A perigosa reciclagem do golpe e a necessária unidade proletária-popular para combatê-lo

A perigosa reciclagem do golpe e a necessária unidade proletária-popular para combatê-lo

Para ter eleições, liberdades, democracia e direitos é preciso derrotar o movimento golpista como um todo

O Polo Comunista Luiz Carlos Prestes, assim como várias outras forças de esquerda do Brasil, está empenhado na construção numa única e fundamental tarefa: unificar a classe trabalhadora para derrotar movimento golpista em curso em nosso país. Consideramos que a construção de um projeto revolucionário para o nosso país passa pela derrota do movimento golpista no Brasil. O golpe de Estado de agosto de 2016 foi composto pela alta cúpula e as frações mais reacionárias das classes dominantes (domésticas e estrangeiras), alinhadas ao projeto do imperialismo que busca implementar seu projeto de subordinação nacional e regresso social, não apenas ao Brasil, mas a todas as nações capitalistas dependentes. 

O entendimento do momento que vivemos parte da compreensão do golpe como um processo e um projeto. Temos visto muitas organizações, partidos e forças dos mais diversos e até antagônicos setores da esquerda caírem surpreendentemente em avaliações políticas errôneas que se desdobram em táticas equivocadas, por não levar em conta, entre outros elementos, a compreensão marxista do Estado burguês, a luta de classes e a história! Algumas frações esquerdistas e inconsequentes negam a existência do golpe, afirmando que os governos petistas são a mesma coisa, ou seja, idênticos aos baluartes políticos deste atual governo, ou mesmo de frações das classes dominantes equivalentes entre si. Essa análise foca no entendimento de que o golpe se resumiu ao reordenamento jurídico político das classes dominantes pela via do impeachment de Dilma Rousseff. Desta forma, não entendem as lutas no interior da junta golpista e negam os possíveis recrudescimentos que podemos sofrer. Lembremos que nossa “democracia” é muito recente e frágil; se o sólido se desmancha no ar, imagine a “Nova República”… 

Por outro lado, as organizações do campo petistas, cutistas e que em geral se alinhavam aos antigos governos Lula e Dilma, querem “virar a página” do golpe, apostando todas as fichas nas eleições 2018, desconsiderando que o imperialismo não medirá esforços para impedir que o campo “democrático-popular” volte ao governo. Os discursos de novas conciliações, acalmando os detentores do poder financeiro, não se comprometendo a reverter imediatamente os decretos golpistas (brincando com os anseios do povo!), o recuo na organização e mobilização das bases, acaba por arrastar todo o movimento sindical e popular para um beco sem saída. 

Essas duas avaliações estão tão focadas no ato singular do impeachment e tão fechadas e condicionadas ao governo Dilma que não percebem a gravidade do momento que vivemos. Enquanto a primeira subestima o ascenso das forças reacionárias no Brasil e reforça uma narrativa de continuísmo evolutivo, adota uma tática sectária de purismo político de repelir a necessária unidade; a segunda adota uma tática de superação do golpe cujo centro é a institucionalidade eleitoral – e não se compromete a reverter as contrarreformas nem afirma como superará a crise sem uma agenda de arrocho fiscal. Nós consideramos ambas as avaliações e suas repercussões práticas como graves erros.

