segunda opção.
Como bem apontado, há diferenças entre o nacionalismo tradicional e a direita tradicional, em relação ao nacionalismo extremado e a extrema-direita. É bom fazer essa diferenciação, senão fica parecendo que qualquer governo de direita pode ser fascista, mas isso não é verdade. E essa diferença pode ser posta na mesa quando observamos alusões explícitas ao fascismo, um confronto aberto entre os setores mais tradicionais e o setor da extrema-direita, além da composição orgânica do próprio governo, exposta na militarização dos cargos mais estratégicos da nação. Em um período curtíssimo de tempo, o governo Bolsonaro encastelou nas instâncias médias e altas do Executivo, mais de 2200 militares. Desse número, 22 deles ocupam os cargos ministeriais. Isso é um claro avanço na militarização do Estado brasileiro. Certamente uma guinada no sentido de uma política autocrática mais aberta por parte do governo bolsonarista. Isso porque seu governo passa por um confronto e uma instabilidade visível. Podemos creditar a teoria de que o bolsonarismo prepara um golpe dentro do golpe. Desde o golpe de 2016, a direita uniu seus projetos mais gerais pela aceleração das privatizações generalizadas de setores estratégicos do Brasil. Entretanto, no meio do caminho, ao confrontar o Bolsonaro, existiu uma divisão dentro da direita, entre direita tradicional e extrema-direita. A direita tradicional continua defendendo as mesmas reformas dentro da ordem, na intenção do arrocho dos direitos da classe trabalhadora. Enquanto a extrema-direita faz uma empreitada pela política de privatizações e austeridades burguesas não só apenas dentro da ordem, como também fora da ordem. É possível perceber que as movimentações do governo bolsonarista colocam em risco até mesmo a democracia burguesa.
Como observamos anteriormente, assim como na ditadura civil-militar, os interesses atuais do bolsonarismo é de dar cabo na unificação do bloco de forças dos monopólios capitalistas, bancários e latifundiários em conjunto do imperialismo. Por conseguinte o fascismo nas condições atuais irá adotar funções que melhor oferecem adaptação a essa nova fase imperialista, como bem tratou de apontar Dimitrov, quando coloca o fascismo como “a ditadura terrorista aberta dos elementos mais reacionários, mais chauvinistas e mais imperialistas do capital financeiro”10. Dessa forma, voltamos a afirmar que o fascismo deve ser visto também como arquétipos políticos, que se caracterizará pelas condições sociais e econômicas, assim o “fascismo é antes de tudo um fenômeno superestrutural, um fenômeno político dentro do capitalismo, próprio da época do seu declínio histórico”11. Esses elementos são agudizados com as recentes aparições do Bolsonaro em protestos, junto às massas médias da sociedade com o pedido do fechamento do STF e o retorno do AI-5. É preciso recordar ainda que nosso país já vivenciou elementos do fascismo no passado, durante alguns períodos da ditadura civil-militar. E com o incremento da militarização do governo bolsonarista e com uma redemocratização parca, temos grandes vacilações na seguridade dentro da ordem para uma investida no golpe dentro do golpe. A função dos militares na atual democracia burguesa já nasce problemática, como bem observa Luiz Carlos Prestes, expondo que de “redemocratização” não houve quase nada, visto que os militares continuam tendo funções extra-ordem garantidas constitucionalmente. O papel dos militares na nova constituição “trata-se do preceito que constituiu uma das maiores ou, mesmo, a maior vitória dos generais na Constituinte” (…), pois “eles (os militares) ganham (na Constituinte) todas as batalhas”12. Com esses aportes, é bem pouco provável que a direita tradicional consiga avançar com um pedido de impeachment ou depor de qualquer modo o Bolsonaro, levando em consideração ainda que sua base de apoio seja estrategicamente a ala militar.