Golpe em plena marcha

O golpe não se encerrou: está em plena marcha. A derrubada do governo Dilma foi apenas o seu ato inaugural. Para superar a crise institucional, o governo Dilma adotou políticas de ajuste fiscal e prosseguiu com a conciliação com os ditames das classes dominantes mais reacionárias. Em plena caminhada do impeachment fizeram parte de um movimento de isolamento progressivo de um governo que para se salvar preferiu negociar cargos ao invés de se apoiar nas massas1. Quanto mais ele cedia, mais agressivos se tornavam os ataques. Os então “setores governistas”, pela sua natureza conciliadora e restrita aos horizontes da ordem burguesa, entrou tarde e timidamente na luta contra o golpe. O seu curso segue porque no atual momento a agenda é a de destruição completa do pacto social construído com a Constituição de 1988; a eliminação da presença de qualquer setor popular inserido em cargos de representatividade dentro da institucionalidade da ordem burguesa; e a redução do peso do voto popular, construindo uma ordem claramente antidemocrática². Este movimento segue sua marcha porque o governo Dilma, mesmo com todo o ajuste fiscal entreguista e conciliador, recusou aplicá-lo com a profundidade, a intensidade e a rapidez com que o imperialismo almejava! Os programas sociais de compensação à pobreza e as políticas externas minimamente autônomas eram demasiadamente indigestos para o atual momento do imperialismo, e não devem fugir de nossa análise da realidade.

Este projeto é tão devastador que não cabe dentro da plataforma eleitoral de Lula, mesmo ele estando disposto a reconstruir relações com algumas alas do PMDB, como Renan Calheiros. Por isso as forças golpistas anseiam tanto a sua condenação, com medo de uma eventual vitória de Lula em 2018. O golpe em curso possui diretrizes gerais, um programa e um conjunto de forças heterogêneas que muitas vezes entram em conflito consigo mesmas, como demonstraram várias das turbulências pelo qual atravessa o governo Temer. 

Ainda que suas consequências não sejam resultado de um plano programado de acontecimentos, ele possui um centro indutor comum, uma espécie de Comitê Central, expresso pela principal força imperialista mundial: os Estados Unidos e o capital financeiro. Eles buscam, em golpes – como no Brasil, Paraguai e Honduras –, em vários outros movimentos infiltradores – como no Equador e na Argentina – ou em agressões violentas e manobras de desestabilização – como na Venezuela e Bolívia-, colocar a ordem no seu “pátio traseiro”, ou seja, na América Latina, na palavras do ex-secretário de Estado dos EUA, John Kerry. 

As forças golpistas, assim como qualquer outro protagonista político, confrontam suas ações e seus intentos com as circunstâncias historicamente colocadas, sem poder prever com exatidão os seus resultados. É aí onde moram os perigos e o extraordinário: no aspecto imponderável da conjuntura.

 2017 de lutas da classe trabalhadora

Nas lutas do início de 2017 tivemos grandes avanços para elevar a consciência de classe trabalhadora, trazendo para luta setores populares que estavam adormecidos. A política entreguista do patrimônio nacional e de eliminação dos direitos elementares da população fizeram o golpe perder qualquer apoio da população. Fruto disso é a grande rejeição do governo golpista Temer. Porém, essas lutas estão muito aquém da necessária resposta a intensa ofensiva do golpe. Os chamados nacionais de mobilização protagonizados pelas centrais sindicais fizeram agitar uma candente tendência de luta da classe trabalhadora brasileira. Mesmo com um sindicalismo apelegado e amarrado à institucionalidade estatal, fomos capazes de realizar enormes manifestações que surpreenderam positivamente todos: tanto os golpistas quanto os lutadores e os pelegos. Foi assim no dia 8 de março, no dia 15 de março e especialmente no dia 28 de abril, na maior greve geral da história recente do Brasil. No dia 24 de maio, quando as forças pelegas marcaram uma marcha para Brasília para desmobilizar a próxima greve geral, elas se depararam com 200 mil trabalhadores saturados até a medula. Mesmo que seus dirigentes os tentassem desmobilizar mandando “voltar para casa”, essa massa se manteve em combate, ainda que desorganizadamente, por seis horas consecutivas contra a Polícia Militar mais preparada para a contenção de massas (PM do Distrito Federal), obrigando-os pedir apoio do Exército, na primeira intervenção militar aberta e diretamente anti-povo contra manifestações civis desde o final da Ditadura. 

Esses exemplos apenas comprovam uma tendência viva na classe trabalhadora pela disposição ativa para a luta que apenas não encontra vazão quando interditada pelo efeito desorganizador das traições e/ou vacilações de dirigentes sindicais apelegados. Esse foi um fato observado na aberta abdicação da greve geral que tinha sido chamada para dia 30 de junho e recentemente no dia 05 de dezembro.

É preciso lembrar que o Brasil não passou por uma revolução burguesa anti-colonial democratizante; os mais de três séculos de escravidão não chegaram ao fim devido a uma derrota efetiva dos “senhores de engenho”; e tampouco a República se constituiu de maneira a varrer as características conservadoras da velha sociedade imperial e oligárquica. Dessa forma, a democracia burguesa de nosso país se constituiu apenas de maneira circunstancial e funcional aos interesses das classes dominantes brasileiras profundamente comprometidas e subordinadas aos interesses do capital estrangeiro e do imperialismo. Se de alguma maneira os ganhos e a margem de lucros destes sujeitos estão reduzidos, a democracia passa a ser valor prescindível e os riscos de um avivamento da natureza autocrática da burguesia aumentam.

Eleições 2018

É por isso que nós do PCLCP temos repetido que não há garantias sólidas de que teremos eleições democráticas em 2018. A junta golpista segue dividida e a falta de um candidato seguro, que possa dar continuidade ao programa golpista, tem feito os pivôs do golpe falarem abertamente na possibilidade de se instituir uma espécie de parlamentarismo ou semi-presidencialismo, velho desejo dos entreguistas que querem manter-se no poder executivo sem passar por um verdadeiro escrutínio nacional. Dentro da insegurança da classe dominante em ter um candidato viável, podemos observar o desespero do PSDB que tenta se confirmar como “centro”, apelando até aos globais da estirpe de Luciano Huck. Isso tem sido um problema sério para as classes dominantes, visto que as eleições poderiam garantir legitimação quase que plena para a agenda golpista.

Há também o “risco Bolsonaro”, um pré-candidato que defende posições abertamente fascistas, articulando tudo que há de ruim na política. Desde o seu entreguismo crônico travestido de pseudo patriotismo, a defesa dos assassinos da Ditadura Militar, seu apelo demagógico aos militares (em especial, à polícia), sua ignorância inconteste em qualquer assunto relevante para um presidenciável, seu machismo, misoginia, racismo e homofobia são a expressão e a “carta branca” para o fascismo emergir dessas tendências cada vez com maior força no seio da sociedade brasileira. No entanto, pela sua própria característica fisiológica como político e o risco de rejeição significativa (já que o efeito Trump parece ser menos provável no Brasil), a possibilidade das elites em depositarem seus esforços em sua candidatura não está avançando. Independente de este candidato ser viável, sua figura possibilita e incentiva que o irracionalismo de cunho fascista se espalhe pela nossa juventude e pelo nosso povo. O enfrentamento contra as políticas e as ações de grupos fascistóides e viúvas da ditadura pode também caracterizar o próximo período das lutas populares à revelia das eleições. 

Julgamento de Lula

Dentro deste cabo de guerra e no risco de endurecimento do regime golpista, há algumas outras variáveis. A provável condenação de Lula no dia 24 de janeiro, em Porto Alegre, irá intensificar e em grande medida justificar a repressão e a perseguição a todo campo popular e a esquerda, organizada partidariamente ou não, abrindo caminho para um momento de judicialização do movimento social antes visto apenas na ditadura de segurança nacional.  