Presente também na constituição, o bolsonarismo pode se valer ainda da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para reprimir a ascensão das camadas populares contra seu governo de morte e miséria. O caráter fascista contido na figura bolsonarista se expressa ainda de forma evidente na condição aberta de autocracia burguesa diante do recrudescimento das massas. Não existe na América Latina a mística fascista como no período de Mussolini, tampouco uma tradição partidária forte. Porém, seus preceitos superam os trejeitos subjetivos e se efetivam diante da objetividade social e política. Com a intensificação da crise estrutural do capital, deixando vestígios nas explosões de 2008 e o estreitamente das políticas mais ou menos progressistas, vide os governos petistas; o imperialismo avança em direção aos países de capitalismo dependente e pretende deslocar toda sua política de terror nessas nações para garantir a sustentação do capital internacional. Não podemos negar a possibilidade de um novo golpe no Brasil, nem subestimar o bolsonarismo.
O avanço da fascistização no Brasil significa uma miséria extrema e o empobrecimento generalizado do povo, que nada tem a ganhar com o cenário atual. E para além do enfrentamento genérico ao bolsonarismo, é preciso que tenhamos claro o papel dos comunistas nessa tarefa e as disposições gerais da realidade objetiva do povo. Diante das atuais circunstâncias é preciso compreender que o protagonismo político volta a acender nas camadas mais militarizadas da sociedade, na tentativa de uma nova guinada a um novo regime de ditadura aberta. Dependerá, portanto, da capacidade das classes mais avançadas de tomar conhecimento das condições do povo para o enfrentamento dessa nova força que surge para destroçar qualquer resquício de democracia burguesa no país. Se o fascismo surge para conter uma instabilidade política e um cenário de crise, as massas populares devem assumir seu papel histórico enquanto classe revolucionária e enfrentar o fascismo de qualquer forma possível. E é papel dos comunistas estar presente nessa luta na condição de vanguarda política.
Referências bibliográficas:
Antonio Gramsci, “Cadernos do Cárcere”. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 6v., 1999-2004;
Florestan Fernandes, “Poder e Contrapoder na America Latina”, 1981, p. 19-22;
Florestan Fernandes, “Capitalismo Dependente e as Classes Sociais na America Latina, 1975, p.17”.
Notas:
[1] – Georgy Dimitrov, “A luta pela unidade da classe operária contra o fascismo”, 1935;
[2] – o termo “totalitarismo de classes” aqui não se trata da concepção arendtiana de mundo. Trata-se de uma analise da totalidade social e seus instrumentos mais gerais, que pode ser observado nas obras de Marx como uma “observação da totalidade dos elementos sociais”;
[3] – refere-se aos setores mais remotos da sociedade, correlacionados aos lumpemproletariado, onde esses setores sociais acabam desempenhando um papel de “polícia” dentro da sociedade;
[4] – citação recortada do artigo “Consolidação e Atualidade do Capitalismo Dependente no Brasil: a contribuição de Florestan Fernandes”, por Davi Machado Perez e Ricardo Lara, p. 17.
[5] – Zine sobre o “Future-se”. Disponível em <http://acoluna.org/2019/09/05/zine-sobre-o-future-se/?fbclid=IwAR0w-FmwlGtVbofTYnjKs3WTjbqWj6U5UUhPCdAqXnEDjHyjYqWEjIspNTY>
[6] – Lukács, “O Fascismo Alemão e Hegel”. Disponível em <https://lavrapalavra.com/2020/06/03/o-fascismo-alemao-e-hegel/?fbclid=IwAR1hskofXA7jC_w6JyWC_Wlc1auvY4pPzwy9Zfa8IZ_c9SO6SMxljY8WD0Q>
[7] – Fala da ministra entre 01hr10min à 01hr11min do vídeo. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=TS5_AHbVD8k>
[8] – Fala do ministro em 01hr26min. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=TS5_AHbVD8k>
[9] – Lukács, “O Fascismo Alemão e Hegel”. Disponível em <https://lavrapalavra.com/2020/06/03/o-fascismo-alemao-e-hegel/?fbclid=IwAR1hskofXA7jC_w6JyWC_Wlc1auvY4pPzwy9Zfa8IZ_c9SO6SMxljY8WD0Q>
[10] – Trecho retirado do artigo “Ameaça Fascista no Brasil Atual?”, de Anita Leocádia Prestes, 2019;
[11] – Idem, Anita Leocádia Prestes, 2019; [12] – Luiz Carlos Prestes, “Um “poder” acima dos outros”, 1988. Disponível em <http://www.ilcp.org.br/prestes/index.php?option=com_content&view=article&id=216:um-qpoderq-acima-dos-ou