Devemos usar da bandeira democrática na luta conta o golpe para fomentar a organização e a mobilização do movimento popular, já que os primeiros efeitos da políticas nefasta da agenda golpista já estão sendo sentidos pela massa do povo brasileiro. Diante da crise dentro da junta golpista e inviabilidade de uma saída institucional, os donos do golpe (bancos, grande imprensa burguesa e imperialismo) a apelação para uma via de intervenção militarizada pode ser real. Os flertes das Forças Armadas, com as ameaças expressas do general Mourão e a anuência de Villas-Boas, seu comandante, não podem ser desprezadas. Existem ainda as manobras militares norte-americanas na Amazônia, as operações militares do exército de ocupação de pontos estratégicos e contenção de revoltas, a intervenção das Forças Armadas nos estados, favelas e presídios, a aprovação da lei que impede militares de responder por assassinatos, o decreto que aciona as forças armadas para uso de segurança pública, o monitoramento dos órgãos de inteligência contra as organizações de esquerda e a invasão sistemática da Polícia Federal nas universidades. Nenhuma destas ações são mencionadas em tom alarmista ou pelo viés pelego e oportunista de que é melhor abaixar a cabeça para não “cutucar o leão com vara curta”. Mas sim da necessidade das forças de esquerda compreender que é necessário jogar toda sua força na organização popular a na unificação da classe trabalhadora ao mesmo tempo que se prepara para enfrentar todos os cenários possíveis. 

Derrotar as forças golpistas e seu programa!

Nós consideramos que a grande prioridade nacional é a derrota das forças golpistas e de todo o seu programa de retirada de direitos, dilapidação e entrega do patrimônio brasileiro ao capital estrangeiro. Projeto, portanto, de traição à pátria! 

O trabalho de unificação da classe trabalhadora  precisa ser feito por todos aqueles que não acreditam mais nas possibilidades exclusivamente eleitorais ou que não se findem exclusivamente a elas. Todos os indignados, desde a base às lideranças, precisam pressionar para a unidade das forças de esquerda e do conjunto da classe trabalhadora brasileira, do campo e da cidade, empregados públicos e privados, trabalhadores produtivos e de serviços, formais e informais, empregados e desempregados, militares ou civis, pequenos comerciantes e pequenos proprietários de terra, intelectuais, artistas e estudantes. Enfim, todo o povo brasileiro! 

É justamente por isso que o debate eleitoral, neste momento crítico, está se configurando como um verdadeiro estorvo, embriagando, dividindo e dificultando a unidade na luta. A votação da PEC-287 está  agendada para fevereiro e as vacilações para a Greve Geral do dia 5 de dezembro foram grandes. Não podemos manter uma agenda reativa, não podemos submeter a mobilização popular à agenda do congresso! Votações congressuais são muito mais fáceis de se marcarem do que mobilizações nacionais! É preciso que o movimento proletário-popular esteja se projetando adiante numa posição ostensiva e sem vacilações. Os motivos da unificação proletária e popular são claros: reverter as contrarreformas impostas pelo governo golpista de Michel Temer; avançar na constituição de direitos sociais e na organização permanente da classe trabalhadora; democratizar radicalmente a sociedade brasileira e caminhar para uma verdadeira independência e soberania nacional.

A tentativa de condenação de Lula por crimes até hoje não comprovados é uma manobra evidente e revela a disposição inescrupulosa dos golpistas em garantir sua agenda a qualquer custo, interditando até mesmo a candidatura daquele que representou a conciliação com as classes dominantes. O golpe busca interditar desesperadamente qualquer caminho que se desvie de seu planejamento. Uma eventual condenação e prisão de Lula serviria para dar o acabamento institucional ao golpe. Independente de candidaturas, a nossa defesa parte do pressuposto de que hajam eleições com o mínimo de legitimidade, legalidade e democracia. O que está sendo julgada é a figura política de Lula. O ataque contra essa figura política representa um ataque contra toda classe trabalhadora, sindicato, movimentos sociais e esquerda em geral. Desde já, todos setores democráticos, populares e nacionalistas devem organizar uma contínua e ampla mobilização popular contra a condenação e prisão do ex-presidente Lula, e fazer avançar a mobilização para que aglutine o combate a toda política antinacional, antidemocrática e antipopular do governo golpista.  

Polo Comunista Luiz Carlos Prestes

Janeiro de 2018

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